quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

POESIA

A Máquina de Escrever...


De José Chieroni “Grande Poeta Itálo-Brasileiro”
(Versos admiráveis que transformam o mais material dos temas, a máquina de escrever, em poema de elevado conteúdo espiritual.)

A MÁQUINA DE ESCREVER

Mãe, se eu morrer, de um repentino mal,
vende meus bens a bem de meus credores:
A fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro carnaval.

Vende esse rádio que ganhei de prémio
por um concurso num jornal do povo,
e aquele fato novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boémio.

Vende também meus óculos antigos,
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.

Vende além das gravatas, do chapéu,
meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu encontre o Céu
e logre penetrar, despercebido.

Vende o meu dente de ouro. O Paraíso
requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
Para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um judeu qualquer
que os guarde numa loja pardacenta,
reluzindo na sombra poeirenta;
reflectindo um semblante de mulher!

Vende tudo ao findar a minha sorte,
Libertando a minha alma pensativa,
Para ninguém chorar a minha morte
Sem realmente desejar que eu viva!

Podes vender meu próprio leito e roupa,
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe! Mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo!

Mas poupa a minha amiga de horas mortas
com teclas bambas, tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
Que eram meu humílimo tesouro.
Mas não! Ainda que ofereçam ouro,
Não vendas o meu filtro de tristezas!

Quantas vezes esta máquina afugenta
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta
e meu doce instrumento musical!

Bate rangendo, numa espécie de asma,
mas cada vez que bata é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há-de levar consigo o meu fantasma!

Pois será para ela uma tortura
Sentir nas bambas teclas solitárias
Um bando de dez unhas usurárias
A dactilografar uma factura!

Deixa-a morrer também, quando eu morrer!
Deixa-a cair numa quietude extrema,
à espera do meu íntimo poema
que as palavras não dão para dizer!

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
Conservando os meus íntimos instantes.
E nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar!

José Chieroni

3 comentários:

francisco tátá disse...

Linda. Gostei.
Um abraço grande POETA
Chico

Camões disse...

É na realidade uma poesia maravilhosa só ao alcance de uma grande alma poética. Já não se encontra entre nós, mas a beleza das suas palavras permanece nas teclas da velha máquina escrever, imortalizadas no tempo.
José Chieroni agradece a leitura de almas sensíveis!

Cabé

Anónimo disse...

Muito belas as palavras sentimentais dedicadas à máquina de escrever a quem o poeta imortalizou em poesia!

Maria