segunda-feira, 31 de julho de 2017

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

STANLEY JORDAN
«I Can Show You Something»

Poet'anarquista

Stanley Jordan
Guitarrista e Pianista de Jazz Norte-Americano

OUTROS CONTOS

«Você, de quem nunca estou distante», por Sam Shepard.

«Você, de quem nunca estou distante»
Amor/ Sara Novakovic 

1058- «VOCÊ, DE QUEM NUNCA ESTOU DISTANTE»

Não consigo lembrar de como era antes de conhecer você. Será que sempre fui como sou hoje? Lembro-me de estar perdido. Tenho certeza disso. Vagando. Indo de uma mulher para outra. Ficando, às vezes, apenas o tempo suficiente para compreender que a perplexidade delas era maior que a minha. Pelo menos, era o que parecia. Mas não me lembro de me sentir tão nervoso antes, tão desgastado. Eu as observava de uma certa distância, tomando banho de esponja em suas pias, raspando bolas negras com lâminas de barbear, movendo-se como rainhas em câmara lenta. Então, elas se transformavam nas garotas de antigamente, com risadinhas nervosas e dobrando as pernas longas sob o corpo. O modo como andavam com passos macios com os saltos altos e depois sacudiam o cabelo como os cavalos agitam a cauda.

Mas de você, não guardo nenhuma distância. A cada movimento seu, sinto como se viajasse em sua pele. cada olhar seu para fora da janela é como se estivesse completamente sozinha e sonhando com outros tempos. Não adianta balançar meus braços, acenando. Agora está tudo ao contrário.

Sam Shepard

SÁTIRA...

Haja Recato
Sátira...

«HAJA RECATO»

- Bem podias soltar
A tal bomba atómica…
Era mais económica,
Pensa no que irias poupar.
- Não me estejas a tentar…
Estamos em céu aberto,
Neste local não é decerto.
- Seria d’arromba
Largares agora a bomba!
- No Parlamento, por certo…

POETA

SÁTIRA...

O Mal Entendido
Sátira...

«O MAL ENTENDIDO»

Ouve lá… ver já não vês,
Não sei se ainda ouves…
Temos o burro nas couves,
Levaste cinco outra vez!
Que falta de sensatez
Não respeitares o penta,
O coração não aguenta
Estes maus resultados…
Estamos a ser depenados
Ainda antes da tormenta!

POETA

sábado, 29 de julho de 2017

SÁTIRA...

Para Todos os Gostos
Sátira...

«PARA TODOS OS GOSTOS»

- Chifruda, tinhas razão…
Portugal um belo país,
Férias a arder de raiz,
Que rica combustão!
- Não te disse, Diabão?…
Mais ainda vai aquecer
Com o que resta arder
Neste inferno terreno…
- Um país tão pequeno,
Até pode desaparecer!?

POETA

MÚSICAS DO MUNDO

E as música de hoje são...

MIKIS THEODORAKIS
«Pote Tha Kani Ksasteria/ Free»
(Cretan Folksong)

Poet'anarquista

Mikis Theodorakis
Compositor Grego

«Choros Tou Zorba (II) That's Me Zorba

Mikis Theodorakis

OUTROS CONTOS

«O Ano da Morte de Ricardo Reis», por José Saramago.

«O Ano da Morte de Ricardo Reis»
Pequeno Excerto

1057- «O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS»

“[…] Então não concorda, Seria difícil concordar, eu diria, até, que a história desmente o Ferro, basta lembrar o tempo da nossa juventude, o Orfeu, o resto, digam-me se aquilo era um regime de ordem, ainda que, reparando bem, meu caro Reis, as suas odes sejam, para assim dizer, uma poetização da ordem, Nunca as vi dessa maneira, Pois é o que elas são, a agitação dos homens é sempre vã, os deuses são sábios e indiferentes, vivem e extinguem-se na própria ordem que criaram, e o resto é talhado no mesmo pano, Acima dos deuses está o destino, O destino é a ordem suprema, a que os próprios deuses aspiram. E os homens, que papel vem a ser o dos homens, Perturbar a ordem, corrigir o destino, Para melhor, Para melhor ou para pior, tanto faz, o que é preciso é impedir que o destino seja destino, Você lembra-me a Lídia, também fala muitas vezes do destino, mas diz outras coisas, Do destino, felizmente, pode-se dizer tudo, Estávamos a falar do Ferro, O Ferro é tonto, achou que o Salazar era o destino português, O messias, Nem isso, o pároco que nos baptiza, crisma, casa e encomenda, Em nome da ordem, Exactamente, em nome da ordem, Você, em vida, era menos subversivo, tanto quanto me lembro, Quando se chega a morto vemos a vida doutra maneira, e, com esta decisiva, irrespondível frase me despeço, irrespondível digo, porque estando você vivo não pode responder, Por que é que não passa cá a noite, já no outro dia lho disse, Não é bom para os mortos habituarem-se a viver com os vivos, e também não seria bom para os vivos atravancarem-se de mortos, A humanidade compõe-se de uns e outros, Isso é verdade, mas, se assim fosse tão completamente, você não me teria apenas a mim, aqui, teria o juiz da Relação e o resto da família, […]”

José Saramago

quarta-feira, 26 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«A Raiz de Mandioca da Viúva Monção», por João Ubaldo Ribeiro.

«A Raiz de Mandioca da Viúva Monção»
Conto de João Ubaldo Ribeiro

1056- «A RAIZ DE MANDIOCA DA VIÚVA MONÇÃO»

Todo mundo sabe que a terra aqui em Itaparica é fertilíssima, uma coisa que só vendo para acreditar. Bem verdade que costumava ser ainda mais fértil, mas isso era no tempo em que não havia televisão, de maneira que o pessoal contava histórias sobre proezas agrícolas e a coisa aumentava um pouco. Quase não temos mais bons mentirosos em Itaparica, a não ser do tipo desagradável existente em toda parte, o mentiroso político, o fariseu, essas personagens de rotina mesmo. Os outros, os bons, foram liquidados pela concorrência da tevê: hoje o pessoal fica em casa e, mentira por mentira, as dos comerciais do governo já satisfazem a quem quer dar umas risadinhas.

Lembro bem dos coentros de Lamartine. Isso foi no tempo em que Lamartine era rapazinho - e já estava velho quando o conheci, há mais de trinta e cinco anos, por aí vocês vêem quanto tempo que não faz. Os coentros de Lamartine, ele exagerou na adubagem, foi isso. Naquele tempo, não se podia exagerar na adubagem, porque a terra ainda estava muito impetuosa, muito moça, quase virgem, negócio mesmo de o sujeito se arriscar a ver raiz crescer no dedo, se enfiasse o dedo nela um tempinho. Mas ele exagerou no Salitre do Chile Especial e foi o que se viu: cada pé de coentro que dava para um homem se esconder atrás. Coisa que, aliás, ele chegou a fazer, numa certa oportunidade. Estava fugindo de dona Naninha, então noiva dele, por causa de uma transgressão da mocidade qualquer, e aí se escondeu dela atrás do pé de coentro. E ela não viu nada, sendo bem possível que tivesse pensado que errara de caminho e, em vez de à horta do noivo, tivesse chegado a um bananal.

Esse Salitre do Chile Especial, por sinal, nunca mais ele usou, porque as plantas ítaparicanas tratadas com ele eram um transtorno. Quem quer que já tenha tentado vender um molho de coentro com as folhas do tamanho de palhas de coqueiro compreenderá bem o problema de Lamartine. Se a natureza fez as folhas de coentro daquele tamaninho, é porque quis que elas fossem assim. Que fez então Lamartine? Pegou o resto do saco do salitre e jogou nos fundos de um quarto do quintal, cômodo abandonado que ele só usava para depositar umas tralhas velhas mesmo.

Mal lembrava ele que, neste nosso clima, as plantas muitas vezes crescem sem ajuda de ninguém. Há casos e mais casos de gente que enricou vendendo melancia do quintal sem nunca ter plantado melancia. Assim também são a abóbora, a flor que se chama boa-noite, a mamona, os capins e assim por diante. Pois muito bem, um belo dia Lamartine vai passando pelo quintal e nota que as paredes daquele quarto estão como que rachando, mostrando fendas para além do reboco. Que diabo seria aquilo?

A porta era dessas que abrem para dentro. Ele foi buscar a chave, girou-a, empurrou a porta e nada. Forçou com o ombro, deu pontapé e nada. Mandou chamar um caboclo forte que trabalhava com ele, o caboclo veio, meteu também o ombro na porta, a porta nada. Assim já era demais. Lamartine se aborreceu, mandou buscar um machado, tacou o machado no meio da porta. Uma machadada, duas machadadas, três machadadas e — zás! - sai uma lasca de madeira da porta, acompanhada de — adivinhem o quê? — Exatamente. De uma talhada de abóbora. A desgraçada da aboboreira que estava nascendo, toda encorucujadinha no canto do quarto, se cevou no adubo e aí deu uma abóbora que cresceu, cresceu, cresceu, até chegar àquele despropósito, quase destruindo o quarto todo e dando um prejuízo enorme.

Hoje em dia, não estamos mais como no tempo de Lamartine, mas a terra ainda é bastante fértil. E, felizmente, os praticantes da agricultura e do criatório, embora em pequeníssimo número, se comparado à pujança de outrora, de vez em quando nos surpreendem com novos feitos. Meu primo Zé de Neco mesmo, que não fuma, não bebe e só diz palavrão em último caso, pai de família apontado como exemplo em toda a cidade, merecia uma reportagem. Se o Nordeste não fosse discriminado, meu primo Zé de Neco teria uma bela reportagem. Uma não, duas pelo menos, pelo menos uns dois fantásticos da televisão. Como disse Armando de Lalá, num repentismo desses que vêm à cabeça dos poetas sem mais nem mais:

Fica os fantásticos filmando americano
E ninguém mais não admira o itaparicano!"

Zé cria galo de briga e não poupa sacrifícios para o aprimoramento genético de seu plantel. Para que o galo de briga tenha os baixos instintos indispensáveis ao exercício de sua profissão, é necessário que venha de linhagens inaceitáveis em qualquer família decente. Como, por exemplo, ser raceado com urubu. Pois Zé vai atrás do urubu, pega o urubu e força o casamento com as galinhas de briga dele. Como também força casamentos com mutuns, gaviões, o que pintar - o que interessa é um galo bom. Objetarão os que acham isto impossível, pelas leis da biologia. Respondo que tentem objetar a Zé pessoalmente, para ver se, apesar de já estar chegando aos 60, ele ainda não é bom de capoeira. Ele não aprecia ser chamado de mentiroso.

Tanto assim que lhes passo como verdade verdadeira o conselho que ele deu a todo proprietário de jardim ou areazinha onde possa plantar. O conselho é o seguinte: arranje uma manaíba, enfie lá e esqueça. Manaíba é o nome dado a uma raiz de mandioca que se usa para reprodução, uma espécie de muda, ou semente.

— Mas pra que é que eu quero um pé de mandioca no quintal, Zé?

 — O que é que eu falei? Eu disse "plante uma manaíba e esqueça". É pra esquecer.

 — Mas, se é pra esquecer, pior ainda.

— É porque você não sabe do caso da Viúva Monção.

— A Viúva Monção?

— Você não conheceu, não foi de seu tempo aqui. Mas a Viúva Monção plantou uma manaíba de aipim na horta dela, esqueceu e, quando foi limpar o terreno, tirou uma macaxera de sessenta e quatro quilos!

— Como é que foi, Zé?

— Um aipim de sessenta e quatro quilos! Sessenta e quatro quilos! Agora, imagine isso aí, jardim por jardim, quintal por quintal. Não havia mais o problema da fome.

— Não sei não, Zé. Se tirassem a patente dessa manaíba da Viúva Monção, iam fundar a Mandiocabrás, criar o imposto sobre produtos da manaíba e exportar a manaíba toda.

— Isso é verdade. E, porque gringo não come aipim, iam acabar não deixando ninguém plantar aipim. Não, esqueça. Nunca houve esse aipim de sessenta e quatro quilos, da Viúva Monção.

— Mas você falou...

— Isso é porque a pessoa esquece que existe governo e aí vai fantasiando umas bobagens. Mas depois lembra que existe governo e aí lembra que uma mandioca dessas havia de ser ilegal, visto a falta de comida até hoje ter sido o programa de governo do governo.

— Zé — disse eu —, você devia ser ministro.

— Deus me livre — disse ele. — Eu sou contra a fome.

João Ubaldo Ribeiro

terça-feira, 25 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«A Queda», conto poético por Manel d' Sousa.

«A Queda»
Décima

1055- «A QUEDA»

Caí da escada
Só parei no portão…
Foi grande trambolhão,
Mas não parti nada.
Braço e perna esfolada
E outras contusões,
Foram as lesões
Da queda despedida…
A ossada dorida,
E alguns arranhões.

Manel d’ Sousa

SÁTIRA...

A Conquista
Sátira...

«A CONQUISTA»

Conquistei o troféu
Da cidade de Guimarães...
Que se cuidem os Lampiões,
Foi só um pequeno pitéu!
O azul da cor do céu
Quer o Porto campeão,
Pra vencer a competição
Ao seu eterno rival…
Não me levem a mal,
Mas é ano do Dragão!!

POETA

segunda-feira, 24 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Aviso às Crianças», conto poético por Robert Graves.

«Aviso às Crianças»
A Grande Lousa/ Eduardo Luiz

1054- «AVISO ÀS CRIANÇAS»

Crianças, se tiverdes a coragem de
Pensar na minúscula grandeza, ou na rareza,
Ou na estranheza deste mundo
Precioso e único e infinito em que dizeis
Viver, pensai em coisas destas:
Blocos de ardósia envolvendo manchas
De cor verde e encarnada, envolvendo
Redes de um amarelo acastanhado,
Envolvendo um campo com ladrilhos
Dominós de branco e preto que se alternam
E no meio um perfeito embrulho em papel pardo
Que vos convida a puxar pelo baraço.
E no embrulho uma ilha pequena,
E na ilha uma árvore grande,
E na árvore um fruto de casca dura.
Parti a casca e abri o fruto:
No seu miolo vereis
Blocos de ardósia envolvendo manchas
De cor verde e encarnada, envolvendo
Redes de um amarelo acastanhado,
Envolvendo um campo com ladrilhos
Dominós de branco e preto que se alternam
Onde o mesmo embrulho em papel pardo –
Crianças, deixai o baraço em paz!
Porque quem se atreve a abrir o embrulho
Fica logo dentro dele,
Dentro da ilha, na árvore,
Blocos de ardósia envolvendo-lhe a cabeça,
E vê-se envolvido por manchas,
De cor verde e encarnada, envolvendo
Redes de um amarelo acastanhado,
Envolvendo um campo com ladrilhos
Dominós de branco e preto que se alternam
Com o mesmo embrulho em papel pardo
Ainda por abrir sobre os joelhos.
E se então tiver a coragem de
Pensar na estranheza, ou na rareza,
Ou na minúscula grandeza deste mundo
Precioso e único e infinito em que diz viver –
Então, puxará pelo baraço.

Robert Graves

SÁTIRA...

O Festim
Sátira...

«O FESTIM»

- Da ementa da semana,
Queres peito ou perna?
- Camarada, não alterna?...
Eu sou vegetariana!
- Outra como a Mariana,
Só engole vegetais…
- Coitados dos animais
Que servem d’alimento!
- Esta carne é sustento
De muitos irracionais!!

POETA

domingo, 23 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Gazetilha», conto poético por Álvaro de Campos.

«Gazetilha»
Heteronímia/ Fernando Pessoa

 1053- «GAZETILHA» 

Dos Lloyd Georges da Babilónia 
Não reza a história nada. 
Dos Briands da Assíria ou do Egipto, 
Dos Trotskys de qualquer colónia 
Grega ou romana já passada, 
O nome é morto, inda que escrito. 

Só o parvo dum poeta, ou um louco 
Que fazia filosofia, 
Ou um geómetra maduro, 
Sobrevive a esse tanto pouco 
Que está lá para trás no escuro 
E nem a história já historia.

Ó grandes homens do Momento! 
Ó grandes glórias a ferver 
De quem a obscuridade foge! 
Aproveitem sem pensamento! 
Tratem da fama e do comer, 
Que amanhã é dos loucos de hoje!

Álvaro de Campos

SÁTIRA...

Sem Palavras
Sátira...

«SEM PALAVRAS»

Nada me ocorre dizer (?...)
É ainda um passarinho,
Pra chegar a leãozinho
Tem muito que aprender!
O dedo, como podem ver,
Aponta pró dito anormal,
Precisa de trato mental
Esse Bruno de Carvalho…
Ele que vá pró alho,
Espero não levem a mal (...?)

POETA

sábado, 22 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Certeza», conto poético por Fernando Sabino.

«Certeza»
O Poema da Noite/ Fernando Sabino

1052- «CERTEZA»

De tudo, ficaram três coisas: 
A certeza de que ele estava sempre começando... 
A certeza de que era preciso continuar... 
A certeza de que seria interrompido antes de terminar.... 
Fazer da interrupção um caminho novo ... 
Fazer da queda um passo de dança... 
Do medo, uma escada... 
Do sonho, uma ponte... 
Da procura, um encontro...

Fernando Sabino 

sexta-feira, 21 de julho de 2017

SÁTIRA...

Aldrabices
Sátira...

«ALDRABICES»

- És lesado do Banif
Confiaste no sistema,
Entraste no esquema
Da maior aldrabice!
Eu bem te disse!!...
Agora podes sossegar,
O Tonho vai reparar
Teres sido prejudicado.
- Espero de pé ou sentado,
Ou estás-me a aldrabar?

POETA

OUTROS CONTOS

«Interior», conto poético por Hart Crane.

«Interior»
Quarto em Arles/ Vincent van Gogh

1051- «INTERIOR»

Espalha uma festa tímida
A lâmpada em nosso quarto.
Calma dourada e cinza, —
Silêncio e suave enfarto!

Longe do mundo, a hora roubada
Pedimos, quem saberia
Que o amor é uma flor atrasada
A abrir no que resta ao dia.

E se o mundo entrasse em cena
Com ciúmes e malícia,
Partiria com uma vénia
Levando pena e um sorriso

Hart Crane

quinta-feira, 20 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Inverno», conto poético por José Agostinho Baptista.

«Inverno»
Inverno/ Giuseppe Arcimboldo

1050- «INVERNO»

O medo está no inverno.
O medo bate nos olhos com as suas ferramentas negras e
depois anuncia a morte.
No inverno
penso na terra, no silêncio da terra e dos astros e
das rosas,
no teu grande silêncio, pai.
No inverno
volto-me para baixo, para os alicerces
do mundo.
No inverno
dizes de muito longe que não voltarás aqui.

José Agostinho Baptista

quarta-feira, 19 de julho de 2017

SÁTIRA...

A Clarificação
Sátira...

«A CLARIFICAÇÃO»

- Ó Pedro, vou desabafar…
O cigano é um parasita!
- Cavalgadura racista,
Vou deixar de te apoiar.
- O cigano não quer trabalhar,
Mas por ele tenho respeito (?)
- Assim a coisa leva jeito,
De novo conto contigo.
- Obrigado, cigano amigo,
Estou de coração desfeito!

POETA

segunda-feira, 17 de julho de 2017

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

JOHN COLTRANE - «CTA»

Poet'anarquista

John Coltrane
Saxofonista Norte-Americano

OUTROS CONTOS

«Resgate», conto poético por José João Cochofel.

«Resgate»
Poema de Cochofel

1049- «RESGATE»

Meus pés moídos na calçada,
minhas tardes envenenadas de álcoois nos cafés,
e o vazio por dentro
a encher o tédio das horas sem nome.

Tudo isto
– moeda triste
que nem chega a pagar o sol da tardinha
e a poeira de feno que pontilhou de oiro
teu corpo entre trigais.

José João Cochofel

SÁTIRA...

O Homossexual
Sátira...

«O HOMOSSEXUAL»

- A homossexualidade
É uma anomalia…
Já meu pai me dizia:
Desvio de personalidade!...
Comparo esta realidade
Com o sadomasoquismo,
Ou mutilação do organismo.
- E qual a sua experiência
Sobre a demência?
- Só comparável ao idiotismo!!

POETA

domingo, 16 de julho de 2017

UNA BELLA ROMANA

Una Bella Romana
Décima de Manel d' Sousa

UNA BELLA ROMANA

Una bella romana
Il Castello di Alandroal,
E la bellezza originaria
Che emana da voi!
Ma è la parte umana
Ciò che più mette in evidenza,
Passeggiando tua grazia
In secoli di storia ...
Rimarrà nella memoria
Chi passa di qui.

Uma bela romana
No Castelo do Alandroal,
E a beleza original
Que de si emana!
Mas é a parte humana
O que mais realça,
Passeando a sua graça
Em séculos de história…
Vai ficar na memória
De quem por cá passa.

Manel d' Sousa

SÁTIRA...

O Sabichão Arrogante
Surrealismo/ Fredy Varela

O SABICHÃO ARROGANTE

O sabichão arrogante
Fala do que não entende,
A todos repreende
Por ser um ignorante.
Antes, depois e durante
Propaga-se a bactéria,
Vomita baba e léria
Crente na sua eficácia…
Especialista em falácia
Essa triste miséria!

Manel d' Sousa

OUTROS CONTOS

«Flor de Alfazema», conto poético por Manel d' Sousa.

«Flor de Alfazema»
Décimas por Manel d' Sousa
Mote/ Manguito

Sobre uma troca de mensagens no facebook…

1048- «FLOR DE ALFAZEMA»

Mote/ António Veladas (Manguito)

Criado com alfazema
Dizendo isto e aquilo
Dedica esse poema
Ao ex-presidente Grilo

Também dita Lavanda
De cor azul ou violeta,
Atrai a borboleta
Com o cheiro que manda.
É boa propaganda
Lá na horta, na estrema,
Um bom estratagema
Para afastar a praga…
Ali nada se estraga
Criado com Alfazema.

O odor do costume
Não traz nada de novo,
Assim se engana o povo
Com falso perfume.
Atrás de si o cardume
Surge em grande estilo,
A todos dá asilo
Pra chegar ao poder…
Quer-se convencer
Dizendo isto e aquilo.

Alvitra o Manguito
Em quadra singela,
Um toque na canela
Com mordaz gabarito.
Sobre o que está escrito
Versar não foi dilema,
Faz parte do sistema
Um bom mote seduzir…
O poeta a insistir:
- Dedica esse poema!

Segue dedicatória
Conforme foi pedido,
Faz todo o sentido
Escrever esta história.
Guardo na memória
Com algum sigilo,
Tempo intranquilo
Onde a paz não reinou…
O poema dedicou
Ao ex-presidente Grilo.

Poeta Popular/ Manel d’Sousa

sexta-feira, 14 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Solidão», conto poético por Fernanda de Castro.

«Solidão»
Solidão/ Emmanuel Nery

1047- «SOLIDÃO»

Eu tinha medo à solidão. Temia
encontrar-me comigo, frente a frente,
e resignar-me a viver contente
já que viver feliz eu não podia.

Queria à minha volta muita gente,
repartia em minutos o meu dia
procurando a ilusão duma alegria
que tanto desejara inutilmente.

Mas breve compreendi que a solidão
era não ter ninguém no coração,
e buscando outro fim para os meus passos,

eu fiz da vida um canto mais profundo
e, pouco a pouco, limitei o mundo
à reduzida curva dos meus braços.

Fernanda de Castro

terça-feira, 11 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«Os Prisioneiros de Longjumeau», por Léon Bloy.

«Os Prisioneiros de Longjumeau»
Conto de Léon Bloy

1046- «OS PRISIONEIROS DE LONGJUMEAU»

O Postilhão De Longjumeau anunciava ontem o fim deplorável dos dois Fourmi. Esse jornal, recomendado com justa razão pela abundância e qualidade de suas informações, perdia-se em conjecturas quanto às causas misteriosas do desespero que acaba de levar ao suicídio esses esposos que todos imaginavam felizes.

Casados quando muito jovens e há vinte anos em lua-de-mel, não haviam saído da cidade nem por um único dia.

Livres, pela previdência de seus criadores, de todas as preocupações com dinheiro capazes de envenenar a vida conjugal e, pelo contrário, amplamente supridos de todo o necessário para aparelhar um tipo de união sem dúvida legítima mas tão pouco conforme à necessidade de vicissitudes amorosas que em geral preocupa os instáveis humanos, eles realizam, aos olhos do mundo, o milagre da ternura perpétua.

Uma bela noite de maio, no dia seguinte à queda do sr. Thiers, o trem circular os havia trazido, juntamente com seus pais, que ali estavam para instalá-los na deliciosa propriedade que deveria abrigar sua alegria.

Os longjumelianos de coração puro contemplaram enternecidos aquele lindo casal que o veterinário sem hesitar comparou a Paulo e Virgínia.

Eles realmente estavam, naquele dia, muito bem e pareciam pálidos filhos da aristocracia.

Mestre Piécu, o tabelião mais importante do cantão, lhes comprara, às portas da cidade, um ninho de verdura que os mortos teriam invejado.

Pois é preciso admitir que o jardim fazia pensar num cemitério abandonado. Tal aspecto não lhes desagradou, sem dúvida, pois ali não introduziram, nos anos seguintes, qualquer modificação e deixaram crescer em liberdade os vegetais.

Para me servir de uma expressão por demais original do mestre Piécu, eles viveram nas nuvens, não recebendo praticamente ninguém, não por malícia ou desdém, mas simplesmente porque nunca pensaram nisso.

Além disso, teria sido preciso deixar de se abraçar por algumas horas ou alguns minutos, interromper o êxtase e, por Deus!, considerando a brevidade da vida, esses esposos extraordinários não tinham tal coragem.

Um dos maiores homens da Idade Média, mestre Jean Tauler, conta a história de um ermitão a quem um visitante inoportuno foi pedir um objecto que se encontrava em sua cela. O ermitão se viu no dever de entrar em casa para apanhar o objecto. Mas, ao entrar, esqueceu-se do que se tratava, pois a imagem das coisas exteriores não conseguia permanecer em seu espírito. Saiu então, e pediu ao visitante que lhe dissesse o que desejava. Este renovou o pedido. O ermitão voltou a entrar mas, antes de apanhar o tal objecto, a lembrança do mesmo o abandonou. Depois de diversas tentativas, foi obrigado a dizer ao inoportuno:

— Entre e procure o senhor mesmo aquilo de que precisa, pois não consigo guardar comigo a sua imagem tempo suficiente para fazer o que me pede.

O sr. e a sra. Fourmi muitas vezes me lembraram esse ermitão. Teriam dado de boa vontade tudo o que lhes fosse pedido, caso disso conseguissem se lembrar por um único instante.

Suas distracções eram famosas, falava-se delas até em Corbeil. Os dois, entretanto, não aparentavam sofrer por causa delas e a “funesta” resolução que lhes terminou a existência por todos invejada deve parecer inexplicável.

***

Uma carta já antiga desse infeliz Fourmi, que conheci antes de seu casamento, permitiu-me reconstituir, por dedução, toda a sua lamentável história.

Aqui está a carta. Veremos, talvez, que meu amigo não era nem louco nem imbecil.

“…Pela décima ou vigésima vez, caro amigo, nós te faltamos com a palavra, de forma absurda. Por maior que seja a tua paciência, imagino que devas estar cansado de nos convidar. A verdade é que desta última vez, como das anteriores, minha mulher e eu não temos desculpas. Tínhamos dito por escrito que poderias contar connosco e não tínhamos absolutamente nada para fazer Entretanto, perdemos o trem, como sempre.

Há 15 anos perdemos todos os trens e todas as conduções públicas, por mais que tentemos. É infinitamente idiota, é de um ridículo atroz, mas começo a acreditar que o mal não tem remédio. É uma espécie de fatalidade grotesca da qual somos vítimas. Não há o que fazer Já nos aconteceu de nos levantarmos às três horas da manhã ou mesmo de passar a noite sem dormir para não perder o trem das oito, por exemplo. Pois bem, meu caro, a lareira se incendiava no último instante, eu torcia o tornozelo no meio do caminho, o vestido de Julieta ficava preso em algum arbusto, nós adormecíamos no sofá da sala de espera, sem que a chegada do trem ou o chamado do encarregado nos acordasse a tempo, etc., etc. Da última vez, eu havia esquecido a carteira.

Enfim, repito, há 15 anos isso dura e sinto que aí está nosso princípio de morte. Por causa disso, como não ignoras, falhei em tudo, briguei com todo mundo, passei por um monstro de egoísmo, e minha pobre Julieta foi naturalmente envolvida nas mesmas queixas. Desde nossa chegada neste lugar maldito, faltei a 74 enterros, 12 casamentos, trinta baptismos, um milhão de visitas ou actividades indispensáveis. Deixei morrer minha sogra sem tê-la revisto uma só vez, embora ela tenha estado doente quase um ano, o que nos valeu sermos privados de três quartos de sua herança, que ela furiosa nos tirou na véspera de sua morte, por um codicilo.

Eu não terminaria se me dedicasse a enumerar as faltas e desventuras ocasionadas por essa inacreditável circunstância de nunca termos conseguido nos afastar de Longjumeau. Para resumir numa palavra, somos prisioneiros, para sempre privados de esperança, e vemos se aproximar o momento em que essa condição de encarcerados deixará de nos ser suportável…”

Suprimo o resto, onde meu triste amigo me confiava coisas por demais íntimas para que eu as possa publicar. Mas dou a minha palavra de honra que não se tratava de um homem vulgar, que ele foi digno da admiração de sua mulher e que esses dois seres mereciam algo melhor do que acabar da forma estúpida e sórdida como acabaram.

Determinadas particularidades que peço permissão de guardar para mim me fazem pensar que o desafortunado casal era realmente vítima de uma maquinação tenebrosa do Inimigo dos homens que os conduziu, pela mão de um tabelião evidentemente infernal, àquele maléfico rincão de Longjumeau do qual nada foi capaz de arrancá-los.

Acredito realmente que eles não conseguiam fugir, que havia, em volta de sua casa, um cordão de tropas invisíveis escolhidas com cuidado para atacá- los e contra as quais nenhuma energia poderia prevalecer.

***

O sinal, para mim, de uma influência diabólica, era que os Fourmi viviam devorados pela paixão das viagens. Aqueles prisioneiros eram, por natureza, essencialmente migradores.

Antes de se unirem, tiveram sede de correr o mundo. Quando eram ainda apenas noivos, haviam sido vistos em Enghien, em Choisy-le-Roi, em Meudon, em Clamart, em Montretout. Um dia, chegaram mesmo a se aventurar até Saint-Germain.

Em Longjumeau, que lhes parecia uma ilha da Oceânia, essa fúria de explorações audaciosas, de aventuras por terra e por mar, só fizera se exasperar.

Sua casa era atulhada de globos e planetários, possuíam Atlas ingleses e Atlas germânicos. Tinham até mesmo um mapa da lua publicado em Gotha sob a direcção de um pedante chamado Justus Perthes.

Quando não faziam amor, liam juntos histórias de navegadores famosos que eram o conteúdo exclusivo de sua biblioteca e não havia um diário de viagens, uma Volta do Mundo ou um Boletim de sociedade geográfica do qual não fossem assinantes. Horários de estradas de ferro e prospectos de agências marítimas choviam sem cessar sobre sua casa.

Coisa que ninguém acreditará, suas malas estavam sempre prontas. Estiveram sempre prontos para partir, fazer uma interminável viagem aos países mais distantes, mais perigosos ou mais inexplorados.

Recebi quarenta avisos anunciando sua partida iminente para Bornéu. Terra do Fogo. Nova Zelândia ou Gronelândia.

Por diversas vezes, na verdade, faltou muito pouco para que partissem. Mas afinal não partiam, nunca partiram, porque não podiam e não deviam partir. Os átomos e as moléculas se aliavam para puxá-los para trás.

Um dia , no entanto, há uns dez anos, eles decididamente acreditaram poder fugir. Haviam conseguido, contra toda esperança, se atirar num vagão de primeira classe que deveria levá-los a Versailles. Liberdade! Agora, sem dúvida, o círculo mágico se romperia.

O trem começou a andar, mas eles não se moveram. Tinham, é claro, entrado num vagão destinado a ficar na estação. Era preciso recomeçar tudo.

A única viagem à qual não faltariam era evidentemente a que acabam de fazer, coitados!… e seu temperamento que bem conheci me leva a crer que para ela se prepararam bem trémulos.

Léon Bloy

domingo, 9 de julho de 2017

MÚSICAS DO MUNDO

E as música de hoje são...

Water Festival
Ecrã d'Água

PINK FLOYD 
«Shine On You Crazy Diamond»

Poet'anarquista

BRILHE, DIAMANTE LOUCO

Lembra quando você era jovem?
Você brilhou como o sol
Brilhe, diamante louco
Agora há um olhar em seus olhos
Como buracos negros no céu
Brilhe, diamante louco
Você foi surpreendido pelo fogo cruzado
Da infância e do estrelato
Fundido na brisa de aço
Venha em seu alvo alvo
De risos distantes
Venha, seu desconhecido, sua lenda
seu mártir, e brilhe!

Você alcançou o segredo
Cedo demais
Você chorou para a lua
Brilhe, diamante louco
Ameaçado pelas sombras da noite
E exposto a luz
Brilhe, diamante louco
Bem, você desgastou suas boas vindas
Com precisão aleatória
Cavalgou na brisa de aço
Venha sonhador, você visionário
Venha pintor, em você flautista
prisioneiro, e brilhe!

Ninguém sabe onde você está
Quão perto ou longe
Brilhe, diamante louco
Empilhe muito
Mais camadas
E eu vou juntar-me a você lá
Brilhe, diamante louco
E vamos nos regozijar à sombra
Dos triunfos passados
E navegar pela brisa de aço
Venha, seu garoto, seu vencedor e perdedor
Venha mineiro da verdade e da ilusão
E brilhe!

PINK FLOYD
«The Great Gig In The Sky»

Poet'anarquista

SÁTIRA...

Directo ao Assunto
Sátira...

«DIRETO AO ASSUNTO»

- Tonho, precisas apurar
Tudo o que se passou,
E por isso aqui estou
De férias pra te lembrar.
- Escusas vir a Martelar
Essa conversa ordinária,
A verdade é secundária
Sobre Tancos ou Pedrógão…
Mas talvez tenhas razão
Se o assunto for culinária!

POETA

sexta-feira, 7 de julho de 2017

OUTROS CONTOS

«A Bela e a Cobra», por José Leite de Vasconcelos.

«A Bela e a Cobra»
(Contos Populares e Lendas)

1045- «A BELA E A COBRA»

Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou completamente pobre. Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às filhas o que queriam que ele lhes trouxesse.

– Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de seda.

– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de cetim. 

– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova. 

– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela. 

– Pois sim, disse ele. E partiu. Passado algum tempo trouxe as prendas de suas filhas, disse à mais nova: 

– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!

Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que lhe tinha dito aquilo. Ele, a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas instâncias fez, que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era; que ele lhe respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse que lha havia de levar, se não que era morto. Depois disse ela: 

– Meu pai, não tenha pena, que eu vou.

Assim foi. Logo que ela entrou naquele palácio, ficou admirada de ver tudo tão asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve lá um pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou só, foi a uma sala e viu a cobra. Ia deitar-se quando começaram a ajudá-la a despir. Estava ela na cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz: 

– Não tenhas medo.

Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra. 

Ela, a princípio,assustou-se, mas depois começou a afagá-la. Ao outro dia de manhã apareceu-lhe a mesa posta com o almoço. Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a mesma cobra. Assim viveu durante muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair ouviu uma voz que lhe disse: 

– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.

Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz lhe tinha dito. Chegou a casa do pai. Passaram três dias quando se lembrou que tinha de tornar; despediu-se de toda a sua família e partiu a galope; chegou lá à noite, foi-se deitar, como tinha de costume, mas já não sentiu o tal bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo no jardim e qual não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço! Ela começou a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito da cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao mesmo tempo lhe disse: 

– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns poucos de anos e, se tu não chorasses sobre o meu peito, ainda aqui estaria cem anos mais.

O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram durante muitos anos.

José Leite de Vasconcelos