quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

OUTROS CONTOS

«O Califa e o Plantador Octogenário», por Latino Coelho.

«O Califa e o Plantador Octogenário»
Conto de Latino Coelho

421- «O CALIFA E O PLANTADOR OCTOGENÁRIO»

Ia o Califa Harum-el-Raxid por um campo, aonde andava a folgar à caça, quando sucedeu de passar por pé de um homem já mui velho, que estava a plantar uma noguerinha.

Então disse o Califa aos de seu séquito:

“Em verdade, bem  louco deve ser este homem em estar a plantar agora esta nogueira, como se estivesse ainda no vigor da mocidade e contasse como certo vir a gostar dos frutos desta planta.”

Indo-se então o Califa em direcção ao velho, perguntou-lhe quantos anos tinha.

“Para cima de oitenta, respondeu o velho; mas, Deus seja louvado, sinto-me ainda tão robusto, e saudável, como se tivera apenas trinta.”

“Sendo assim, retorquiu o Califa, quanto pensas tu que ainda hás-de viver, pois que nesta idade já tão adiantada estás a plantar uma árvore que por natureza só daqui a largos anos dará fruto?”

“Senhor, disse o velho, tenho grandes contentamentos em a estar plantando, sem inquirir se serei eu ou outros depois de mim quem lhe colherá os frutos. Assim como nossos pais trabalharam por nos legar as árvores que nós hoje desfrutamos, assim é justo que deixemos outras novas, com que nossos filhos e netos venham a utilizar-se e a enriquecer-se. E, se hoje nos sustentamos dos frutos do seu trabalho e se foram nossos pais tão cuidadosos do futuro, como havemos de retribuir em desamor aos nossos filhos, o que de nossos pais recebemos em carinho e providência? Assim, semeia o pai para que o filho possa vir a colher.” 

Caíram tão em graça as palavras do ancião ao ânimo generoso do Califa, que logo ali foi presenteado com uma bolsa cheia de ouro. Então o velho, depois dos agradecimentos que lhe ditou ou a sua piedade, tomou argumento para reforçar o que havia pouco dissera, exclamando:

“Quem poderá agora dizer, que não foi bem galardoado o meu trabalho de hoje, se esta árvorezinha que eu plantei há pouco, logo ao primeiro dia me deu frutos sazonados e valiosos?”

Tomai daqui o exemplo, meus meninos, e não vos desgosteis do trabalho que fizerdes, só porque as nogueiras que plantardes, vos não possam lisonjear a gulodice logo ao segundo dia de as haverdes enraizado na terra: nem vos tome nunca a tentação de largardes as vossas tarefas úteis, como dizer que os frutos do vosso esforço e trabalho outros os hão-de colher, e não vós. Aprendei a haver por irmãos a todos os homens que Deus pôs na terra para o servirem, e se amarem e auxiliarem mutuamente. 

Trazei sempre bem vivo nos vossos corações o amor do próximo, seja daquele que vós vedes, e viva a par de vós, seja do que ainda nascer; porque o que está aqui vivo tem direito a, que o ajudeis, para que vos retribua; e o que ainda há-de vir, há-de conhecer-vos pela herança que lhe deixardes, e abençoar-vos, se a herança for de bem, e amaldiçoar-vos, se for de mal

Latino Coelho

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