«O Califa e o Plantador Octogenário»
Conto de Latino Coelho
421- «O CALIFA E O PLANTADOR OCTOGENÁRIO»
Ia o Califa Harum-el-Raxid por um campo, aonde andava a folgar à caça, quando sucedeu de passar por pé de um homem já mui
velho, que estava a plantar uma noguerinha.
Então disse o Califa aos de seu séquito:
“Em verdade, bem louco deve ser este homem em estar a
plantar agora esta nogueira, como se estivesse ainda no vigor da mocidade e
contasse como certo vir a gostar dos frutos desta planta.”
Indo-se então o Califa em direcção ao velho,
perguntou-lhe quantos anos tinha.
“Para cima de oitenta, respondeu o velho; mas, Deus seja
louvado, sinto-me ainda tão robusto, e saudável, como se tivera apenas trinta.”
“Sendo assim, retorquiu o Califa, quanto
pensas tu que ainda hás-de viver, pois que nesta idade já tão adiantada estás a
plantar uma árvore que por natureza só daqui a largos anos dará fruto?”
“Senhor, disse o velho, tenho grandes contentamentos em a
estar plantando, sem inquirir se serei eu ou outros depois de mim quem lhe
colherá os frutos. Assim como nossos pais trabalharam por nos legar as árvores
que nós hoje desfrutamos, assim é justo que deixemos outras novas, com que
nossos filhos e netos venham a utilizar-se e a enriquecer-se. E, se hoje
nos sustentamos dos frutos do seu trabalho e se foram nossos pais tão
cuidadosos do futuro, como havemos de retribuir em desamor aos nossos filhos,
o que de nossos pais recebemos em carinho e providência? Assim, semeia o pai
para que o filho possa vir a colher.”
Caíram tão em graça as palavras do ancião ao ânimo generoso
do Califa, que logo ali foi presenteado com uma bolsa cheia de ouro.
Então o velho, depois dos agradecimentos que lhe ditou ou a sua piedade, tomou
argumento para reforçar o que havia pouco dissera, exclamando:
“Quem poderá agora dizer, que não foi bem galardoado o meu
trabalho de hoje, se esta árvorezinha que eu plantei há pouco, logo ao primeiro
dia me deu frutos sazonados e valiosos?”
Tomai daqui o exemplo, meus meninos, e não vos desgosteis do trabalho
que fizerdes, só porque as nogueiras que plantardes, vos não possam lisonjear a
gulodice logo ao segundo dia de as haverdes enraizado na terra: nem vos tome
nunca a tentação de largardes as vossas tarefas úteis, como dizer que os frutos
do vosso esforço e trabalho outros os hão-de colher, e não vós. Aprendei a haver
por irmãos a todos os homens que Deus pôs na terra para o servirem, e se amarem
e auxiliarem mutuamente.
Trazei sempre bem vivo nos vossos corações o amor do
próximo, seja daquele que vós vedes, e viva a par de vós, seja do que ainda
nascer; porque o que está aqui vivo tem direito a, que o ajudeis, para que vos
retribua; e o que ainda há-de vir, há-de conhecer-vos pela herança que lhe
deixardes, e abençoar-vos, se a herança for de bem, e amaldiçoar-vos, se for de
mal
Latino Coelho
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