sábado, 20 de dezembro de 2014

OUTROS CONTOS

«O Inverno do Nosso Descontentamento», por John Steinbeck.

«O Inverno do Nosso Descontentamento»
Romance de John Steinbeck

364- «O INVERNO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO»

[Excerto]

Meu pai era um tolo por vezes brilhante, amável, bem informado e mal avisado. Sem o auxílio de ninguém, perdeu terras, dinheiro, prestígio e futuro.

Só conservou o nome, de resto a única coisa que lhe interessava.

Quem o diz é o narrador-personagem deste romance, Ethan Allen Hawley, descendente de duas das mais antigas e ricas famílias de New Baytown, uma pequena cidade portuária, outrora um burgo fundado por marinheiros, piratas e pescadores de baleias.

O pai de Ethan perdeu quase tudo o que os Allen e os Hawley acumularam ao longo de séculos. Da ruína salvaram-se várias casas e um estabelecimento comercial, que deixou ao único filho. Também este conhecerá o sabor da ruína.

Regressado da guerra, sem dinheiro e sem experiência profissional, Ethan decide vender algum património para abrir uma mercearia-frutaria na loja herdada. A falência acontece menos de dois anos depois e ele tem de vender o que lhe restava para liquidar dívidas. Consegue ficar com a velha casa de família, onde vive com a mulher Mary e os filhos adolescentes Allen e Mary Ellen.

A mercearia é vendida a Marullo, um siciliano de sessenta e oito anos, estranho e ausente. Ethan passa a caixeiro do estabelecimento. É ele é que abre e fecha o estabelecimento, contacta com os fornecedores, gere o dinheiro de caixa, faz a contabilidade.

Ao fim do dia, depois da porta fechada e da cortina corrida, na penumbra silenciosa, cansado, Ethan “desabafa"  com as latas, frascos, caixas, frutas e legumes.

Ele é um homem íntegro, simples e feliz. Não tem ressentimentos. Aceita a sua nova condição social. Já a família...

Ele convive bem com a troça, a crítica, as tentações e a pressão de todos, para que se empenhe na recuperação da fortuna perdida.

Quando aparece na loja, o patrão instiga-o a enganar os clientes: Ensinar-te-ei a fazer bons negócios. Pensa nos truques. Tens ainda muito que aprender, rapaz. Tu és esperto, rapaz, mas és honesto.

A mulher, que ele ama apaixonadamente, critica-o: Toda a gente se ri de ti. Um senhor muito distinto mas sem vintém é um falhado.

A filha pergunta-lhe: Quando te decides a tornar-te rico? Estou farta de ser pobre.

Baker, o banqueiro, propõe que ele invista o dinheiro herdado por Mary: Perca-o se for preciso, mas arrisque-o. Dê mostras de um pouco de coragem. Os homens não se deixam prostrar.

Biggers, o caixeiro-viajante propõe-lhe um esquema de luvas: Não seja idiota. Toda a gente o faz. Ele (o patrão) não perde nada e você recebe umas boas luvas.

Margie Young-Hunt, a vidente amiga da mulher, predestina: Você está destinado a um grande futuro.

(São poucas, mas «enormes» as personagens deste romance.)

À noite, quando não consegue dormir - Para mim, dormir é um esforço enorme... Quando durmo canso-me. Os meus sonhos são os problemas do dia deformados até ao absurdo. - Ethan caminha pelas ruas da cidade, sempre em direcção ao Porto Velho, o seu lugar de eleição para lembrar o passado e reflectir sobre o presente.

Na América do pós-guerra, onde a hipocrisia e o dinheiro minavam o que no homem existia de mais puro e autêntico, o íntegro Ethan começa a vacilar entre a ordem moral e a ambição.

Um homem deve viver guiado pelos seus princípios ou deixar-se arrastar?

Aposto que quer saber como reagirá o íntegro Ethan a tanta pressão. Alcançará o sucesso financeiro? A que custo?

Eu sei tudo sobre a gradual transformação de Ethan. Sobre as manobras, esquemas e golpes sujos. Sobre a amargura, a tristeza e a infelicidade que se seguiu ao sucesso financeiro e mundano. Eu sei tudo… mas não conto.

Se quiser saber - Em que patife um homem pode tornar-se! – “oiça” a história de Ethan.

É admirável!

John Steinbeck

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