quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

POESIA - ANTÓNIO GEDEÃO

O poeta português António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nasceu em Lisboa, a 24 de Novembro de 1906. A sua obra só vem a ser conhecida um pouco tarde (1950), tendo a particularidade de não se integrar nos movimentos literários da época. António Gedeão faleceu em Lisboa,  a 19 de Fevereiro de 1997.
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António Gedeão
Poeta Português
SOBRE O AUTOR…

António Gedeão, (Rómulo Vasco da Gama de Carvalho), nasceu em Lisboa, 24 de Novembro de 1906 e faleceu em Lisboa a 19 de Fevereiro de 1997

Foi um químico, professor de Físico-Química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes e Liceu Camões, pedagogo, investigador de História da ciência em Portugal, divulgador da ciência, e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão.

O dia do seu nascimento foi, em 1997, adoptado em Portugal como Dia Nacional da Cultura Científica.
António Gedeão publicou em 1956, aos 50 anos, o seu primeiro livro de poesia, Movimento Perpétuo (Coimbra), seguindo-se Teatro do Mundo, em 1958 e Máquina do Fogo, em 1961.

Anos mais, tarde, em 1963, aventura-se pelo teatro, publicando a peça de teatro RTX 78/24.

Em 1964, para comemorar o 4º Centenário do nascimento de Galileo Galilei, escreveu o «Poema para Galileo», que foi traduzido para língua italiana por Roberto Barchiesi, e publicado, em edição bilingue, pelo Instituto Italiano di Cultura. Este poema, musicado e cantado por Manuel Freire, conheceu uma grande expansão, tal como a «Pedra Filosofal», ou a «Lágrima de Preta», eventualmente os seus poemas mais célebres.

A obra poética de Gedeão, para além de estranhamente só surgir quando o seu autor tem 50 anos de idade, não parece enquadrar-se claramente em qualquer movimento literário. Contudo o seu enquadramento geracional leva-o a preocupar-se com os problemas comuns da sociedade portuguesa da época, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra cujo fim não se adivinhava.

Este facto faz com que a poesia de Gedeão marque profundamente toda uma geração que se sentia profundamente tocada pelos valores expressos pelo poeta e deste modo se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade. É deste modo que «Pedra Filosofal», musicada por Manuel Freire, se torna num hino à liberdade e ao sonho. E, mais tarde, em 1972, José Nisa compõe doze músicas com base em poemas de Gedeão e produz o álbum «Fala do Homem Nascido».

Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago de Espada.
Fonte: lusofoniapoetica.com/

A MINHA ALDEIA

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.

Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Ângulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.

Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desampara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.

Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.
Valência de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem
no centro da minha aldeia.

António Gedeão

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.

Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das pernas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão

PEDRA FILOSOFAL

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

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