quarta-feira, 14 de agosto de 2013

POESIA - JAIME CORTESÃO

O poeta e historiador português Jaime Zuzarte Cortesão, ou simplesmente Jaime Cortesão nasceu em Ançã, Cantanhede, a 29 de Abril de 1884. Foi igualmente político, tendo sido deputado e grande democrata na oposição ao Estado Novo. Por este motivo, entre 1927 até 1957 esteve no exílio. Em 1958 foi nomeado presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. Jaime Cortesão faleceu em Lisboa, a 14 de Agosto de 1960.
Poet’anarquista
Jaime Cortesão
Poeta e Historiador
SOBRE O HOMEM...

Escritor, político e historiador português, natural de Ançã, Cantanhede. Estudou medicina, que veio a exercer como voluntário durante a I Guerra Mundial, na Flandres. Foi deputado, entre 1915 e 1917, e dirigiu a Biblioteca Nacional, entre 1919 e 1927. 

Os seus ideais políticos levaram-no ao exílio, após a instauração do Estado Novo, de 1927 até 1957. Durante esse período, viveu em vários países da Europa e no Brasil. Em 1957 regressou a Portugal e, um ano depois, foi nomeado presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. 

Esteve ligado, juntamente com Leonardo Coimbra e outros, ao movimento da Renascença Portuguesa e à revista A Águia, de que se afastaria algum tempo depois. Foi ainda co-fundador e director da revista Seara Nova. 

A partir dos anos 20, a sua actividade como historiador, precisamente aquela em que mais se destacou, intensificou-se. Escreveu A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (1922), Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid (1950), O Sentido da Cultura em Portugal no Século XIV (1956) e Os Descobrimentos Portugueses (1960), obra incompleta, deixando ainda A Política de Sigilo na Época dos Descobrimento (1997). Colaborou em diversas obras colectivas (História de Portugal, de Damião Peres, ou História da Expansão Portuguesa no Mundo). 

Dedicou-se ainda à poesia escrevendo A Morte da Águia (1910), Esta História é Para os Anjos (1912), Glória Humilde (1914), Divina Voluptuosidade (1923), Missa da Meia-Noite (1940) e Poesias Escolhidas (1960), ao drama com O Infante de Sagres (1916) e Egas Moniz (1918), ao conto em Daquém e Dalém Morte (1913), e ainda à literatura infantil com as obras Romance das Ilhas Encantadas (1925) e Contos para Crianças (1964). Jaime Cortesão foi também autor de obras ensaísticas, como Memórias da Grande Guerra (1919) e Eça de Queirós e a Questão Social (1949). 

Considerado uma das figuras cimeiras da cultura e da historiografia portuguesas deste século, foi capaz de associar, nas suas obras, uma grande capacidade de exposição e de comunicação ao rigor científico.
Fonte: Astormentas

ROMANCE DO HOMEM DA BOCA FECHADA

- Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.

Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.

Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.

Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
- Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
- Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
- Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
- Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!

- A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
- Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!

Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
- Antes que fale emudeça! -
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.

A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!

Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!

Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.

Jaime Cortesão

Este poema de Jaime Cortesão, «Romance do Homem da Boca Fechada», circulou clandestinamente nos anos trinta e foi publicado no Avante em 1937. A publicação de um poema de um republicano sobre um anarquista no jornal comunista inseria-se nos esforços de Francisco Paula de Oliveira / ”Pavel” para reforçar uma política de frente popular em Portugal. Sobre Jaime Rebelo veja-se a sua necrologia em Voz Anarquista 1 , 22/1/1975 e César Oliveira , “Jaime Rebelo : Um Homem Para Além do Tempo ” , História , 6 , Março 1995.

A Poesia e a Resistência ao fascismo/salazarismo

MALDIÇÃO

Por ti, pelo teu ódio à Liberdade
à Razão e à verdade,
a tudo o que é viril, humano e moço,
a fome e o luto apagaram os lares
e os homens agonizam aos milhares
no exílio, no hospital, no calabouço.

Por ti raivoso abutre
cujo apetite sôfrego se nutre
de lágrimas, de gritos, de aflições
gemem nas aspas da tortura
ou baixam em segredo à sepultura
os màrtires que atiras às prisões.

A este claro povo, herói dos povos,
que deu ao Mundo mundos novos,
mais estrelas ao céu, mais luz ao dia;
a este livre e luminoso Apolo
atas as mãos, os pés e o colo,
e encerras numa lôbrega enxovia.

Falas do céu, como um doutor no templo
mas tu encarnaçao e vivo exemplo
da hipocrisia vil dos fariseus,
pelos sagrados laços que desunes,
pelos teus crimes, até hoje impunes
roubas ao mesmo crente a fé em Deus.

Passas...e mirra a erva nos caminhos,
as aves, com terror, fogem aos ninhos,
e ao ver-te o vulto gélido e felino,
mulheres e mães, lembrando os lastimosos
casos de irmãos, de filhos ou de esposos,
bradam crispadas as mãos: Assassino! Assassino!

Passas... e até os velhos, cujos anos
têm costumado a monstros e tiranos
dizem, com a boca cheia de ira e asco:
-Sobre esta Pátria mísera que oprimes,
jamais alguém foi réu de tantos crimes.
vai-te! Basta de vítimas!. Carrasco!

Passas... e ergue-se, vai de vale a cerro
dos hospitais, do fundo das masmorras
às inospitas plagas do desterro,
um coro de ais, de imprecações, de morras.

São multidões que rugem num só brado:
- Maldita a hora em que tu foste nado!
-Que se malogre tudo quanto almejas;
-Conturbem-se os teus dias de aflição,
neguem-te as fontes água, a terra pão
e as estrelas luz -Maldito sejas.

Jaime Cortesão

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