quinta-feira, 4 de agosto de 2016

OUTROS CONTOS

«A Gota de Água», por Hans Christian Andersen.

«A Gota de Água»
Conto de Hans Christian Andersen

843- «A GOTA DE ÁGUA»

Tu conheces, com certeza, uma lupa de aumentar, assim como uma lente redonda de óculos que torna tudo cem vezes maior do que é? Quando se pega nela e se a põe diante da vista e se observa uma gota de água do lago, vêem-se milhares de animais estranhos, como nunca se vêm na água, mas estão lá e isso é real. Parece quase como um prato cheio de camarões. Saltam uns entre os outros e são vorazes, arrancam braços e pernas, pontas e bicos uns aos outros e assim estão alegres e contentes, à sua maneira.

Pois era uma vez um velho homem a quem toda a gente conhecia como Comichão-Coceira, porque era assim que se chamava. Queria sempre tirar o maior proveito de qualquer coisa, e quando não o conseguia, obtinha-o por feitiço.

Estava um dia sentado, segurando a sua lupa de aumentar diante dos olhos, a observar uma gota de água que fora tirada de uma valeta. Oh! Que comichões e coceiras aí havia! Todos os milhares de animaizinhos pulavam e saltavam, puxavam uns pelos outros e comiam-se uns aos outros.

– Mas isto é horrível! – disse o velho Comichão-Coceira. – Não se consegue levá-los a viverem em paz e sossego e deixar a cada um o que é seu! – E pensou, e pensou, mas não dava resultado, e assim teve de fazer um feitiço. – Tenho de lhes dar cor para que se tornem mais distinguíveis! – disse ele. Então, verteu como que uma gota de vinho tinto na gota de água, mas que era sangue de bruxa, do mais fino, a dois xelins. E assim se tornaram todos os estranhos animais, rosados em todo o corpo. Parecia uma cidade de selvagens nus.

– Que tens tu aí? – perguntou um outro feiticeiro velho que não tinha nome, e era isso que o tornava fino.

Se conseguires adivinhar o quê – disse o Comichão-Coceira –, dar-to-ei de presente. Mas não é fácil de descobrir, quando não se sabe.

E o feiticeiro que não tinha nome olhou através da lupa de aumentar. Parecia, verdadeiramente, como se fosse toda uma cidade, onde os homens andavam sem roupa! Era horrível mas ainda mais horrível, era ver como cada um empurrava e impelia o outro, como se beliscavam e se agarravam, se mordiam uns aos outros e se arrastavam uns aos outros. O que estava por baixo de tudo tinha de ir para cima de tudo e o que estava acima de tudo tinha de ir para baixo de tudo! Vede! Vede! A perna dele é maior do que a minha! Baf! Fora com ela! Está ali um que tem uma borbulhinha por detrás da orelha, uma borbulhinha inocente, mas tortura-o e assim a borbulha vai atormentá-lo mais! E cortaram nele e arrastaram-no e comeram-no por causa da borbulhinha. Está ali um, sentado tão sossegado, como uma donzela, e que só desejava paz e tranquilidade, mas a donzela teve de vir cá para fora e puxaram por ela e rasgaram-na e comeram-na!

– É extraordinariamente divertido! – disse o feiticeiro.

– Sim, mas que pensas tu que é? – perguntou o Comichão- -Coceira. – És capaz de descobrir?

– É bem de ver! – disse o outro. – É com certeza Copenhaga ou outra grande cidade, são parecidas todas umas com as outras. É uma grande cidade!

– É água do charco! – respondeu o Comichão-Coceira.
                                        
Hans Christian Andersen

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