segunda-feira, 30 de março de 2015

OUTROS CONTOS

«Arte Poética», conto poético por Paul Verlaine.

«Arte Poética»
Retrato do escritor, poeta e ensaísta Charles Morice 

460- «ARTE POÉTICA

(A Charles Morice)

Música, antes de qualquer coisa,
E para tal, prefere o Ímpar,
Mais vago e mais solúvel no ar,
Sem nada que lhe pese ou que lhe pouse.

É preciso também que não vás nunca
Escolher tuas palavras sem algum engano:
Nada mais caro que a canção cinzenta
Onde o Indeciso se junta ao Preciso.

São belos olhos atrás dos véus,
É a grande luz trémula do meio-dia,
É, através do morno céu de outono,
O azul desordenado das claras estrelas!

Porque nós queremos ainda o Matiz,
Não a Cor, nada senão o Matiz!
Ok! Só o Matiz vincula
O sonho ao sonho e a flauta à trompa!

Foge para longe da Piada assassina,
Do Espírito cruel e do Riso impuro,
Que fazem chorar os olhos do Azul,
E todo este alho de baixa cozinha!

Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Farás bem, com um pouco de energia,
Em tornar a rima um pouco razoável:
Se não a vigiamos, até onde irá?

Oh, o que dizer dos danos da Rima!
Que criança surda ou que negro louco
Nos forjou essa jóia de um vintém
Que soa oca e falsa sob a lima?

A música, ainda e sempre!
Que teu verso seja a coisa fugidia
Que sentimos escapar de uma alma em caminhada
Na direcção de outros céus e de amores outros.

Que teu verso seja a boa aventura
Esparsa no vento crispado da manhã
Que vai florindo a hortelã e o timo...
E todo o resto é literatura.

Paul Verlaine

Sem comentários:

Enviar um comentário