«Arte Poética»
Retrato do escritor, poeta e ensaísta Charles
Morice
460- «ARTE POÉTICA
(A Charles Morice)
Música, antes de qualquer coisa,
E para tal, prefere o Ímpar,
Mais vago e mais solúvel no ar,
Sem nada que lhe pese ou que lhe pouse.
É preciso também que não vás nunca
Escolher tuas palavras sem algum engano:
Nada mais caro que a canção cinzenta
Onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
É a grande luz trémula do meio-dia,
É, através do morno céu de outono,
O azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós queremos ainda o Matiz,
Não a Cor, nada senão o Matiz!
Ok! Só o Matiz vincula
O sonho ao sonho e a flauta à trompa!
Foge para longe da Piada assassina,
Do Espírito cruel e do Riso impuro,
Que fazem chorar os olhos do Azul,
E todo este alho de baixa cozinha!
Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
Farás bem, com um pouco de energia,
Em tornar a rima um pouco razoável:
Se não a vigiamos, até onde irá?
Oh, o que dizer dos danos da Rima!
Que criança surda ou que negro louco
Nos forjou essa jóia de um vintém
Que soa oca e falsa sob a lima?
A música, ainda e sempre!
Que teu verso seja a coisa fugidia
Que sentimos escapar de uma alma em caminhada
Na direcção de outros céus e de amores outros.
Que teu verso seja a boa aventura
Esparsa no vento crispado da manhã
Que vai florindo a hortelã e o timo...
E todo o resto é literatura.
Paul Verlaine
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