quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

OUTROS CONTOS

«O Pesadelo», por Leunam d'Orig.

«O Pesadelo»
Príncipe, o Perfeito

1243- «O PESADELO»

Todos os dias a rotina habitual de Matias sucedia-se… depois do almoço no local de trabalho, dirigia-se ao prédio onde morava para apanhar seu cachorro, e dar o passeio pelas cercanias a fim de o animal fazer as suas necessidades.

Naquele dia, quando Matias abriu a porta para sair com seu cachorro, o vizinho da frente interpelou-o bruscamente dizendo vários impropérios sobre o cão, chegando ao cúmulo de o ameaçar com uma faca de serrilha.

Não era a primeira vez que tal sucedia, e Matias perdeu a paciência e o ofendeu. Chamou-lhe canalha, que não tinha coração e que só estava feliz a arranjar problemas onde não existiam.

Matilde, a vizinha do andar de cima descia as escadas nesse momento e presenciou a cena pouco amistosa entre o velho homem e Matias, de quem era amiga há largos anos.

Lá o acalmou conseguindo que ele descesse as escadas do prédio até ao rés-de-chão, e seguir viagem para dar o passeio habitual com seu cachorro.

Matias interpelou-a:

- Matilde, você ouviu eu gritar que ele me estava apontando uma faca?

-Sim, Matias… mas já passou, agora acalma-te e vai passear o teu Príncipe que não tarda são horas de regressares ao trabalho.

- Obrigado, Matilde… dá cá um beijo, tu tens o condão de me tranquilizar. Se não fosses tu aparecer na altura certa, parece-me que o velho não se escapava de levar um par de estalos.

Todas as noites Matias descansava trancado a sete chaves. Como se não bastasse trancar a porta de entrada da casa, trancava igualmente a porta do corredor que dava acesso ao quarto, e a porta do seu quarto. Matias vivia trancado na sua própria casa, e as noites eram de enorme agitação até adormecer. Para conseguir descansar sem aquela maldita ansiedade que lhe apertava o peito, engolia como era hábito todas as noites o respectivo comprimido perto da meia-noite.

Naquela noite de treze para catorze de Março, depois das ameaças que lhe tinha feito o velho homem pela hora de almoço, Matias estava mais inquieto do que era normal. Deitou-se perto da meia-noite, tomou em vez de um, dois comprimidos, e caiu num sono profundo.

Ouviu-se uma primeira chave abrir uma fechadura e o ranger de porta… depois, sucessivamente, uma e outra fechaduras até se encontrar no interior do quarto onde Matias dormia a sono solto.

Uma lanterna se acendeu direccionada para a cama onde Matias descansava focando o seu rosto adormecido. Nesse instante Matias acordou ficando petrificado e imóvel… não voltaria a acordar novamente para a vida. Uma primeira facada no peito, seguida de outras quantas  na mesma zona, até que se ouviu uma voz suave e doce deslizar:

- Querido, muitos parabéns pelo dia catorze de Março, dia do teu aniversário, recebe com agrado a décima quarta facada que te desfiro. Com amor, tua amiga de sempre…

O Príncipe, encerrado no quarto dos fundos, fazia ouvir os seus uivos por todo o prédio e arredores…

Não mais teria o prazer de passear com seu amigo Matias.

Leunam d'Orig

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

STEVE HACKETT - «Waters of the Wild»

Poet'anarquista

ÁGUAS DA VIDA SELVAGEM

Venha embora criança humana
Para as águas da vida selvagem
Com uma mão de fada na mão
Para o mundo é mais cheio de choro
Do que você pode entender

Voe para longe, roubada criança
Através de um slide lanterna mágica
Cantando na chuva ácida
Com todos aqueles que bebem
As águas do selvagem

Longe do meu filho perdido
Eu vejo sua respiração e seu sorriso

Steve Hackett
Multi-Instrumentista e compositor Britânico

A letra também podia ser...

CRIANÇA PRINCESA

Venha comigo Criança Princesa
Atravessar os céus da ante-manhã,
Segure minha mão selvagem.
Mostre seus sonhos escondidos
De choro por me ter deixado ir.

Venha até mim, livre de tristeza,
Através dum golpe de pura magia
Cantando na chuva quente de Março.

Leunam d'Orig

OUTROS CONTOS

«O Chefe do Povo», por John Steinbeck.

«O Chefe do Povo»
Manhã Quente no Rancho/ Frederic Remington

1242- «O CHEFE DO POVO»

No sábado de tarde, Billy Buck, o vaqueiro, ajuntou com o ancinho os restos de feno do celeiro e jogou-os do outro lado da cerca para algumas vacas desinteressadas. Alto, lá no ar, bolas de nuvens corriam sopradas pelo vento de março. Podiam ouvi-lo assobiando na barragem, mas no vale da fazenda não ventava.

O garoto, Jody, saiu de casa comendo um enorme pedaço de pão com manteiga. Viu Billy acabando de juntar o resto do feno. Dirigiu-se para ele, arrastando na poeira os sapatos, de uma maneira que sabia que escangalhava qualquer sola. Uma revoada de pombos levantou-se do cipreste, ao passar Jody; descreveu um círculo no ar e voltou para a árvore outra vez. Um gato tigrado ainda pequeno, saltou do tecto do alojamento, disparou para a estrada, rodopiou e voltou de novo correndo. Jody apanhou uma pedra para ajudá-lo na brincadeira mas chegou tarde; antes que pudesse atirá-la já o gato entrara para baixo do alpendre. Jogou a pedra no cipreste, causando nova revoada dos pombos brancos.

Chegando onde estava Billy, encostou-se na cerca, “Você acha que já esta acabando?” perguntou.

O homem largou o trabalho, espetou o ancinho no chão e tirando o chapéu, alisou os cabelos com a mão. “O resto esta encharcado da humidade do chão,” disse. Pôs de novo o chapéu e esfregou as mãos ásperas.

– Deve ter muito camundongo — sugeriu Jody.

– Esta cheio deles, — disse-lhe Billy. Tem camundongo demais, até.

– Então, quando você acabar eu podia chamar os cachorros e fazer uma caçada.

– Boa ideia — disse-lhe Billy Buck. Levantou uma porção de feno e jogou-o para o ar.

Apareceram logo três camundongos; deram um pinote e esconderam-se no resto do feno.

Jody suspirou satisfeito. Os camundongos, gordos e arrogantes estavam condenados. Durante oito meses tinham vivido contentes, protegidos contra gatos, cachorros e contra Jody, pela barreira do monte de feno. Tornavam-se convencidos desta segurança, e engordavam e procriavam. Agora chegara o dia do desastre; não sobreviveriam nem mais um dia.

Billy olhou para o topo das colinas que cercavam a fazenda. “E melhor você pedir permissão a seu pai, antes de começar.”

– Onde é que ele está?

– Ele foi até a fazenda da barreira, mas já deve estar de volta.

Jody encostou-se na cerca. “Acho que ele não se importaria.”

Billy voltou ao seu trabalho depois de admoestar Jody, “De qualquer modo, é melhor pedir-lhe. Sabe como ele é.”

Jody bem sabia. Seu pai, Carl Tiflin, fazia questão de que lhe pedissem licença para tudo o que se fazia na fazenda, fosse importante ou não. Jody deixou-se cair até ficar sentado no chão. Olhou para as bolas de nuvem sopradas pelo vento. “Será que vai chover, Billy?

– Pode ser. O vento está na direcção, mas está com pouca força.

– Tomara que só chova depois que eu matar essas porcarias desses ratos. Olhou por cima dos ombros para ver se Billy reparara no palavreado de homem. Billy continuou a trabalhar sem comentários.

Jody virou-se para olhar o caminho, do lado do morro, que levava ao resto do mundo. A colina estava coberta de capim cheiroso e flores silvestres apareciam daqui e dali. No meio do morro o Grandalhão cavava um buraco de esquilo. Cavava a terra jogando poeira para todos os lados. Sua seriedade era tamanha que na certa não sabia que cachorro algum jamais caçara esquilos, cavoucando no chão.

Enquanto Jody o espiava, o cachorro empinou as orelhas deixando o buraco em paz, retesou-se, olhando para o lugar onde saía a estrada. Jody olhou para lá também. Por um instante Carl Tiflin montado a cavalo parou no alto do morro. Depois começou a descer em direcção da casa. Trazia na mão uma coisa branca.

O garoto levantou-se. “Ele trás uma carta,” gritou. Correu para casa pois com certeza a carta seria lida em voz alta e ele queria estar presente. Chegou na frente de seu pai e entrou. Ouviu o ranger da sela quando Carl desmontou e ouviu-o chicotear o cavalo em direcção do estábulo, onde Billy o desarrearia e soltaria no pasto.

Jody correu para a cozinha. “Chegou uma carta!” gritou.

Sua mãe levantou a cabeça da cuia de ervilhas. “Quem recebeu?”

– Papai. Eu a vi em sua mão.

Carl entrou na cozinha e a mãe de Jody perguntou-lhe, “De quem era a carta, Carl?”

Ele amarrou a cara. “Como é que você sabe que há uma carta?” Ela indicou Jody com a cabeça. “Jody me disse.”

Jody ficou encabulado.

Seu pai olhou-o com má vontade. “Ele está ficando muito saliente. Sempre a se meter no que não lhe diz respeito.”

A Sra. Tiflin defendeu-o. “É porque ele não tem nada para fazer. Mas o que diz a carta?”

Carl ainda estava aborrecido com Jody. “Eu lhe arranjarei trabalho, se o caso é esse.”
Estendeu um envelope fechado. “Deve ser de seu pai.”

A Sra. Tiflin tirou um grampo da cabeça e abriu a carta. Apertou os lábios com concentração. Jody via seus olhos correrem acompanhando as palavras. “Ele diz — explicou — que vem passar uns dias aqui. Vai chegar no sábado. Mas hoje é sábado! A carta chegou atrasada.” Olhou o carimbo. “Foi posta no correio anteontem. Deveria ter chegado ontem.” Olhou interrogativamente para o marido, e seu rosto tomou um ar zangado. “Por que é que você esta me olhando assim? Afinal não é sempre que ele vem cá.”

Carl desviou o olhar. Ele era quase sempre severo com ela, mas nas raras ocasiões em que ela se zangava, não sabia contê-la.

“Que é que você tem?” perguntou-lhe ela, de novo.

Respondeu querendo desculpar-se, num tom que o próprio Jody teria empregado. “É que ele fala e fala,” explicou sem jeito.

– E daí? Você também não fala?

– Claro que sim. Mas é que ele só fala de uma coisa.

– Índios! — gritou Jody alvoroçado. Índios e travessias nas Planícies! Carl virou-se furioso para ele. “Dê o fora, seu metido! Vamos, fora!”

Jody saiu tristemente pelos fundos, fechando com cuidado a porta. De baixo da janela da cozinha, seus olhos envergonhados, deram com uma pedra branca, e de um formato tão curioso, que ele abaixou-se para estudá-la.

As vozes, da cozinha, chegavam-lhe claramente aos ouvidos. “Jody disse certo,” ouviu seu pai falar. “Só índios e a travessia da planície. Quantas e quantas vezes já ouvi aquela história de como os cavalos fugiram. Ele conta sempre as mesmas coisas com as mesmas palavras exactamente.”

Quando a Sra. Tiflin respondeu sua voz estava inteiramente diferente, quase doce. E Jody imaginava-lhe o rosto mudando também para acompanhar a voz. Ela explicou mansamente: “Olhe, Carl, você devia pensar nisto de outro modo. Aquilo foi a coisa maior na vida de papai. Ele teve um carro e atravessou com ele o continente. Quando acabou, ele ficou sem nada. Foi uma coisa importante que ele fez, mas não durou quase nada!” E ela continuou: “É como se ele tivesse nascido para fazer aquilo e depois de o ter feito só lhe resta lembrar e falar sempre sobre seu feito. Se houvesse mais ter­ras no oeste para ele continuar a andar, ele não teria parado. Mas havia o mar. Ele vive bem lá perto do mar, onde teve que parar.”

Ela absorvera Carl com sua conversa suave.

— Eu já o vi — concedeu-lhe Carl. Ele fica horas olhando para o mar. — Sua voz endureceu-se um pouco. — E depois vai para o clube e conta como os índios fugiram com os cavalos.

Ela tentou recapturá-lo. “Bem, mas se essa era a vida para ele. Você bem poderia ter um pouco mais de paciência com ele.”

Carl voltou-se impaciente. “Se a coisa se tornar insuportável eu vou para o alojamento e fico lá com o Billy,’” disse irritado. Saiu de casa e bateu com força a porta do alpendre.

Jody correu a fazer suas obrigações. Jogou a ração para as galinhas sem correr atrás de nenhuma delas. Procurou ovos nos ninhos. Arrumou a lenha na cozinha de tal jeito que as duas braçadas que levou, encheram totalmente a caixa.

Sua mãe acabara de catar as ervilhas. Acendera o fogo e agora limpava a tampa do forno com uma pena de peru. Jody olhou-a de lado, vendo se lhe guardava algum rancor.

– Ele vem mesmo hoje? — perguntou-lhe.

– É o que diz na carta.

– Então vou caminhar ao encontro dele, na estrada.

– Seria uma boa coisa, — disse-lhe a Sra. Tiflin batendo com a tampa do forno. Ele gostara de que alguém o espere.

– Então é o que vou fazer.

No quintal, Jody assobiou pelos cachorros. “Vamos subir o morro,” ordenou-lhes. Os dois ca­chorros dispararam na frente, abanando a cauda. Dos lados do caminho a selva crescia, cheia de brotos tenros. Jody cortou uns ramos e esfregou-os nas mãos até o ar ficar saturado do perfume agreste. Os cães deram um pinote e saíram correndo pelo mato a dentro atrás de um coelho. Jody não os viu mais, pois não tendo conseguido pegar o coelho, voltaram para casa.

Jody continuou subindo até chegar a barragem. O vento soprou-lhe com força os cabelos e inchou-lhe a camisa. Olhou para baixo, os vales e colinas e mais ao longe o Vale de Salinas. Podia ver as casas brancas de Salinas, e o sol brilhando ao bater nas vidraças. Bem abaixo dele, numa árvore, havia uma congregação de corvos. Falavam todos ao mesmo tempo, num barulho infernal.

Jody seguiu então com os olhos o caminho, perdeu-o atrás de uma colina, e achou-o de novo mais adiante. Vinha vindo lá bem longe, uma charrete puxada por um cavalo baio. Desapareceu por trás do morro. Jody sentou-se no chão e ficou olhando o lugar por onde a charrete reapareceria. O vento cantava nos cumes dos morros e as bolas de nuvens corriam para leste.

A charrete apareceu de novo e parou. Um homem vestido de preto, desceu do assento e foi até a cabeça do cavalo. Apesar de estar de tão longe, Jody soube que ele desamarrara as rédeas, porque o cavalo deixou cair a cabeça. Continuaram a andar, lentamente, o homem ao lado do cavalo. Jody deu um grito de alegria e desceu correndo ao encontro deles. Os esquilos fugiram espavoridos e desapareceram no mato.

Jody procurava a cada passo pular em cima de sua sombra. Tropeçou numa pedra e caiu. Fez cor­rendo uma curva e deu de frente com o avô e a charrete. O menino parou de correr e aproximou-se lentamente.

O cavalo subia o morro aos tropeções, e o velho ia andando ao lado dele. O sol, por trás deles, fazia-lhes as sombras agigantarem-se. O avô usava um terno preto, polainas de couro e gravata preta num colarinho duro. Carregava na mão o chapéu preto, desabado. A barba estava cortada muito curta e as sobrancelhas cerradas caiam-lhe por sobre os olhos como bigodes. Os olhos eram azuis e alegres. Seu rosto e seu corpo possuíam uma dignidade de granito e parecia impossível que pudesse mover-se.

Seus passos eram lentos e determinados. Depois de feito, passo algum poderia ser refeito; depois de começado um caminho, não haveria voltas possíveis, nem aumento ou diminuição de velocidade.

Quando Jody apareceu na virada do caminho, o avô acenou-lhe vagarosamente com o chapéu, e chamou: — “Jody! Veio encontrar-se comigo, não veio?”

Jody acertou o passo com o do avô, entesou o corpo e arrastou um pouco com os calcanhares. “Sim, senhor. Nós só recebemos sua carta hoje.

– Deveria certamente ter chegado ontem. Como estão todos?

– Estão todos bem. — Hesitou com timidez. — O senhor gostaria de caçar ratos comigo, amanhã?

– Caçar ratos, Jody? — Ele riu-se. — Será que o pessoal desta nova geração deu para isso agora? Eles não são muito fortes, este pessoal de agora, mas mesmo assim não os imaginava a caçar ratos.

– Não senhor. É só por brincadeira. O feno acabou. Eu vou botar os cachorros para pegar os ratos. O senhor pode espiar e se quiser bater no feno para assustá-los.

Os olhos alegres voltaram-se para ele. “Isto sim. Vocês não o comem, então. Ainda não chegaram a tanto.”

Jody explicou-lhe: “São os cachorros que os comem. Não é nada como matar índios, eu imagino.”

– Não, não é. Mas também depois, quando os soldados começaram a caçar os índios, queimando- lhes as tendas e matando as crianças, não foi muito diferente de sua caçada aos camundongos.

Chegaram ao alto da barragem e começaram a descer para o vale da fazenda. O sol deixou de lhes queimar as costas. “Você cresceu, — disse o avô. — Quase um palmo, eu calculo.”

– Mais, — orgulhou-se Jody. — O senhor vai ver pelas marcas na porta.

Jody continuou em silêncio por um certo tempo. “Nós somos capazes de matar um porco,” sugeriu por fim.

– Oh, não! Eu não os deixaria fazer isto. Ainda não está na época. Você está é querendo me agradar.

– O senhor conheceu Riley, o barão?

– Sim. Lembro-me bem do Riley.

– Pois é, ele roeu um buraco no monte de feno e desabou tudo por cima dele e ele ficou esmigalhado.

– Os porcos fazem disto, quando podem, — disse-lhe o avô.

– Mas Riley era muito manso. Ele até deixava que eu o montasse.

Ouviram o bater de uma porta, bem abaixo deles, e viram a mãe de Jody acenando-lhes com o avental. E viram Carl Tiflin saindo do estábulo e encaminhando-se para casa a fim de recebê-los.

O sol desaparecera dos morros. A fumaça azulada saindo da chaminé da casa, pairava no ar em camadas lisas. As bolas de nuvens, largadas pelo vento, penduravam-se no céu.

Billy Buck saiu do alojamento e derramou no terreiro uma bacia de água de sabão. Ele se barbeara no meio da semana para esperar o avô. Billy reverenciava o velho e este dizia que Billy era um dos poucos homens da nova geração que não se tinha tornado maricas. Apesar de Billy ser de meia- idade, o avô o considerava um menino. Billy dirigia-se também para a casa.

Quando Jody chegou com o avô, os três os esperavam em frente ao alpendre.
Carl disse: “Como vai o senhor. Estávamos a esperá-lo.”

A Sra. Tiflin beijou-o no lado da barba, e ele bateu-lhe no ombro. Billy apertou-lhe a mão, sorrindo por baixo do bigode. “Eu tomo conta de seu cavalo,” disse-lhe.

Saiu, puxando a charrete.

O avô olhou-o afastar-se e disse, como já o dissera uma centena de vezes antes:

– É um bom rapaz. Eu conheci seu pai, o velho “Rabo-de-mula” Buck. Não sei porque o chamavam de Rabo-de-mula, só por ele ser tropeiro.

A Sra. Tiflin voltou-se dirigindo-se para a casa. “Quanto tempo vai se demorar? O senhor não disse na carta.”

– Bem, eu não sei. Talvez umas duas semanas.
Em pouco tempo estavam todos sentados em torno da mesa de oleado branco, jantando. O lampião com reflector de estanho fora pendurado no tecto. As mariposas batiam no lado de fora das vidraças.

O avô cortou o bife em pedaços pequenos e mastigou-os vagarosamente. “Estava com fome,” disse. “A viagem abriu-me o apetite. É como quando pioneirávamos. Todos ficávamos tão famintos que mal podíamos esperar que a carne cozinhasse. Poderia comer quilos e mais quilos de carne de búfalo, então.”

– É de viajar. Meu pai era tropeiro do governo. Eu o ajudava quando era menino. Nós dois sozinhos poderíamos comer um veado inteiro. — Disse Billy.

– Eu conheci seu pai, Billy — disse o avô — Um bravo homem. Tinha o apelido de “Rabo-de-mula.” Não sei por que, só por ele ser tropeiro.

– Era por isso, — disse-lhe Billy. — Por ele ser tropeiro.

O avô descansou o garfo e a faca e olhou em volta de si. “Lembro-me de uma vez que a carne acabou. Sua voz tomou um tom recitativo. “Não havia nem búfalos, nem antílopes, nem mesmo coelhos. O chefe tinha que estar sempre vigilante. Eu era o chefe e me mantinha atento. Sabem porquê? Pois quando o pessoal ficava faminto, queria logo abater os bois de carro. Podem acreditar numa coisa dessas? Ouvi contar de gente que comeu toda a junta de bois. Começavam pelos do meio e chegavam a comer os próprios bois da guia. O chefe da turma tinha que controlá-los para não fazerem assim.”

Uma enorme mariposa conseguira entrar na sala e rodopiava em volta da lâmpada de querosene. Billy levantou-se tentando prendê-la nas mãos. Carl atingiu-a e amassou-a com uma só pancada. Foi até a janela e jogou-a fora.

– Como eu ia dizendo, — recomeçou a dizer o avô, mas Carl o interrompeu. — É melhor o senhor se servir de carne. Nós já estamos prontos para a sobremesa.

Jody viu os olhos de sua mãe lampejarem de raiva. O avô pegou a faca e o garfo.

– De facto eu estou com um bocado de fome, — disse. Depois então eu acabo de contar.

Depois que o jantar terminou e que a família se reuniu em torno da lareira, Jody esperou pela história do avô. Viu-o inclinar a cabeça; os olhos perderam a expressão severa e tornaram-se sonhadores; os dedos compridos e magros enlaçaram os joelhos. “Não lembro,” começou ele “se alguma vez Ilhes contei como os índios roubaram trinta e cinco dos nossos cavalos.”

– Creio que já nos contou isto, — interrompeu-o Carl. — Não foi pouco antes de entrarem no território dos Tahoes?

O avô olhou para o genro. “É isto mesmo. Então eu já lhes contei esta história.”

– Muitas e muitas vezes, — continuou Carl com crueldade. Mas sentindo sobre si o olhar zangado da mulher, emendou-se. — Claro que gostaríamos de ouvi-la de novo.

O avô voltou-se para o fogo. Seus dedos cruzavam-se e descruzavam-se. Jody compreendia como ele devia sentir-se, vazio e só. Ele próprio não havia sido chamado de saliente, nesta mesma manhã? Jody cheio de heroísmo resolveu intervir, mesmo que o chamassem de saliente outra vez. “Conte-nos sobre os índios,” pediu baixo.

Os olhos do avô tornaram-se severos. “Os meninos estão sempre dispostos a ouvir histórias de Índios. Foi um trabalho para homens, mas só os meninos é que querem ouvir sobre ele. Bem, deixe-me lembrar. Eu já lhes contei porque que eu queria que em todos os carros se levasse uma grande chapa de ferro?”

Ninguém respondeu. Jody então disse-lhe: “Não, senhor.”

– Bem, quando os índios atacavam, nós semestre púnhamos os carros em círculo e atirávamos por entre as rodas. Eu imaginei então as chapas de ferro com os orifícios para os canos das espingardas, de modo que os homens que atiravam ficassem protegidos.

Mas como ninguém fizera ainda assim e como ficasse muito caro, o pessoal se recusou a levar as chapas de ferro. Como se arrependeram mais tarde!

Jody olhou para a mãe e viu por sua expressão que ela não estava ouvindo. Carl mexia num calo do dedão e Billy Buck acompanhava a subida de uma aranha na parede.

O voz do avô adquirira novamente o tom narrativo. Jody sabia com antecedência as palavras que ele empregaria. A história continuou lenta, depois tomou violência para o ataque, adquiriu tristeza para contar dos feridos e dos enterros nas grandes planícies. Jody não despregava os olhos do avô Os severos olhos azuis estavam vagos, e ele não parecia estar muito interessado no que contava.

Depois que a história terminou, fez-se uma ligeira pausa. Billy Buck levantou-se, suspendeu as calças e disse: “Creio que vou me deitar.” Virou-se então para o avô.

– Tenho lá no alojamento um velho soquete de pólvora que gostaria de mostrar-lhe. O avô meneou a cabeça. “Você já me mostrou. Faz-me lembrar de um que eu tinha quando comandei o grupo.” Billy esperou atentamente até que ele acabasse a pequena história, e depois despediu-se, “Boa-noite,” e saiu para o quintal.

Carl Tiflin procurou então mudar de assunto. “Como está o terreno até Monterrey? Ouvi dizer que está tudo seco.”

– Esta seco. — disse o avô. — Não há nem um pingo d’água na Laguna Seca. Mas mesmo assim ainda está longe de ser como em 87. O país todo virou poeira, e em 61 eu acho que até os cachorros-do-mato morreram de fome. Este ano choveu pouco, mas choveu.

– É, mas cedo demais. Bem que poderia chover um pouco agora. — Só então reparou em Jody, melhor que você vá dormir.

Jody levantou-se obediente. “O senhor deixa que eu cace os camundongos do celeiro?”
Camundongos? Claro! Pode matá-los todos.”

Jody trocou um olhar de cumplicidade com o avó. “Vou matá-los todos amanhã,” prometeu.

Deitado em sua cama Jody ficou pensando naquele mundo que se acabara para sempre.
Mundo de índios e búfalos ferozes. Desejou ter podido viver naquele tempo heroico, mas ele sabia não ter fibra de herói. Ninguém agora, salvo talvez Billy Buck, tinha fibra para fazer daquelas coisas que o avô contava. Uma raça de gigantes vivera então, homens destemidos, homens de uma resistência desconhecida hoje. Jody pensou nas planícies brancas e nos carros percorrendo-as como centopeias. E o avô montado num enorme cavalo branco dando ordens àquela gente. Os grandes fantasmas percorreram-lhe o cérebro e sumiram-se.

Voltou, por um instante, à fazenda. Ouviu um dos cachorros coçando as pulgas e batendo com o cotovelo no chão a cada movimento. O vento soprou de novo e o cipreste gemeu, Jody adormeceu.

Levantou-se meia hora antes do triângulo soar. Sua mãe estava na cozinha acendendo o fogão. “Você acordou cedo hoje,” disse-lhe. “Aonde é que vai?”

– Lá fora apanhar um bom cacete. Vamos matar os camundongos.

– Vamos? Quem mais vai?

– Ora, eu e vovô.

– Ah, então você arranjou companhia, não é? Assim se houver pito, fica dividido.

– Eu volto já, — disse-lhe Jody. — Quero só arranjar um bom cacete, antes do café.
Fechou a porta de tela atrás de si e saiu para a manhã fresca e azul. Os passarinhos faziam algazarra na madrugada e os gatos da casa desciam dos morros como largas cobras. Tinham ido caçar esquilos no escuro, e apesar de empanzinados, sentaram-se na porta da cozinha miando por leite. O Grandalhão e o Destruidor, cheiravam o chão nas beiras do mato com toda a concentração, mas quando Jody assobiou, abanaram logo os rabos e levantaram as cabeças. Atiraram-se para ele, abrindo os beiços num sorriso. Jody afagou-lhes as cabeças, e dirigiu-se para o monte de madeira. Escolheu uma ponta de um cabo de vassoura e um pedaço quadrado de pau. Tirou do bolso um cordão de sapato e amarrou-os um no outro, sem apertar, para fazer um relho. Rodou no ar a arma para experimentá-la, enquanto os cachorros se encolhiam desconfiados, ganindo apreensivos.

Jody pôs-se a andar em direcção do velho celeiro, passando por frente da casa, para dar uma olhadela no local da futura carnificina, mas Billy o chamou da porta da cozinha onde se sentara. “É melhor você esperar aqui, já está quase na hora do café.”

Jody desistiu da caminhada e dirigiu-se para a casa. Descansou o relho na soleira da porta. “Isto é para espantar os ratos. Aposto como eles estão gordíssimos,” disse ele. “Aposto como eles nem imaginam o que os espera.”

– Não, nem você tão pouco, — comentou Billy filosoficamente. — nem eu, nem ninguém.

Jody ficou varado por este pensamento. Sabia ser verdadeiro. Sua imaginação começou a trabalhar. Mas sua mãe tocou o triângulo, e todos os pensamentos se dissiparam.

O avô não estava na mesa quando eles se sentaram. Billy perguntou, “Ele está bem? Será que ficou doente?”

Ele leva muito tempo para se arrumar, — disse a Sra. Tiflin. — Penteia a barba, escova os sapatos e a roupa.

Carl salpicou açúcar no mingau. “Um homem que guiou carroças pelas planícies tem de ter muito cuidado com sua aparência.”

A Sra. Tiflin voltou-se para ele. “Por favor, Carl! Não recomece!” Havia mais ameaça do que um pedido em seu tom de voz. E a ameaça irritou a Carl.

– Pois é isso mesmo. Quantas vezes será que terei que ouvir aquela história das chapas de ferro e dos trinta e cinco cavalos roubados? Esse tempo já passou. Será que ele não pode esquecê-lo?” Enraiveceu-se ao falar e sua voz aumentou de volume.

– Por que tem de contar essas historias sempre e sempre? Ele atravessou as planícies. Muito bem! Agora acabou-se. Ninguém quer ouvir todo o dia a mesma história.

A porta da cozinha fechou-se devagar. Os que estavam à mesa imobilizaram-se. Carl deixou a colher na mesa e coçou o queixo.

Abriu-se outra vez a porta da cozinha e o avô apareceu. Sorria sem vontade e seus olhos estavam apertados. “Bom dia,” disse, e sentou-se olhando para o prato de mingau.

Carl não pode deixar que ficasse tudo assim.” O senhor... o senhor ouviu o que eu disse?”

O avô inclinou a cabeça.

– Não sei o que me possuiu. O senhor não acredite em nada daquilo. Eu estava apenas fazendo graça.

Jody olhou envergonhado para a mãe e viu que ela olhava Carl, a respiração presa. Era uma coisa horrível o que ele estava fazendo. Ele se acabava falando desta maneira. Para ele era uma coisa incrível ter que desculpar-se, envergonhado era muito pior. O avô olhou-o de lado. “Estou querendo me orientar,” disse com delicadeza. “Não estou me zangando. Não me importo com o que você disse, mas pode ser que seja verdade, e aí sim, eu me importaria.”

– Não era verdade. Eu não me sinto bem hoje. Sinto muito ter dito aquilo.

– Não se desculpe, Carl. Um velho, às vezes, não vê as coisas como elas são. Talvez que você tenha razão. A travessia já foi feita. Devia mesmo ser esquecida.

Carl levantou-se da mesa. “Já comi bastante. Vou trabalhar. Pode demorar-se à vontade, Billy!” Saiu depressa da sala. Billy engoliu o resto da comida e seguiu-o. Mas Jody não se desgrudou de sua cadeira.

– O senhor não vai mais contar historias? — perguntou.

– Claro que as contarei, mas só quando tiver certeza de que as pessoas querem ouvi-las.

– Eu gosto de ouvi-las.

– É lógico que você goste, mas você é ainda um garoto. Foi um trabalho para homens, mas só os meninos querem ouvir sobre ele.
Jody levantou-se. “Vou esperar lá fora pelo senhor. Arranjei um bom cacete para os camundongos.”

Esperou na porteira até o velho aparecer no alpendre. “Vamos caçar os camundongos agora!” gritou-lhe Jody.

– Acho que vou sentar-me um pouco ao sol, Jody. Vá você matar os camundongos.

– O senhor querendo, pode usar o meu cacete.

– Não, vou ficar sentado aqui, um pouco.

Jody virou-se desconsolado e foi andando para o celeiro. Tentou entusiasmar-se pensando nos gordos camundongos. Bateu no chão com o relho. Os cachorros chamavam-no latindo e correndo, mas ele não sentia vontade de acompanhá-los. Podia ver, lá no alpendre, o avô, parecendo pequeno, magro e triste.

Jody desistiu da caçada, e foi sentar-se, nos degraus, aos pés do velho.

– Já voltou? Matou os ratos?

– Não senhor. Mato-os outro dia.

As moscas esvoaçavam rente ao chão e as formigas corriam pelos degraus. O perfume forte da selva descia dos morros. O sol esquentava a madeira do alpendre.

Jody não percebeu quando o avô começou a falar. “Eu não deveria ficar aqui, sentindo-me assim. “Examinou com atenção as mãos fortes. “Sinto como se atravessar as planícies não tivesse valor algum.” Seus olhos procuraram os morros e pararam num falcão, sentado imóvel num tronco morto. “Eu conto historias de antigamente. Mas não é pela história. Eu só sei e o que tenho vontade que as pessoas sintam ao ouvi-las.

Não eram os índios, nem a aventura, que era importante; não era nem mesmo chegar ao fim da jornada. Era todo um povo, transformado num enorme animal rastejante. E eu era o chefe. Era pioneirar e pioneirar. Cada homem queria qualquer coisa para si, mas o enorme animal que eles todos formavam, queria apenas pioneirar. Eu era o chefe, mas se eu não estivesse lá, outro chefiaria. A coisa tinha que ter um cabeça.

Em baixo dos arbustos as sombras eram negras mesmo dia claro. Quando por fim vimos as montanhas, todos gritaram ao mesmo tempo. Mas não foi chegar aqui, o importante, é sim, o movimento pioneiro.

Nós carregamos a vida até aqui, e a depositamos, como fazem as formigas com seus ovos. E eu fui o chefe. O pioneirismo foi grande como Deus, e os passos lentos, foram se acumulando e acumulando, até que o continente foi atravessado.

– Chegamos então ao mar e estava acabado. — Parou e esfregou os olhos até que ficaram vermelhos. — Isto é o que eu deveria contar em vez de histórias.

Quando Jody falou o avô estremeceu e abaixou os olhos para ele. “Talvez que um dia eu possa chefiar o povo,” disse.

O velho sorriu. “Não há mais lugar para se ir. O mar é o limite. Há uma porção de velhos lá nas beiras do mar, odiando-o porque obrigou-os a parar."

– Posso continuar em barcos.

– Não há lugar para se ir. Está tudo tomado. Mas não é isto o pior. O pioneirismo morreu. Não é mais uma sede. Seu pai tem razão, está tudo acabado. Entrelaçou os dedos nos joelhos e ficou a olhá-los.

Jody sentiu-se muito triste. “Se o senhor quiser eu lhe faço uma limonada.”

O avô ia recusar, mas vendo a cara de Jody, disse-lhe: “Isto seria ótimo. E, seria mesmo muito bom beber um copo de limonada.”

Jody correu para a cozinha, onde sua mãe acabava de lavar os pratos do café. “Posso apanhar um limão para fazer uma limonada para o vovô?”

A mãe remedou-o: — “E um outro para fazer uma limonada para você.”

– Não senhora, eu não vou querer.

– Jody! Você está doente! — Mas parou bruscamente. — Tire um limão do armário, — disse com meiguice. — Pronto, eu apanho o espremedor para você.

John Steinbeck

OUTROS CONTOS

«Disfarce», por Manuel do Giro.

«Disfarce»
Tristão Amigo

1241- «DISFARCE»

No meio da multidão
Disfarçado de cão...
Ninguém me leva a mal,
É tempo de Carnaval!

Manuel do Giro


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

THE VAUGHAN BROTHERS - «Brothers»

Poet'anarquista

The Vaughan Brothers
Banda Norte-Americana

PINTOR DO DIA

«Mulher com Criança nos Braços», por Miguel Angelo Lupi.

«Mulher com Criança nos Braços»
Desenho de Miguel Angelo Lupi

Poet'anarquista

OUTROS CONTOS

«Decisão», por Manuel do Giro.

«Decisão»
Cangurus na Austrália

1240 - «DECISÃO»

Acabo de tomar decisão de partir…
Tenho no sentido não mais voltar,
Um convite pra longe ir trabalhar
Acabou há poucos dias de surgir.

O que me segurava aqui era vago…
Suposições, não passavam disso!...
Não existia qualquer compromisso,
Quem me esquece, depressa largo.

Levo comigo os meus animais
E os poucos pertences que tenho…
A este lugar, eu não volto mais!

Mas de saudades não me abstenho…
Esquecer momentos únicos? Jamais
Esqueço quem fui, d’onde venho!!

Manuel do Giro

POEMA DO DIA

«Quero-lhe Ver», por Augusto Gil.

«Quero-lhe Ver»
Poema do Dia

QUERO-LHE VER

Fui até a janela para poder te ver
Cheguei lá e não consegui encontrar,
Será que você ainda continua sendo assim
Sempre tentando-me julgar?

Quero-lhe ver…
Do mundo não podemos mais esperar um dia,
Pois se o de hoje já está difícil,
Imagine o de amanhã!

Augusto Gil

OUTROS CONTOS

«É Aqui, Não Sou Daqui», por Augusto Gil.

«É Aqui, Não Sou Daqui»
Poema de Augusto Gil

1239- «É AQUI, NÃO SOU DAQUI»

Estou cansado desta gente, gente que é igual à gente
Mas que por algum motivo se acha diferente.
Não sei, mas acho que não sou daqui,
Nem um pouco dali.

Tenho saudade quando era criança
Meu pensamento com a sociedade não passava de esperança,
E lembro meu primeiro dia na escola
Quando senti vontade de ir embora.

Hoje assisto o jornal da TV sem querer
Onde mostra que quem rouba vai vencer.
Todos os jornais ocupam seu espaço mostrando a sujeira
E, sem razão nenhuma, acabo ocupando minha cabeça com essa asneira.

É, acho que não tenho motivos para sorrir
Com uma sociedade tão desumana,
Os dias que eram para curtir
Agora são para entrar em cana.

Estou deixando aqui, o rastro de uma sociedade
Que não cuida nem de si mesmo,
E querem mais é saber da fama.

Augusto Gil

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

POEMA DO DIA

«Nas nossas ruas, ao Anoitecer», por Cesário Verde.

«Nas nossas ruas, ao Anoitecer»
Paisagem ao Anoitecer/ Vincent van Gogh

NAS NOSSAS RUAS, AO ANOITECER

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

Cesário Verde

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

GENESIS 
«The Lam Lies Down On The Broadway»
Poet'anarquista

O CORDEIRO JAZ NA BROADWAY 

O cordeiro jaz na Broadway 
Início da manhã em Manhattan
Os ventos do Oceano sopram sobre a ilha
O Movie-Palace está desmontado agora
Os vigilantes nocturnos tiveram sua diversão
Dormindo descaradamente no espectáculo da meia-noite
É o mesmo velho final a acontecer
Saiam!
Parece que eles não podem deixar os seus sonhos
Há algo se movendo na boca-do-lobo
O cordeiro jaz na Broadway 

Voadores nocturnos sentem suas dores
A drogaria derruba as proibições
O movimento do metal entra em estouro
Mas o posto de gasolina pode extinguir aquela sede
A suspensão rachou numa estrada esburacada
Os olhos do camionista leram 'Sobrecarga'
E lá fora no metro
Rael a Criança Aerossol Imperial
Sai para a luz do dia, revólver de spray escondido
O cordeiro jaz na Broadway 

O cordeiro parece bem fora do seu lugar
A cena da rua Broadway Descobre um enfoque em seu olhar
De alguma maneira ele está lá parado
Traz uma quietude para o ar
Embora a luz seja artificial
À noite é muito claro
Não há falsa vítima
Enquanto os néons escurecem, ao paletó de branco
Rael a Criança Aerossol Imperial
Limpa sua arma - ele esqueceu o que ele fez
O cordeiro jaz na Broadway 

Suzanne cansada, seu trabalho está terminado
Pensa em dinheiro, querida, está no néon
A luva de veludo do taxista soa a buzina
E o rei da serragem cospe seu desprezo
Magníficas mulheres puxam sua cortina!
Não me olhe! Eu não sou do seu tipo
Eu sou Rael!
Algo dentro de mim há pouco despertou
O Senhor sabe o que eu fiz
O cordeiro jaz na Broadway
Na Broadway
Dizem que as luzes são sempre luminosas na Broadway
Dizem que sempre há magia no ar 

Genesis
Banda Britânica

PINTURA DO DIA

«O Jardim na rua Cortot», por Pierre-Auguste Renoir.

«O Jardim na rua Cortot»
Pierre-Auguste Renoir

Por aqui- PINTURA - RENOIR

OUTROS CONTOS

«Aceitarás o Amor como eu o Encaro?...», por Mário de Andrade.

«Aceitarás o Amor como eu o Encaro?...»
Chamada/ Bianca Zasso

1238- «ACEITARÁS O AMOR COMO EU O ENCARO?…»

Aceitarás o amor como eu o encaro ?…
… Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza… a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

Mário de Andrade

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

OUTROS CONTOS

«As Vespas e o Frigorífico», por Manuel do Giro.

«As Vespas e o Frigorífico»
Conto Curto

1237- «AS VESPAS E O FRIGORÍFICO»

Estava eu no alto do escadote colhendo a fruta da época...

Num repente, duas maganas de duas vespas atiram-se-me ao pescoço, o escadote balança, balança mas não cai.

Resultado desta peripécia... as maganas das vespas morrem envenenadas com o sangue derramado.

Aposto que nunca mais se metem comigo!

Não tem nada que ver com o assunto, mas amanhã já tenho frigorífico era o pensamento lá no alto do escadote...

A vida é bela!!!

Manuel do Giro

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

JAMES BLUNT - «You're Beautiful»

Poet'anarquista

VOCÊ É LINDA

Minha vida é brilhante
Meu amor é puro
Eu vi um anjo
Disso tenho certeza
Ela sorriu para mim no metro
Ela estava com outro homem
Mas não perderei o sono com isso
Porque eu tenho um plano

Você é linda, você é linda
Você é linda, é verdade
Eu vi seu rosto na multidão
E eu não sei o que fazer
Porque eu nunca ficarei com você

Sim, ela chamou minha atenção
Enquanto passávamos lado a lado
Ela poderia ver em meu rosto que eu estava
Voando alto
E eu não acho que a verei novamente
Mas nós compartilhamos um momento que durará até ao fim

Você é linda, você é linda
Você é linda, é verdade
Eu vi seu rosto na multidão
E eu não sei o que fazer
Porque eu nunca ficarei com você

La, la
La, la
La, la

Você é linda, você é linda
Você é linda, é verdade
Deve haver um anjo com um sorriso em seu rosto
Quando ela pensou que eu deveria ficar com você
Mas é hora de encarar a verdade
Eu nunca ficarei com você

James Blunt
 Cantor, Compositor e Instrumentista Britânico