segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

SATURNÁLIA ROMANA

«Ave César! Io Saturnália!»
Pintura de Lawrence Alma-Tadema (1880)

ANO NOVO: VIDA NOVA!

Análises históricas apontam a Saturnália romana como raiz das comemorações de fim de ano atuais. Esses rituais envolviam um clima festivo de libertação da ordem social, de inversão das relações hierárquicas, de intensa troca de banquetes, visitas e presentes.

Janeiro é um mês propício para tratar do sentido das complexas práticas que nos acompanham nas chamadas festas de fim de ano. O Natal e a festa do réveillon são o ponto alto de um ciclo mais amplo de rituais em que a grande questão da fugacidade do tempo é tematizada.

Os nascimentos de Cristo e do Ano Novo são a face benfazeja de uma inquietação mais ampla com a continuidade da vida, que se pode considerar iniciada em fins de outubro e princípios de novembro, com o Dia das Bruxas (Halloween) e o Dia dos Mortos, passando pelo Dia de São Nicolau e pelo Dia de Reis e se estendendo até o carnaval e a consequente quaresma.

É forte o simbolismo cristão no nível mais explícito desse longo ciclo, mas a sequência se alimenta de outras fontes de significado, algumas de muito longo curso histórico, outras bem mais recentes.

São muitas as análises históricas que sublinham o enraizamento dessas comemorações nos rituais da Saturnália romana, ocupadas pelo cristianismo com a nova referência simbólica do nascimento do Deus Filho. Esses rituais eram os mais intensos do ciclo anual romano, envolvendo um clima festivo de liberação da ordem social, de inversão das relações hierárquicas, de intensa troca de banquetes, visitas e presentes.

A celebração se estendia ao longo de dezembro e antecedia imediatamente o dia do solstício de inverno (no hemisfério norte), considerado o Dies Natalis do Sol Invictus (o dia de nascimento do sol invicto), início do novo ano, em cuja homenagem se acendiam numerosas velas de cera.

Algumas das características dessa celebração ainda se encontram em nosso próprio ciclo contemporâneo, sobretudo no que toca a estrutura central de um ‘rito de passagem’. A expressão foi usada como título de uma obra clássica do sociólogo franco-alemão Arnold Van Gennep, o primeiro a descrever suas propriedades formais universais. 

Os ritos de passagem permitem às culturas coordenar as transformações da vida humana em um processo simbólico de acesso sucessivo a novos patamares de identidade – como os bem notórios rituais de puberdade. Os ritos procedem sempre em um esquema triádico: separação, suspensão e reagregação.

No modo mais habitual, um neófito é afastado de sua vida regular, colocado em vigília em lugar ermo e submetido a alimentação ou hábitos diferentes, para então retornar, renovado, investido de uma nova e melhor condição.

Interrompe-se a rotina do trabalho, alteram-se as regras habituais da convivência social, procede-se a numerosas atividades preparatórias do período de suspensão.

Em nossas festas de fim de ano, a separação não consiste num afastamento físico, mas moral. Interrompe-se a rotina do trabalho, alteram-se as regras habituais da convivência social, procede-se a numerosas atividades preparatórias do período de suspensão – inclusive enchendo os corredores dos shoppings.

E assim ocorrem as festas, suspensas num halo mágico de convivências, comensalidades, dádivas, intensificação dos contatos entre todas as redes – antes os cartões; hoje as mensagens na internet. Há comidas e bebidas cerimoniais, há roupas especiais, há gestos, canções e decorações que não devem ser vividas fora do período de suspensão.

E há finalmente a reintegração na rotina da vida cotidiana, com a leitura dos jornais do dia 1º, a relatar as peripécias da grande farra coletiva, a lembrar como as dimensões regulares da vida humana continuaram a pulsar enquanto se entoava o «Noite Feliz» ou se ouvia o último DJ no palco público do réveillon e a nos convocar para o próximo e imperdível ciclo de festas.
Fonte: ciênciahoje.uol.com.br/

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