«O Inverno do Nosso Descontentamento»
Romance de John Steinbeck
364- «O INVERNO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO»
[Excerto]
Meu pai era um tolo por vezes brilhante, amável, bem
informado e mal avisado. Sem o auxílio de ninguém, perdeu terras, dinheiro,
prestígio e futuro.
Só conservou o nome, de resto a única coisa que lhe
interessava.
Quem o diz é o narrador-personagem deste romance, Ethan
Allen Hawley, descendente de duas das mais antigas e ricas famílias de New
Baytown, uma pequena cidade portuária, outrora um burgo fundado por
marinheiros, piratas e pescadores de baleias.
O pai de Ethan perdeu quase tudo o que os Allen e
os Hawley acumularam ao longo de séculos. Da ruína salvaram-se várias
casas e um estabelecimento comercial, que deixou ao único
filho. Também este conhecerá o sabor da ruína.
Regressado da guerra, sem dinheiro e sem experiência
profissional, Ethan decide vender algum património para abrir uma mercearia-frutaria
na loja herdada. A falência acontece menos de dois anos depois
e ele tem de vender o que lhe restava para liquidar dívidas.
Consegue ficar com a velha casa de família, onde vive com a mulher Mary e os
filhos adolescentes Allen e Mary Ellen.
A mercearia é vendida a Marullo, um siciliano de sessenta e
oito anos, estranho e ausente. Ethan passa a caixeiro do estabelecimento. É ele
é que abre e fecha o estabelecimento, contacta com os fornecedores, gere o
dinheiro de caixa, faz a contabilidade.
Ao fim do dia, depois da porta fechada e da cortina corrida,
na penumbra silenciosa, cansado, Ethan “desabafa" com as latas,
frascos, caixas, frutas e legumes.
Ele é um homem íntegro, simples e feliz. Não tem
ressentimentos. Aceita a sua nova condição social. Já a família...
Ele convive bem com a troça, a crítica, as tentações e a
pressão de todos, para que se empenhe na recuperação da fortuna perdida.
Quando aparece na loja, o patrão instiga-o a enganar os
clientes: Ensinar-te-ei a fazer bons negócios. Pensa nos truques. Tens
ainda muito que aprender, rapaz. Tu és esperto, rapaz, mas és honesto.
A mulher, que ele ama apaixonadamente, critica-o: Toda
a gente se ri de ti. Um senhor muito distinto mas sem vintém é um falhado.
A filha pergunta-lhe: Quando te decides a tornar-te
rico? Estou farta de ser pobre.
Baker, o banqueiro, propõe que ele invista o dinheiro
herdado por Mary: Perca-o se for preciso, mas arrisque-o. Dê mostras de um
pouco de coragem. Os homens não se deixam prostrar.
Biggers, o caixeiro-viajante propõe-lhe um esquema de luvas: Não
seja idiota. Toda a gente o faz. Ele (o patrão) não perde nada e você recebe
umas boas luvas.
Margie Young-Hunt, a vidente amiga da mulher, predestina: Você
está destinado a um grande futuro.
(São poucas, mas «enormes» as personagens deste romance.)
À noite, quando não consegue dormir - Para mim,
dormir é um esforço enorme... Quando durmo canso-me. Os meus sonhos são os
problemas do dia deformados até ao absurdo. - Ethan caminha pelas ruas da cidade,
sempre em direcção ao Porto Velho, o seu lugar de eleição para lembrar o
passado e reflectir sobre o presente.
Na América do pós-guerra, onde a hipocrisia e o
dinheiro minavam o que no homem existia de mais puro e autêntico, o íntegro
Ethan começa a vacilar entre a ordem moral e a ambição.
Um homem deve viver guiado pelos seus princípios ou
deixar-se arrastar?
Aposto que quer saber como reagirá o íntegro Ethan a
tanta pressão. Alcançará o sucesso financeiro? A que custo?
Eu sei tudo sobre a gradual transformação de Ethan. Sobre as
manobras, esquemas e golpes sujos. Sobre a amargura, a tristeza e a
infelicidade que se seguiu ao sucesso financeiro e mundano. Eu sei tudo… mas
não conto.
Se quiser saber - Em que patife um homem pode
tornar-se! – “oiça” a história de Ethan.
É admirável!
John Steinbeck
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