quarta-feira, 28 de novembro de 2018

OUTROS CONTOS

«Uma Estória Muito Curta», por Ernest Hemingway.

«Uma Estória Muito Curta»
Conto de Hemingway

1192- «UMA ESTÓRIA MUITO CURTA»

Certa noite quente, em Pádua, carregaram-no para cima do telhado para que ele pudesse olhar a cidade de cima. Depois de algum tempo começou  a escurecer, e os holofotes apareceram . Os outros desceram e levaram as garrafas. Ele e Luz podiam ouvi-los no balcão, em baixo. Luz estava sentada na cama. Estava calma e fresca na noite quente. 

        Luz ficara no turno da noite três meses a fio. Deixaram-na, satisfeitos. Quando a operaram, Luz o preparou para a mesa de operação, e fizeram piadas a respeito de amigos ou enemas.  Ele se deixaria anestesiar, mas procurava controlar-se para não dizer bobagens  durante o período de tolice e falação. Depois que começara a usar muletas, costumava tirar as temperaturas para que Luz não precisasse sair da cama. Eram só uns poucos pacientes, e todos sabiam do caso. Todos gostavam de Luz. Enquanto ele caminhava pelos corredores, pensava em Luz em sua cama.

        Antes de voltar para a frente, foram ao Duomo e rezaram. Estava escuro e calmo, e havia outras pessoas a rezar. Queriam casar-se, mas não havia tempo para os proclamas, e nenhum dos dois tinha certidão de nascimento. Sentiam-se como se fossem casados e queriam que todos o soubessem, a fim de estarem comprometidos.

        Luz escreveu-lhe muitas cartas que ele só veio a receber após o armistício. Quinze cartas chegaram à frente num maço que ele arrumou por ordem cronológica e leu ponta a ponta. Eram todas sobre o hospital, e como o amava e como era impossível viver sem ele e como sentia terrivelmente a falta dele todas as noites.

        Depois do armistício, combinaram que ele deveria voltar para casa e arrumar um emprego, a fim de que pudessem casar. Luz não iria ter com ele até que tivesse um bom emprego e pudesse ir a Nova Iorque esperá-la. Ficou acertado que não beberia, e ele não queria rever os amigos, nem ninguém mais nos Estados Unidos. Apenas arranjar um emprego e casar. No trem de Pádua para Milão, brigaram por não estar ela disposta a voltar imediatamente. Quando tiveram de dizer adeus na estação de Milão, beijaram-se, mas isso não terminou a briga. Ele ficou doente por dizer adeus daquele jeito.

        Voltou para a América de navio, partindo de Génova. Luz retornou a Pordonone para abrir um hospital. Chovia muito, e era muito solitário lá, e havia um batalhão de arditi aquartelado na cidade. Vivendo naquela cidade lamacenta e chuvosa no inverno, o major do batalhão fazia amor  com Luz, e ela, que jamais havia conhecido italianos antes, finalmente escreveu para a América dizendo que o que houvera entre eles fora um caso de garotos. Sentia muito, e sabia que ele provavelmente não compreenderia, mas um dia talvez a perdoasse, e lhe fosse grato, e ela esperava, de modo absolutamente inesperado, casar-se na primavera. Amava-o como sempre, mas compreendia agora que fora apenas um amor de criança. Esperava que tivesse uma bela carreira, e tinha absoluta confiança nele. Sabia que era melhor assim.

        O major não se casou com ela na primavera, nem nunca mais. Luz jamais recebeu uma resposta à sua carta para Chicago sobre o caso. Pouco tempo depois, Nick apanhou gonorreia de caixeirinha de uma loja de departamentos enquanto viajavam, num táxi, através de Lincoln Park.

Ernest Hemingway

Sem comentários: