terça-feira, 13 de abril de 2010

Dedicatória a Gil Vicente


O DRAMATURGO


Gil Vicente e a Escrita

Foi o mais importante dramaturgo português. Ourives do reino, mestre de balança da Casa da Moeda, autor da famosa Custódia de Belém, representa, em 1502, o Auto da Visitação (Monólogo do Vaqueiro), perante a rainha parturiente, sendo este o início de uma carreira fecunda de comediógrafo, regular e brilhante. A sua obra representa o encontro da herança medieval, sobretudo nos géneros e na medida poética (utiliza sistematicamente a métrica popular, em autos e farsas), com o espírito renascentista de exercício crítico e de denúncia das irregularidades institucionais e dos vícios da sociedade.

Entre as suas inúmeras obras contam-se: o Auto da Índia, 1509, farsa que critica o abandono a que o embarque eufórico e sistemático dos Portugueses para o Oriente, em cata de riquezas, vota a pátria e as situações familiares; os Autos das Barcas (Barca do Inferno, 1517; Barca do Purgatório, 1518; Barca da Glória, 1519), peças de moralidade, que constituem uma alegoria dos vícios humanos; Auto da Alma, 1518, auto sacramental, que encena a transitoriedade do homem na vida terrena e os seus conflitos entre o bem e o mal; Quem Tem Farelos?, 1515, Mofina Mendes, 1515, e Inês Pereira, 1523, que traçam quadros populares de intensidade moral, simbólica ou quotidiana, em urdiduras de cómico irresistível e de alcance satírico agudo e contundente.

É muito rica a galeria de tipos em Gil Vicente, e variada a gama da sua múltipla expressão, desde a poetização do mais comum, até à religiosidade refinada e aos conteúdos abstractos e ideológicos que defende ou satiriza.


Auto da Barca do Purgatório

Autoria: Gil Vicente
Data de publicação: 1518

Este auto de Gil Vicente foi representado à rainha D. Leonor no Hospital de Todos-os-Santos da cidade de Lisboa, nas matinas do Natal.

Personagens: Anjo (arrais do Céu), Diabo (arrais do Inferno), Companheiro do Diabo, Lavrador, Marta Gil (regateira), Pastor, Moça Pastora, Menino, Taful e três Anjos.

Argumento: Todos os defuntos pretendem embarcar na barca do Anjo. O Lavrador, a regateira Marta Gil, o Pastor e a Pastora (representantes do povo) são condenados a expiar os seus pecados no Purgatório. Com o arrais do Inferno segue o Taful. Apenas o Menino embarca com o arrais do Céu.

Fala do Lavrador:

Sempre é morto quem do arado
há-de viver.
Nós somos vida das gentes
e morte de nossas vidas;
a tiranos, pacientes,
que a unhas e a dentes
nos tem as almas roídas.
Para que é parouvelar?
Que queira ser pecador
o lavrador;
não tem tempo nem lugar
nem somente d'alimpar
as gotas do seu suor.

Auto da Barca do Purgatório

© Instituto Camões


DEDICATÓRIA

Diálogo poético para teatro inspirado em Gil Vicente:


DONA VIDA… DONA MORTE…

( Diálogo entre vida e morte )


Dona Vida

Tu que dormes a meu lado

Desde o dia em que nasci,

Diz-me: Qual o dia esperado,

Ou será que morri?


Dona Morte

Vai vivendo e aguarda,

De ti eu não me esqueço.

O tempo não me diz nada,

Sou órfã, não tive berço!


Dona Vida

Falas e não entendo,

Nunca sei o que pensar...

Será que estou morrendo

Para de novo recomeçar?


Dona Morte

Tudo acaba no princípio

Sem se saber que é assim,

         Como os Deuses no Olimpo

Tu também terás um fim!


Dona Vida

Leva-me, não me esperes

Pode ser de madrugada,

Ou então se quiseres

Ao raiar da alvorada.


Dona Morte

Não és tu quem decide

O tempo que foi escolhido;

A vida não divide

O que está dividido!


Dona Vida

És obscura… morte canalha,

Não sei se te quero ver.

Vives no fio da navalha

Um dia hás de morrer!


Dona Morte

Ora bem, até que enfim,

Podes vir, chegou o momento.

Neste mundo tudo tem fim,

Acabou agora o teu tempo!!


Dona Vida

Adeus morte… fico por cá,

Não tenho pressa de partir,

Sei que para o lado de lá

Todos teremos que ir!!!


Dona Morte

Ao Diabo vida!


Dona Vida

A Deus morte!


Matias José (01.03.2009)

5 comentários:

Anónimo disse...

Impulsionador do teatro português e poeta dos autos, o grande Gil Vicente muito bem recordado pelo POETA em mais uma excelente publicação do blogue poet'anarquista. O "Diálogo", palavras para quê... ESTÁ SENSACIONAL!!!!!*****

Admiradora Secreta

Anónimo disse...

Sr.POETA Cabé gostei muito do que li e especialmente do seu diálogo. Não é para todos escrever tão bem. Muitos parabéns!

Anónimo disse...

É uma agradável surpresa a escrita de Matias José. O diálogo entre vida e morte está muito bem conseguido...

Anónimo disse...

Senhor Matias José, só uma palavra: Riquíssimo o diálogo entre Vida e Morte! Continue a escrever que os amantes de poesia agradecem!!!

Maria

Anónimo disse...

Isto sim é poesia, não é aquelas merdas de quadras (desculpem a expressão) a dizerem mal uns dos outros...

Sacaio Amigo