domingo, 27 de abril de 2014

OUTROS CONTOS

«Proscrito», por Delminda Silveira.

«Proscrito»
O Desterrado, por Soares dos Reis

130- «PROSCRITO»

Era forçoso partir.

Era um decreto dos fados; talvez um decreto de Deus!

Mais poderoso que o amor de um povo, mais do que o raio que de improviso cai sobre a eminência de um templo sagrado derrubando-a, força irresistível o impelia.

E o velho obedeceu; partiu.

Lá fora, em pleno oceano, a fronte pendida, a barba alvíssima e crespa como a espuma dos mares a beijar-lhe o peito em que gemia o coração que levava um nome escrito entre saudades, o velho chorava.

Entretanto ele sentia inocência na alma cheia de amargores, e no peito o coração repleto de amor; — o coração que levava gravado um nome...

O doce nome da Pátria!

E, lá, na vastidão intérmina do oceano, entre o Infinito azul e o Infinito Glauco, o proscrito fez vibrar as cordas a harpa gemedora de sua alma de poeta; e as aves carinhosas que atravessavam o espaço, levavam os acordes daquele adeus magoado, e a viração marinha suspirando nas enxárcias, repercutia, daquela dor, os gemidos a se perderem pela soledade ilimitada dos mares.

Descera a noite estendendo desde a altura o negro véu recamado de estrelas que se ampliava sobre as ondas em renda de alvas espumas com semeados de ardentia luminosa.

Enquanto a viração marinha ciciava endeixas de saudade pelas enxárcias da nau balançada em ondulações de luz, o proscrito adormecera e sonhava.

Era uma visão formosíssima!

— Um índio belo, colossal, vestido de brilhante enduápe trazendo sobre a cabeça o vistoso kanitar dos reis da selva que lhe deixava a descoberto a fronte morena, altiva, cingidos os musculosos braços e os tornozelos com ornatos de áurea plumagem, adornado o colo hercúleo de um colar de alvo marfim, entremeado de pedras brilhantes, sobraçando possante arco, e tendo na destra uma flecha de cuja extremidade pontiaguda pendia, traspassado, um coração sangrento, — joelho em terra, o índio ideal apresentava ao velho sonhador aquele emblema de afetos gotejando sangue, e tristemente murmurava: Pátria! Pátria!

E o proscrito acordava suspirando, em lágrimas, um nome... O doce nome da terra amada!

Mas, quem era esse coração majestoso, terno como David o rei poeta, e tão venerável como em profeta hebreu?

Era um monarca destronado.

Era um soberano a quem o seu povo, outrora, chamara pai!

Um dia, o Céu de formosa terra longínqua, Céu de azul puríssimo, em que a noite brilhava esplendorosa cruz formada de estrelas cintilantes, — escurecera. Um sopro gelado, vindo de além-mar, vestira de luto os ares e as águas...

Vergara o jequitibá robusto na floresta virgem e o sol empalidecera na amplidão turbada.

O mar rebentava lastimoso regando as praias de suas lágrimas salinas.

As andorinhas que voltavam não chilreavam de contentes, antes, parecia gemerem ao chegar aos tetos da terra pátria.

E o vento espalhava no espaço uma melodia triste...

Eram nênias de magoada saudade...

Eram lamentos de um coração dorido...

Era o extremo Adeus do proscrito que adormecera— para sempre na terra do exílio!

Delminda Silveira

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