sábado, 12 de outubro de 2013

POESIA - RUY CINATTI

O poeta português Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes, ou simplesmente Ruy Cinatti nasceu em Londres, a 8 de Março de 1915. Foi co-fundador dos «Cadernos de Poesia», de 1940, e agraciado a título póstumo em 10 de Junho de 1992, com a Grão-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Ruy Cinatti faleceu em Lisboa, a 12 de Outubro de 1986.
Poet'anarquista
Ruy Cinatti
Poeta Português
SOBRE O POETA…

Poeta e cientista português, nascido em Londres. Licenciado em Agrononomia, trabalhou vários anos como chefe dos Serviços de Agricultura do Governo de Timor (1951-1956), dedicando-se a estudos na área da Antropologia. A sua passagem pela Universidade de Oxford serve-lhe de pretexto para desenvolver o estudo do povo timorense. Faz juramentos de sangue com liurais timorenses e filma no território imagens hoje recolhidas na Cinemateca. Na área da literatura, destacou-se pela sua ligação à revista Cadernos de Poesia, de que foi co-fundador. A ele se deve, também, a revista Aventura, nos anos 40. 

Publicou, entre outras obras, e para além de monografias sobre Timor, Ossobó (1936), Nós Não Somos Deste Mundo (1941), Anoitecendo a Vida Recomeça (1942), Poemas Escolhidos (1951), O Livro do Nómada Meu Amigo (1966, Prémio Antero de Quental), Sete Septetos (1967, Prémio Nacional de Poesia), Crónica Cabo-Verdeana (1967, sob o pseudónimo Júlio Celso Delgado), O Tédio Recompensado (1968), Borda d'Alma (1970), Uma Sequência Timorense (1970, Prémio Camilo Pessanha), Memória Descritiva (1971), Lembranças Para S. Tomé e Príncipe - 1972 (1972, publicado em 1979), Borda d'Alma (1973), Conversa de Rotina (1973), Os Poemas do Itinerário Angolano (1974), Cravo Singular (1974), Timor-Amor (1974), Paisagens Timorenses com Vultos (1974), O A Fazer-se, Faz-se (1976), Import-Export (1976), 56 Poemas (1981) e Manhã Imensa (1984), Ruy Cinatti (antologia de 1986), Obra Poética (1992), Corpo e Alma (1994), Tempo da Cidade (1996). Em 1997, foi publicado Um Cancioneiro Para Timor (datado de 1968). 

No manifesto «A Poesia É Só Uma» demarca-se, quer do neo-simbolismo da Presença, quer do neo-realismo e do surrealismo, apresentando um «programa de autenticidade poética», nas palavras de Jorge de Sena. 

Em 2000, publica-se Archeologia as Usum Animae.
Fonte: Astormentas
QUANDO EU PARTIR

Quando eu partir, quando eu partir de novo 
A alma e o corpo unidos, 
Num último e derradeiro esforço de criação; 
Quando eu partir... 
Como se um outro ser nascesse 
De uma crisália prestes a morrer sobre um muro estéril, 
E sem que o milagre se abrisse 
As janelas da vida. . . 
Então pertencer-me-ei. 
Na minha solidão, as minhas lágrimas 
Hão de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência, 
E eu serei o senhor da minha própria liberdade. 
Nada ficará no lugar que eu ocupei. 
O último adeus virá daquelas mãos abertas 
Que hão de abençoar um mundo renegado 
No silêncio de uma noite em que um navio 
Me levará para sempre. 
Mas ali 
Hei de habitar no coração de certos que me amaram; 
Ali hei de ser eu como eles próprios me sonharam; 
Irremediavelmente... 
Para sempre. 

Ruy Cinatti

VIGÍLIA

Paralelamente sigo dois caminhos 
Abstrato na visão de um céu profundo. 
Nem um nem outro me serve, nem aquele 
Destino que se insinua 
Com voz semelhante à minha. O melhor mundo 
Está por descobrir. Não seque a lua 
Nem o perfil da proa. Vai direito 
Ao vago, incerto, misterioso 
Bater das velas sinalado de oculto. 

Quero-me mais dentro de mim, mais desumano 
Em comunhão suprema, surto e alado 
Nas aragens noturnas que desdobram as vagas, 
Chamam dorsos de peixe à tona de água 
E precipitam asas na esteira de luz. 
Da vida nada senão a melhoria 
De um paraíso sonhado e procurado 
Com ternura, coragem e espírito sereno. 

Doçura luminosa de um olhar. Ameno 
Brincar de almas verticais em pleno 
Sol de alvorada que descerra as pálpebras. 

Ruy Cinatti

REGRESSO ETERNO

Altos silêncios da noite e os olhos perdidos, 
Submersos na escuridão das árvores 
Como na alma o rumor de um regato, 
Insistente e melódico, 
Serpeando entre pedras o fulgor de uma ideia, 
Quase emoção; 
E folhas que caem e distraem 
O sentido interior 
Na natureza calma e definida 
Pela vivência dum corpo em cuja essência 
A terra inteira vibra 
E a noite de estrelas premedita. 

A noite! Se fosse noite. . . 
Mas os meus passos soam e não param, 
Mesmo parados pelo pensamento, 
Pelo terror que não acaba e perverte os sentido 
A esquina do acaso; 
Outros mundos se somem, 
Outros no ar luzes refletem sem origem. 
É por eles que os meus passos não param. 
E é por eles que o mistério se incendeia. 

Tudo é tangível, luminoso e vago 
Na orla que se afasta e a ilha dobra 
Em balas de precário sonho... 
Tudo é possível porque à vida dura 
E a noite se desfaz 
Em altos silêncios puros. 
Mas nada impede o renascer da imagem, 
A infância perdida, reavida, 
Nuns olhos vagabundos debruçados, 
Junto a um regato que sem cessar murmura. 

Ruy Cinatti

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