segunda-feira, 22 de maio de 2017

OUTROS CONTOS

«Os Primeiros Encontros», por Gonçalo M. Tavares.

«Os Primeiros Encontros»
Conto de Gonçalo M. Tavares

1025- «OS PRIMEIROS ENCONTROS»

Relato do primeiro encontro da senhora Gertrude com o senhor John

O senhor John perguntou:

- Como é mesmo o seu nome?

A senhora Gertrude respondeu:

- Gertrude. Com um único T e saia travada.

O senhor John disse:

- É uma saia travada mas anda.

A senhora Gertrude respondeu:

- É saia travada porque está muito apertada. Estas saias já não se usam, mas eu uso-as. Gosto de estar sempre atrasada, tanto para os encontros inadiáveis que eu adio, como em relação à moda. A senhora Gertude, eu própria aqui presente, está sempre atrasada.

O senhor John disse:

- Não é grave.

A senhora Gertrude respondeu:

- Uso saia travada e, por isso, com semelhante tecnologia de vestuário o ser humano que vai aqui dentro tem de andar mais devagar que os seres humanos normais. Mas eu sou assim.

O senhor John disse:

- Com essa saia travada já é um milagre que a senhora Gertrude consiga pôr um pé a seguir o outro. Com essa saia travada o mais natural era um pé estar sempre ao lado do outro, como nas estátuas.

A senhora Gertrude disse:

- O senhor John tem humor, mas diga-me lá: esse seu chapéu, é mesmo seu, ou veio com a chuva de ontem?

O senhor John respondeu:

- A senhora Gertrude tem humor, mas os chapéus não vêm do céu com a chuva. Se quer saber, uso chapéu porque sou um homem elegante. É uma informação que lhe dou.

A senhora Gertrude respondeu:

- Agradeço a informação. É bom estarmos informados. Se não me tivesse dito eu nunca saberia que o senhor era um homem elegante. Agradeço a informação.

O senhor John sorriu e nada disse: levantou o dito chapéu, e fez uma vénia.

A senhora Gertrude corou, ajeitou a sua eterna saia travada, fez um beicinho, leve, para não parecer despropositado, e despedindo-se com rapidez para ser a primeira a despedir-se, disse:

- Tenho de ir. Deixei a porta do armário dos copos aberta. Não quero que eles se partam sem eu estar presente. Adeus.

Já afastada uns metros a senhora Gertrude ainda gritou para o senhor John:

- É que tenho um gato! Um gato!

O segundo encontro da senhora Gertrude com o senhor John

O segundo encontro da senhora Gertrude com o senhor John ocorreu quando o senhor John ia a caminhar pelo passeio e a senhora Gertrude gritou, do outro lado da rua:

- Olá, senhor John, como vão as coisas?

- Tudo a andar, senhora Gertrude, as coisas estão a andar  como as duas pernas – respondeu o senhor John. - Os braços, a cabeça, o coração e os olhos: tudo a andar como as pernas. E a senhora Gertude?

- Sempre com pressa!

- Para si vai tudo a correr, não é verdade?

- Exactamente, senhor John.

- Cumprimentos ao gato!

- Muito obrigado. Um destes dias tem de conhecer o meu gato, disse ainda a senhora Gertrude, que logo se arrependeu de ter dito tal frase.

Vai pensar que foi um convite, dizia para si própria, já em casa, a senhora Gertrude. E vai pensar que eu sou uma atrevida.

E parecia verdade: a senhor Gertrude estava a apaixonar-se.

Gonçalo M. Tavares

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