sexta-feira, 30 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

BILLY IDOL - «Don't Need a Gun»

Poet'anarquista

NÃO PRECISA DE UMA ARMA

Um coração humano vai sair hoje à noite
Sim, um amor quente vermelho num semáforo vermelho

Eu vejo uma cena tão fria que ecoa no azul
Oh aquelas línguas torcidas elas estão atrás de você

Filho, você tem que se mover para cima
Senhorita Clawdy
História e sonhos para comprar
Não preciso de uma faca para violar minha vida
É tudo tão louco

Quando o outro homem não tem nenhuma
Você não precisa de uma arma
Sim uma roleta russa não é divertido
Eu não preciso de uma arma
Eu só preciso de alguém
Eu não preciso de uma arma

Sangue vermelho acende sim na rua
Só preciso do seu amor e eu sim sinto que o calor
Pode dirigir-me e passar
Isso semáforo vermelho
Com uma chicotada e sorriso

Você vai a chorar sim sempre
Oh, você sempre estará morrendo
Oh, você sempre estará morrendo

Elvis a lutar contra a luz e a morrer
Johnny Ray ele está sempre chorando
Gene Vincent gritou que bateu no John, no John, no John

Sim e eu, eu estou mexendo, mexendo, mexendo,
Sim, para ser alguém
Eu não preciso de uma arma

Billy Idol

Cantor e Compositor Britânico

OUTROS CONTOS

«Presságio», por Fernando Pessoa.

«Presságio»
Poema de Pessoa

1194- «PRESSÁGIO»

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Fernando Pessoa

SÁTIRA...

A Lei do Bom Senso
Sátira...

«A LEI DO BOM SENSO»

- Ó Rui cabeça d’alho...
Desaparece, estou farto!
Acredita, ainda te mato
Grandessíssimo paspalho!!...
Só me dás trabalho!!!
- Certo, chefe arruaceiro...
Quero todo o meu dinheiro
Aqui de mão beijada
Nesta última jogada…
- Fosga-se!.. ganda paneleiro!!!

ATEOP

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

GIACOMO PUCCINI - «One Fine Day»

Poet'anarquista

Puccini
Caricatura de Leonetto Cappiello

OUTROS CONTOS

«Os Postes Telegráficos», por G.K. Chesterton.

«Os Postes Telegráficos»
Conto de G.K. Chesterton

1193- «OS POSTES TELEGRÁFICOS»

Certo dia, um amigo e eu estávamos passeando numa daquelas florestas típicas de toda a Europa ocidental, que podem tornar-se tão traiçoeiras, quanto um verdadeiro deserto, de tão uniforme que é a paisagem, a ponto de qualquer um ser capaz de perder-se nelas. Fortes, altos e todos iguais, lá estavam os troncos de madeira dos pinheiros, rodeando-nos de todos os lados, apontando-nos as suas afiadas agulhas, numa silenciosa insurreição. Sempre que falamos em “biodiversidade”, estamos nos referindo, sem dúvida, a uma verdade, no entanto, penso que muitas vezes a natureza manifesta a sua diversidade precisamente na sua mesmice. Pode-se observar uma cadência extremamente diversificada nesta unidade; é como se o mundo todo decidisse seguir o mesmo itinerário, sempre de novo, até que este preciso itinerário comece a nos parecer até estranho.

Você já experimentou ficar repetindo umas trinta vezes uma mesma palavra tão comum quanto “cachorro”, por exemplo? Na trigésima vez a palavra já se terá transformado em “vira-lata” ou “pulguento”. A simples repetição certamente não tornará o cachorro mais simpático, antes, bem pelo contrário, ele se tornará bem mais selvagem. No final o cãozinho acaba virando algo tão obscuro e tenebroso quanto um Godzila ou alguma serpente marinha. É possível que seja esta precisamente a razão de ser de tantas repetições na natureza; que este seja precisamente o motivo que justifica a existência de tantas milhões de folhas e pedras bem parecidas nesse mundo. Quem sabe elas não sejam tão repetitivas, precisamente, para se evitar que sejam consideradas triviais. Talvez elas se repitam só na esperança de que possam, no final, tornar-se cada vez menos triviais. É provável que nenhum ser humano ficasse surpreso com o primeiro gato que visse pela frente, mas certamente ele daria um pulo de surpresa ao por os olhos no septuagésimo nono. Às vezes é preciso que ele tenha que passar diante de milhares de pinheiros, até se deparar enfim com o pinheiro, aquele que reconheça como sendo pinheiro de verdade. Em todos os casos, há algo de excitante ou único, e eu diria até mesmo de premente e radical nas eternas ladainhas da floresta; algo que nos remete à loucura, nessa harmonia tão monótona dos pinheiros.

Quando fiz um comentário deste tipo com o meu amigo, ele respondeu em tom sarcástico, “Caro amigo, espere só até dar de frente com um daqueles postes telegráficos…” E, não é que o meu amigo estava certo? Coisa que ocorre raríssimas vezes nas nossas conversas, principalmente quando estamos tratando de fatos.

Tínhamos acabado de atravessar a floresta, por uma de suas principais trilhas, que, por acaso, seguia a linha telegráfica daquela cidadezinha. E, ainda que os postes só surgissem uma vez ou outra, eles faziam uma imensa diferença. Toda vez que atingíamos uma daquelas clareiras, onde havia um poste, nós nos dávamos conta nítida de que, afinal, os pinheiros não estavam tão rectos assim. Era como se algum dia vislumbrássemos entre um monte de riscos rabiscados por colegiais, uma linha traçada com uma régua.

Aquelas linhas todas de marinheiro de primeira viagem nos pareceriam uma tortura, que pendiam ora para a esquerda, ora para a direita. Poucos instantes antes poderíamos jurar que elas estavam rectas, e agora nos damos conta de que elas estavam tortas, balançando de lá para cá, feito gangorras. Comparados aos postes telegráficos, os pinheiros passavam a nos parecer tortos, ao mesmo tempo em que também pareciam mais vivos. Uma única linha vertical basta para imediatamente deformar tudo, deformar e libertar. Embora tudo parecia estar saindo fora do prumo, isso era libertador, como quando, no meio da floresta, avistamos um burlesco carvalho ou um pequeno resto de mata virgem.

Tínhamos já caminhado muito mais longe do que pretendíamos, guiados pela nossa linha imaginária; quando vimos anunciar-se o cair do dia, que ia se transformando em um belo crepúsculo. Até que nos demos conta de ter deixado a floresta para trás, e já nos encontrávamos no alto das montanhas que se elevavam em torno da cidadezinha ou vilarejo desconhecido, cujas luzes já começavam a piscar na crescente penumbra do vale.

Aquela peculiar transformação, que era típica do anoitecer, já estava se processando. Enquanto o sol persistia brilhando, o mundo todo ia escurecendo, dando seu adeus, a começar dos seus pontos mais extremos, as montanhas e a copa dos pinheiros. Com isto era nos revelado o mistério secreto dos pinheiros; e, lançando um fugaz e triste olhar sobre eles, meu amigo deu as costas para a floresta, colocando-se sob o imenso céu estrelado. E então olhou para os postes telegráficos diante dele, debaixo do último raio de luz do sol. Agora eles já não tinham mais aquele aspecto erecto, alongado e amenizado pelos traços delicados da madeira do pinheiro; eles se erguiam diante dele com toda a sua trivialidade, arbitrariedade rústica, típica de toda figura geométrica natural. O meu amigo ficou ali parado e, apontando para o poste, deu vazão a toda a sua filosofia anárquica: “Você é o diabo” disse ele com toda simplicidade, “mas vá em frente. O espaço das majestosas árvores, que para trás ficou é o mundo como era antes de vocês, seres humanos civilizados, cristãos, democratas ou quaisquer outros terem chegado e o feito ficar tão maçante, com suas sombrias réguas de moral e da igualdade. Nesta luta silenciosa, cada uma dessas árvores mudas encara outra árvore, cada folha, outra folha.. E toda essa silenciosa batalha acaba nesta belíssima desigualdade. Levante os seus olhos e olhe agora para toda essa medíocre homogeneidade. Observe bem, com que regularidade precisa foram dispostos os nódulos brancos nessa madeira e ouse continuar sustentando esta sua ideologia dogmática.”

“Será este poste telegráfico símbolo assim tão fiel e contundente da democracia?” –perguntei-lhe.

“Vamos supor que, para construir esta rede de telégrafos, geradores de dividendos tivessem sido necessários aproximadamente três mil homens, e talvez outros tantos mil tivessem sido necessários para preservar a floresta, que fornece a madeira. Mas, se este poste telegráfico é rústico (e admito que é), isso não se deve a uma ideologia qualquer, mas antes à anarquia reinante no mercado. Se alguém estivesse defendendo alguma ideologia acerca de postes telegráficos, porque não os confeccionou logo em marfim, recobrindo-os de ouro? Os produtos da modernidade são considerados de mau gosto, não devido ao excesso de ‘dedos” dos homens modernos, mas precisamente devido à falta deles.

“Não vem, não, “respondeu o meu amigo com os olhos fixos no limiar de um pôr do sol magnífico e verdadeiramente exuberante, “há algo de mórbido na própria noção de ideologia. Uma linha reta jamais será bela. A própria beleza será sempre um tanto torta. Estes postes rígidos, dispostos em intervalos assim tão regulares, são feios porque estão transmitindo uma mensagem verdadeiramente democrática ao mundo.”

“Que neste exacto momento,” retruquei, ” deve estar clamando ‘comprem postes búlgaros’ por todos os lados. E provavelmente este será o meio de comunicação mais usado por dois dos mais ricos e fracos dos seus filhos, com quem Deus sempre teve que ter tanta paciência. Estes postes telegráficos não são nada belos, de fato, na verdade eles são detestáveis, desumanos e indecentes. Acontece que o seu maior defeito de fundação encontra-se na sua particularidade e não, na sua universalidade. O fato é que este poste preto com nódulos brancos não é produto da criação de uma alma universal. Trata-se de uma invenção que adveio da alma de dois milionários malucos.”

“Mas se é assim, quero que você me faça o favor de explicar ao menos uma coisa “, replicou o meu amigo em tom grave, “diga-me como é que esta ideologia democrática tão rígida pode ter sido transmitida por estes postes telegráficos de formas tão grotescas? Ora, mas Santo Deus, já está na hora de ir para casa. Eu não fazia ideia de que já está assim tão tarde. Deixe-me ver, acho que acabamos saindo fora da floresta. Venha, sigamos a linha dos postes telegráficos, e isso, por um motivo bem mais razoável: chegar em casa, antes que fique escuro.”

Não tinha como chegarmos em casa, antes de escurecer. Por alguma razão nós havíamos subestimado a rapidez do cair da tarde e a súbita invasão da escuridão da noite, supondo que nos encontrávamos às margens da densa floresta. Foi só depois que o meu amigo, tropeçou em um dos fios logo nos primeiros cinco minutos de caminhada, e o mesmo me aconteceu dez minutos depois, sendo que eu já tinha arranhando os meus tornozelos no atoleiro, é que começamos a ter uma vaga noção do nosso rumo. Finalmente, o meu amigo disse em voz baixa e rouca: “receio que nós tenhamos entrado na trilha errada. Está escuro feito breu aqui.”

“Acho que não, algo me diz que ainda estamos no caminho certo,” arrisquei.

“Bem, ” disse ele, e depois de uma longa pausa, continuou” não consigo enxergar nem os postes telegráfico. E olha que fiquei todo o tempo de olhos bem abertos.”

“O mesmo digo eu,” disse. “eles estão alinhados demais.”

Ficamos por aproximadamente duas horas andando em círculos, procurando o caminho certo ao longo das margens escuras da densa floresta, cujas árvores pareciam dançar de forma debochada ao nosso redor. Todavia já era possível vislumbrar no horizonte ao longe os contornos de algo bastante recto e rígido demais para ser um pinheiro. E então finalmente percebemos que estávamos chegando em casa, no frescor do verde crepúsculo, o eterno arauto de mais um novo alvorecer.

G.K. Chesterton

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

SIMPLE MINDS - «Waterfront»

Poet'anarquista

ORLA    

Entre, saia da chuva
Eu vou seguir em frente até a orla
Pise dentro, pise fora da chuva
Eu estou indo andar até a orla
Disse, um milhão de anos a partir de hoje
Eu vou seguir em frente até a orla
Entre, saia da chuva
Venha, saia da chuva

Tão longe, tão bom, tão perto, mas ainda tão longe
Tão longe, tão bom, tão perto, mas ainda assim
Tão longe, tão longe, tão longe

A chuva, eu vou seguir em frente até a orla
Entrar, sair da chuva
Eu estou indo a pé, até a orla
Disse, um milhão de anos a partir de hoje
Pise até a orla
Disse, entrar, sair da chuva
Disse, entrar, sair da chuva
Disse, entrar, sair da chuva
Eu vou seguir em frente até a frente
Eu vou andar em cima para a frente
Eu estou indo para viver pela frente
Eu vou andar em cima para a frente
Entra, sai da chuva
Entra, sai da chuva
Disse, entrar, sair da chuva
Entra, sai da chuva

Mova-se para cima, depressa
Andar pra cima, viver pra cima
Longe, muito longe, muito longe
Assim, a pé, tão longe, eu vou embora
Então, então, a pé, até a orla
Até a orla
Tão longe, Tão longe

Simple Minds
Banda Britânica

OUTROS CONTOS

«Uma Estória Muito Curta», por Ernest Hemingway.

«Uma Estória Muito Curta»
Conto de Hemingway

1192- «UMA ESTÓRIA MUITO CURTA»

Certa noite quente, em Pádua, carregaram-no para cima do telhado para que ele pudesse olhar a cidade de cima. Depois de algum tempo começou  a escurecer, e os holofotes apareceram . Os outros desceram e levaram as garrafas. Ele e Luz podiam ouvi-los no balcão, em baixo. Luz estava sentada na cama. Estava calma e fresca na noite quente. 

        Luz ficara no turno da noite três meses a fio. Deixaram-na, satisfeitos. Quando a operaram, Luz o preparou para a mesa de operação, e fizeram piadas a respeito de amigos ou enemas.  Ele se deixaria anestesiar, mas procurava controlar-se para não dizer bobagens  durante o período de tolice e falação. Depois que começara a usar muletas, costumava tirar as temperaturas para que Luz não precisasse sair da cama. Eram só uns poucos pacientes, e todos sabiam do caso. Todos gostavam de Luz. Enquanto ele caminhava pelos corredores, pensava em Luz em sua cama.

        Antes de voltar para a frente, foram ao Duomo e rezaram. Estava escuro e calmo, e havia outras pessoas a rezar. Queriam casar-se, mas não havia tempo para os proclamas, e nenhum dos dois tinha certidão de nascimento. Sentiam-se como se fossem casados e queriam que todos o soubessem, a fim de estarem comprometidos.

        Luz escreveu-lhe muitas cartas que ele só veio a receber após o armistício. Quinze cartas chegaram à frente num maço que ele arrumou por ordem cronológica e leu ponta a ponta. Eram todas sobre o hospital, e como o amava e como era impossível viver sem ele e como sentia terrivelmente a falta dele todas as noites.

        Depois do armistício, combinaram que ele deveria voltar para casa e arrumar um emprego, a fim de que pudessem casar. Luz não iria ter com ele até que tivesse um bom emprego e pudesse ir a Nova Iorque esperá-la. Ficou acertado que não beberia, e ele não queria rever os amigos, nem ninguém mais nos Estados Unidos. Apenas arranjar um emprego e casar. No trem de Pádua para Milão, brigaram por não estar ela disposta a voltar imediatamente. Quando tiveram de dizer adeus na estação de Milão, beijaram-se, mas isso não terminou a briga. Ele ficou doente por dizer adeus daquele jeito.

        Voltou para a América de navio, partindo de Génova. Luz retornou a Pordonone para abrir um hospital. Chovia muito, e era muito solitário lá, e havia um batalhão de arditi aquartelado na cidade. Vivendo naquela cidade lamacenta e chuvosa no inverno, o major do batalhão fazia amor  com Luz, e ela, que jamais havia conhecido italianos antes, finalmente escreveu para a América dizendo que o que houvera entre eles fora um caso de garotos. Sentia muito, e sabia que ele provavelmente não compreenderia, mas um dia talvez a perdoasse, e lhe fosse grato, e ela esperava, de modo absolutamente inesperado, casar-se na primavera. Amava-o como sempre, mas compreendia agora que fora apenas um amor de criança. Esperava que tivesse uma bela carreira, e tinha absoluta confiança nele. Sabia que era melhor assim.

        O major não se casou com ela na primavera, nem nunca mais. Luz jamais recebeu uma resposta à sua carta para Chicago sobre o caso. Pouco tempo depois, Nick apanhou gonorreia de caixeirinha de uma loja de departamentos enquanto viajavam, num táxi, através de Lincoln Park.

Ernest Hemingway

terça-feira, 27 de novembro de 2018

SÁTIRA...

Uma Questão de Cortesia
Sátira...

«UMA QUESTÃO DE CORTESIA»

O Benfa pediu ao adeptos
Para não fecharem a luz…
Se às claras carregam a cruz,
Às escuras ficam desertos.
Afirmam estar certos
Que o Bayern faz o serviço,
Eu cá não duvido disso
Tudo parece destinado…
Pobre do Benfa coitado
Sem quebrar o enguiço!

ATEOP

OUTROS CONTOS

«Queixa das Almas Jovens Censuradas», por Natália Correia.

Queixa das Almas Jovens Censuradas
Poema de Natália Correia

1191- «QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS»

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

Natália Correia

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

JIMI HENDRIX - «Third Stone From The Sun»

Poet'anarquista

A TERCEIRA ROCHA DO SOL

Frota estelar para nave de reconhecimento.
Câmbio.
Estou na órbita em volta da terceira rocha da estrela chamada sol.
Câmbio.
Você quer dizer, é a terra?
Câmbio.
Positivo.
Ela é conhecida por ter algumas formas de espécimes inteligentes.
Câmbio.
Acho que deveríamos conferir.

Beleza estranha, campos verdes,
Com seus majestosos mares prateados
E suas misteriosas montanhas, queria ver mais de perto
Posso pousar minha nave?

Muito embora o mundo de vocês me encante,
Não posso compreender sua gente
Com sua gargalhada majestosa e superior
Então, em vocês vou dar um final
E nunca mais se ouvirá
Surfar a música novamente

 Segredo,
Oh, segredo
Oh
Shhh...

Jimi Hendrix
Guitarrista, Cantor e Compositor
Norte- Americano

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

SÁTIRA...

Meteorologia
Sátira...

METEOROLOGIA

Amanhã que tempo fará,
Amiga Águia Vitória?
Não vais fazer história,
Frio e neve por lá…
Céu nublado, claro está
E queda de muita neve,
O treinador não se atreve
A jogar com tanto frio…
Acabou-se o pio,
Quem não teme, não deve!

ATEOP

sábado, 24 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(Música dedicada a uma Princesa)

FREDDIE MERCURY - «Love Of My Life»

Poet'anarquista

AMOR DA MINHA VIDA

Amor da minha vida, você me machucou
Você partiu meu coração
E agora você me deixou

Amor da minha vida, você não vê?
Traga de volta, traga de volta
Não tire isso de mim
Porque você não sabe
O que isso significa para mim

Amor da minha vida, não me deixe
Você tem roubado meu amor
E agora me abandona

Amor da minha vida, você não vê?
Traga de volta, traga de volta
Não tire isso de mim
Porque você não sabe
O que isso significa para mim

Você se lembrará
Quando isso acabar
E tudo ficar pelo caminho
Quando eu envelhecer
Eu estarei ao seu lado
Para lembrá-la como eu ainda te amo
Eu ainda te amo

Volte rápido, volte rápido
Não tire isso de mim
Porque você não sabe
O que isso significa para mim
Amor da minha vida
Amor da minha vida
Sim

Freddie Mercury/ Queen
Cantor e Compositor da Banda Britânica Queen

OUTROS CONTOS

«Gota de Água», por António Gedeão.

«Gota de Água»
Lágrima Seca
(Beatiz Torrequebrada Domínguez)

1190- «GOTA DE ÁGUA»

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

MADONNA - «Justify My Love»

Poet'anarquista

JUSTIFIQUE MEU AMOR

Eu quero beijar você em Paris
Eu quero segurar sua mão em Roma
Eu quero correr nua numa tempestade
Fazer amor num trem através dos campos
Você pôs isso em mim
E agora? E agora?

Querendo, precisando, esperando
Por você para justificar meu amor
Esperando, rezando
Por você para justificar meu amor

Eu quero conhecer você
Não assim
Não quero ser sua mãe
Tampouco quero ser sua irmã
Eu só quero ser sua amante
Eu quero ser seu bebé
Me beije, isso mesmo, me beije

Querendo, precisando, esperando
Por você para justificar meu amor
Anelando, queimando
Por você para justificar meu amor

O que você vai fazer?
O que você vai fazer?
Fale comigo - conte seus sonhos
Eu estou neles?
Me conte seus medos
Você está assustado?
Me conte suas histórias
Não tenho medo de quem você é
Nós podemos voar!

Pobre é o homem
Cujo prazer depende
da permissão de outros

Me ame, isso mesmo, me ame
Quero ser seu bebé

Querendo, precisando, esperando
Por você para justificar meu amor
Estou aberta e pronta
Para você justificar meu amor

Madonna
Cantora e Compositora Norte-Americana

OUTROS CONTOS

«O Poema», por Herberto Helder.

«O Poema»
Outros Contos

1189- «O POEMA»

VII

A manhã começa a bater no meu poema.
As manhãs, os martelos velozes, as grandes flores
líricas.
Muita coisa começa a bater contra os muros do meu poema.
Escuto um pouco a medo o ruído das gárgulas,
o rodopio das rosáceas do meu
poema batido pela revelação das coisas.
Os finos ramos da cabeça cantam mexidos
pelo sangue.
Talvez eu enlouqueça à beira desta treva
rapidamente transfigurada.
Batem nas portas palavras,
sobem as escadas desta intimidade.
É como uma casa, é como os pés e as mãos
das pessoas invasoras e quentes.

Estou deitado no meu poema. Estou universalmente só,
deitado de costas, com o nariz que aspira,
a boca que emudece,
o sexo negro no seu quieto pensamento.
Batem, sobem, abrem, fecham,
gritam à volta da minha carne que é a complicada carne
do poema.

Uma inspiração fende lírios na minha testa,
fende-os ao meio
como os raios fendem as direitas taças de pedra.
Eu sorrio e levo pela mão essa criança poderosa,
uma visita do sangue cheio de luzes interiores.
Acompanho, como tocando uma espécie de paisagem
levitante,
as palavras pessoas caudas luminosas ascéticas aldeias.

É a madrugada e a noite que rolam sobre os telhados
do poema. É Deus que rola e a morte
e a vida violenta. E o meu coração é um castiçal
à beira
do povo que até mim separa os espinhos das formas
e traz sua pureza aguda e legítima.
– Trazem liras nas mãos, trazem nas mãos brutais
pequenos cravos de ouro ou peixes delicados
de música fria.

– Eu enlouqueço com a doçura dos meses vagarosos.

O poema dói-me, faz-me.
O povo traz coisas para sua casa
do meu poema.
Eu acordo e grito, bato com os martelos
dos dias da minha morte
a matéria secreta de que é feito o poema.

– A manhã começa a colocar o poema na parte
mais límpida da vida. E o povo canta-o
enquanto crescem os campos levantados
ao cume das seivas.
A manhã começa a dispersar o poema na luz incontida
do mundo.

Herberto Helder

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

TRISTE SÁTIRA...

O País que Temos
Triste Sátira...

«O PAÍS QUE TEMOS»

Este é o país que temos,
Uma completa ratoeira…
Agora foi numa pedreira,
Amanhã não sabemos!
Depressa esquecemos
O que antes aconteceu,
Gente que desapareceu
E reclama justiça…
Reza-se uma missa
P’la alma de quem morreu.

POETA

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

BJORK - «Sacrifice»

Poet'anarquista

SACRIFÍCIO

Por que você não dá espaço a ela?
Respeite as necessidades dela
Eu sinto que você a comprime
Num pequeno espaço

Com clarividência
Ela sabia o que você precisava
E ela te deu
Agora as vontades dela são reprimidas
Flechas na carne

Quando ela encontrou o amor em ti
Sua natureza baixou a cabeça
Ela se rendeu
Renunciou o mundo por você
Agora ela está envenenada pelas exigências
Que você não pode dar

Por que este sacrifício?
Agora ela se arrepende de tudo
Uma reação tardia
Quando ela deixou seu ofício voluntariamente
Para o seu ninho, para o seu amor
Você entendeu?

Aprecie

Construa uma ponte até ela
Dê um toque
Antes que seja tarde
Diga a ela as palavras
Que a farão brilhar

Diga que a ama

Sua generosidade transparecerá
No volume do brilho dela

Bjork
Cantora Islandesa

OUTROS CONTOS

«Aventura da Memória», por Voltaire.

«Aventura da Memória»
Memória/ Rene Magritte

1188- «AVENTURA DA MEMÓRIA»

O género humano pensante, isto é, a centésima-milésima parte do género humano, quando muito, acreditara por muito tempo, ou pelo menos por muitas vezes o repetira, que nós não tínhamos ideias senão por intermédio dos sentidos, e que a memória era o único instrumento com o qual podíamos reunir duas ideias e duas palavras.

Eis por que Júpiter, símbolo da natureza, se enamorou, à primeira vista, de Mnemósine, deusa da memória; e desse casamento nasceram as nove Musas, que inventaram todas as artes.

Este dogma, no qual se fundam todos os nossos conhecimentos, foi universalmente aceito, e até mesmo a Nonsobre o adotou, embora se tratasse de uma verdade.

Algum tempo depois surgiu um argumentador, metade geómetra, metade lunático, o qual se pôs a argumentar contra os cinco sentidos e contra a memória. E disse ao reduzido grupo do género humano pensante:

— Até agora estivestes enganados, porque os vossos sentidos são inúteis, porque as ideias são inatas em vós, antes de que qualquer dos vossos sentidos possa ter operado; porque já tínheis todas as noções necessárias quando viestes ao mundo; porque já sabíeis tudo sem nunca haver sentido nada; todas as vossas ideias, nascidas convosco, se achavam presentes em vossa inteligência, chamada alma, e sem auxílio da memória. Esta memória não serve para coisa alguma.

A Nonsobre condenou tal proposição, não porque fosse ridícula mas porque era nova. No entanto, quando em seguida um inglês começou a provar, e a provar longamente, que não havia ideias inatas, que nada era tão necessário como os cinco sentidos, que a memória muito servia para reter as coisas recebidas pelos cinco sentidos, a Nonsobre condenou suas próprias ideias, visto que eram agora as mesmas de um inglês. Ordenou por conseguinte ao gênero humano que acreditasse dali por diante nas ideias inatas, e perdesse toda e qualquer crença nos cinco sentidos e na memória. O género humano, em vez de obedecer, pôs-se a rir da Nonsobre, a qual entrou em tamanha fúria, que quis mandar queimar a um filósofo. Pois dissera esse filósofo que era impossível formar ideia completa de um queijo sem o ter visto e comido; e chegou o celerado a afirmar que os homens e mulheres jamais poderiam fazer trabalhos de tapeçaria se não tivessem agulhas e dedos para as enfiar.

Os liolistas juntaram-se à Nonsobre pela primeira vez na vida; e os sejanistas, inimigos mortais dos liolistas, reuniram-se por um momento a estes. Chamaram em seu auxílio os antigos dicastéricos; e todos eles, antes de morrer, baniram unanimemente a memória e os cinco sentidos, e mais o autor que dissera bem dessa meia dúzia de coisas.

Um cavalo que estava presente ao julgamento estatuído por aqueles senhores, embora não pertencesse à mesma espécie e houvesse muita coisa que os diferenciava, tal como a estatura, a voz, as crinas e as orelhas, esse cavalo, dizia eu, que tanto possuía senso como sentidos, contou a história a Pégaso, na minha estrebaria, e Pégaso, com a sua ordinária vivacidade, foi repeti-la às Musas.

As Musas que, durante uns cem anos, vinham singularmente favorecendo o país, por tanto tempo bárbaro, onde se passava esta cena, ficaram muito escandalizadas; amavam ternamente a Memória, ou Mnemósine, sua mãe, à qual essas nove filhas são credoras de tudo quanto sabem. Irritou-as a ingratidão dos homens. Não satirizaram os antigos dicastéricos, os liolistas, os sejanistas e a Nonsobre, porque as sátiras não corrigem ninguém, irritam os tolos e os tornam ainda piores. Elas imaginaram um meio de esclarecê-los, punindo-os. Os homens haviam blasfemado contra a memória; as Musas lhes tiraram esse dom dos deuses, a fim de que aprendessem de uma vez por todas, a que se fica reduzido sem o seu auxílio.

Aconteceu, pois, que durante uma bela noite todos os cérebros se obscureceram, de modo que no dia seguinte, de manhã, todos se acordaram sem a mínima lembrança do passado. Alguns dicastérios, deitados com as suas mulheres, quiseram aproximar-se delas por um resto de instinto Independente da memória. As mulheres, que só muito raramente possuem o instinto de entrar em contacto com os maridos, repeliram asperamente as suas desagradáveis carícias, e a maioria dos casais acabou aos tapas.
Alguns senhores, encontrando um chapéu, serviram-se dele para certas necessidades que nem a memória nem, o bom senso justificam. E senhoras empregaram para o mesmo uso as bacias de rosto. Os criados, esquecidos do contrato que haviam feito com os patrões, entraram no quarto dos mesmos, sem saber onde se achavam; mas, como o homem nasceu curioso, abriram todas as gavetas; e, como o homem ama naturalmente o brilho da prata e do ouro, sem ter para isso necessidade de memória, apanharam tudo o que estava a seu alcance. Os patrões quiseram bradar contra ladrão; mas, tendo-lhes saído do cérebro a ideia de ladrão, não pôde a palavra lhes chegar à língua. Cada qual, tendo esquecido o seu idioma, articulava sons informes. Era muito pior que em Babel, onde cada um inventava imediatamente uma língua nova. A inata inclinação dos criados moços pelas mulheres bonitas se manifestou com tal premência que os atrevidos se lançaram irreflectidamente sobre as primeiras mulheres ou raparigas que encontraram, fossem elas taberneiras ou presidentas; e estas, esquecidas das leis do pudor, deixaram-se manobrar com toda liberdade.

Foi preciso almoçar; ninguém sabia o que fazer para isso. Ninguém fora ao mercado, nem para vender nem para comprar. Os criados tinham vestido a roupa dos patrões, e os patrões a dos criados. Todo mundo se olhava aparvalhado. Os que tinham mais jeito para obter o necessário (e era a gente do povo) conseguiram um pouco com que viver; aos outros, faltou-lhes tudo. O ministro e o arcebispo andavam inteiramente nus, e seus palefreneiros passeavam, uns de hábito vermelho, outros com dalmáticas: tudo estava confundido, iam todos morrer de miséria e de fome, por falta de mútuo entendimento.
Ao cabo de alguns dias, as Musas tiveram piedade dessa pobre raça: elas são boas afinal, embora algumas vezes façam sentir aos maus a sua cólera; suplicaram, pois, à mãe, que devolvesse àqueles blasfemos a memória que lhes havia tirado. Mnemósine desceu à região dos contrários, onde tão temerariamente a tinham insultado, e falou-lhes nos seguintes termos:

— Perdoo-vos, imbecis; mas lembrai-vos de que sem sentido não há memória e sem memória não há senso.

Os dicastéricos agradeceram-lhe secamente, e decidiram fazer-lhe uma admoestação. Os sejanistas publicaram toda essa aventura na sua gazeta; viu-se que ainda não estavam curados. Os liolistas transformaram o caso numa intriga de corte. Mestre Coger, pasmado da aventura e sem compreender patavina daquilo tudo, disse a seus alunos do quinto ano este belo axioma: Non magis musis quam hominibus infensa est ista quae vocatur memoria. (O que se chama memória não é mais infenso às musas que aos homens)

Voltaire

sábado, 17 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

LADY GAGA - «I'll Never Love You Again»

Poet'anarquista

EU NUNCA VOU AMAR DE NOVO

Queria poder
Poder ter dito adeus
Eu teria dito o que eu queria
Talvez até choraria por você
Se eu soubesse
Que seria a última vez
Eu teria partido meu coração em dois
Tentando salvar uma parte de você

Não quero sentir outro toque
Não quero acender outra chama
Não quero conhecer outro beijo
Nenhum outro nome saindo de meus lábios
Não quero entregar meu coração
Para outro estranho
Ou deixar outro dia começar
Nem mesmo vou deixar a luz do sol entrar
Não, eu nunca vou amar de novo
Eu nunca vou amar de novo, oh, oh, oh, oh

Quando nos conhecemos
Eu nunca pensei que me apaixonaria
Eu nunca pensei que me encontraria
Deitada em seus braços, mmm mmm
E eu quero fingir que não é verdade
Oh amor, que você foi embora
Porque meu mundo continua girando e girando e girando
E eu não estou seguindo em frente

Não quero sentir outro toque
Não quero acender outra chama
Não quero conhecer outro beijo
Nenhum outro nome saindo de meus lábios
Não quero entregar meu coração
Para outro estranho
Ou deixar outro dia começar
Nem mesmo vou deixar a luz do sol entrar
Não, eu nunca vou amar

Eu não quero conhecer esse sentimento, a não ser que sejamos eu e você
Eu não quero desperdiçar um momento, ooh
E eu não quero entregar para outra pessoa minha melhor parte
Eu prefiro esperar por você, ooh

Não quero sentir outro toque
Não quero acender outra chama
Não quero conhecer outro beijo
Amor, eu continuarei em seus lábios
Não quero entregar meu coração
Para outro estranho
Ou deixar outro dia começar
Nem mesmo vou deixar a luz do sol entrar
Oh, eu nunca vou amar de novo
Amar de novo
Oh, eu nunca vou amar de novo
Eu nunca vou amar
De novo

Lady Gaga
Cantora Estadunidense

OUTROS CONTOS

«Viagem de Bonde», por Rachel de Queiroz.

«Viagem de Bonde»
O Bonde 

1187- «VIAGEM DE BONDE»

Era o bonde Engenho de Dentro, ali na Praça Quinze. Vinha cheio, mas como diz, empurrando sempre encaixa. O que provou ser optimismo, porque talvez encaixasse metade ou um quarto de pessoa magra, e a alentada senhora que se guindou ao alto estribo e enfrentou a plataforma traseira junto com um bombeiro e outros amáveis soldados, dela talvez coubesse um oitavo. Assim mesmo, e isso prova bem a favor da elasticidade dos corpos gordos, ela conseguiu se insinuar, ou antes, encaixar. E tratava de acomodar-se gingando os ombros e os quadris à direita e à esquerda, quando o bonde parou em outro poste, o soldado repetiu o tal slogan do encaixe, e foi subindo – logo quem! – uma baiana dos seus noventa quilos, e mais uma bolsa que continha o fogareiro, a lata dos doces, o banquinho e o tabuleiro. E aquela baiana pesava os seus noventa quilos mas era nua, com licença da palavra, pois com tanta saia engomada e mais os balangandãs, chegava mesmo era aos cem. E esqueci de dizer que junto com ela ainda vinha uma cunhãzinha esperta que era um saci, que se insinuou pelas pernas do pessoal e acabou cavando um lugarzinho sentada, na beirinha do banco, ao lado de uma moça carregada de embrulhos e que assim mesmo teve o coração de arrumar a garota. Também o diabo da pequena conquistava qualquer um, com aquele olho preto enviesado, o riso largo de dente na muda.

Esqueci de falar que tudo isso se passava no carro-motor. No reboque, atrás, a confusão parecia maior. Muita gente pendurada entre um carro e outro, e havia um crioulo de bigode à Stalin, muito distinto, tinha cara de dirigente no Ministério do Trabalho, que muito sub-repticiamente viajava sobre o pino de ligação entre os dois carros ou, para dizer melhor, com um pé na sapata do carro-motor e o outro na sapata do reboque. E quando o condutor aparecia para cobrar a passagem, se era o condutor da frente ele punha os dois pés no reboque, e se era o condutor do reboque que vinha com o “faz favor” ele então executava o vice-versa. Sei que não pagou passagem a nenhum dos dois e devia fazer aquilo por esporte; não tinha cara de quem precisa se sujar por cinquenta centavos; esporte, aliás, que todo o mundo aprova e aprecia, pois quem é que não gosta de ver se tirar um pouco de sangue à Light? E aí o bonde andou um bom pedaço sem que ninguém mais atacasse a plataforma. A turma que chegava, ocupava-se agora em guarnecer os balaústres, formando com os pingentes uma superestrutura decorativa. Mas, alcançando-se o abrigo defronte à Central, quase chegou a haver pânico. Porque no momento em que a multidão da calçada assaltava o veículo, a baiana quis descer, e não era façanha somenos desalojar aquela massa da pressão onde se encastoara, sem falar na pressão de baixo para cima feita pelos que tentavam subir, contra quem pretendia descer. Mas afinal já a baiana aterrissara na calçada e o vácuo por ela deixado era instantaneamente ocupado com uma violência de sorvedouro, o condutor tocara o seu tintim de partida, quando ressoaram uns gritos agudos cortando o ar abafado. Era o pequeno saci de olhos pretos a clamar que o povo subindo não a deixara descer. E a tensão geral explodiu em cólera e ternura, e todo o mundo tocava a campainha, alguns confundiam, puxavam a corda do marcador de passagens, o condutor vendo isso pôs-se a imprecar em puro linguajar da Mouraria, uma voz berrava: – já se viu que brutalidade, impedir a criança de descer; a baiana, em terra, chamava a filha com voz macia, o motorneiro, para ajudar e mostrar que não tinha nada com aquilo, desandou a tocar aquela espécie de sino que fica embaixo do pé dele. E enquanto os passageiros compassivos desembarcavam a garota, um senhor, que vinha em pé no meio dos bancos, pôs-se a declamar que era assim mesmo, que motorneiro, condutor e fiscal, em vez de se aliarem com o povo, não passavam de uns lacaios da Light, mas quando chegasse na hora de pedir aumento de ordenado haviam de querer que a população ajudasse com aumento nas passagens. O povo é que é sempre o sacrificado. E o condutor aí se enraiveceu também, e começou a convidar o homem para a beira da calçada, e o senhor disse que não ia porque não se metia com estrangeiros, e um engraçadinho deu sinal de partida e o motorneiro (que já estava por demais chateado) partiu mesmo, deixando o condutor em terra, vociferando; só foi dar pela falta quando chegou com o carro bem defronte do sinal; parou então, e enquanto o condutor corria o guarda começou a apitar, que o bonde tinha parado no meio da luz verde aberta para os carros em direção contrária; parecia o dia de juízo, o bonde parado, os automóveis buzinando, o guarda apitando e sacudindo os braços, o pessoal do bonde rindo que era ver uns demónios. Afinal o bonde partiu, tudo pareceu acalmar um pouco, mas aquele senhor em pé que xingara os pobres empregados da Light de lacaios do polvo canadense mostrou que era homem afeito a comícios, não se dava de uma interrupção tumultuosa. Estava acostumado a falar até em meio da fuzilaria, assim que ele disse. E que isso tudo acontecia porque o Governo promete mas não cumpre o dispositivo constitucional – sim, meus senhores, constitucional! – da mudança da capital da República. Imagine que delícia o Rio ficar livre de toda a laia dos burocratas, dos automóveis dos políticos e dos políticos propriamente ditos. Imagine, o Getúlio em Goiás e com ele a alcateia dos lobos, os cardumes de tubarões, os rebanhos de carneiros! Isso aqui ficava mesmo um céu aberto. Pelo menos um milhão de pessoas iria embora, e que maravilha o Rio com um milhão de vagas nos transportes, um milhão de vagas nas residências, um milhão de bocas a menos, para comer o nosso mísero abastecimento! As favelas se acabam automaticamente, o arroz baixa a quatro cruzeiros! Saem a Câmara e o Senado, e os Ministérios com todas as suas marias candelárias. Pensando nos ministérios – será apenas um milhão de gente que nos deixa? Calculando por baixo, talvez saia mais de um milhão! O que virá em muito boa hora, pois no Rio sobram uns dois milhões!

E aí o bonde inteiro aplaudiu, cada qual só pensava na vaga a seu lado. E, se aquele bonde fosse maior, talvez nesse dia, no Rio de Janeiro, houvesse uma revolução. Talvez o povo do Rio de Janeiro desse ordem de despejo para o seu Governo, lhe apanhasse os trastes, lhe apontasse a estrada, que é larga e vai longe. Mas, feliz ou infelizmente, o bonde era pequeno e, apesar de conter tanta gente, não dava nem para um bochincho. E o Governo, pensando bem, também é de carne como nós – e só um coração de ferro tem coragem de deixar este Rio, assim mesmo apertado, superlotado, sem comida, sem transporte, sem luz e sem água. Como disse um paraíba que vinha junto com o soldado:

– Qual, se no céu faltasse água ou luz, por isso os anjos haveriam de se largar de lá? Céu é céu, de qualquer jeito…

Rachel de Queiroz

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(Fã deste tema!)

U2 - «Discotheque»

Poet'anarquista

DISCOTECA 

Você pode alcançar, mas não pode pegar

Você não pode segurar, controlar
Você não pode embrulhar

Você pode empurrar, mas não pode direccionar
Circular, regular, oh não
Você não pode estabelecer conexões

Você sabe que está mascando chiclete
Você sabe o que é isso, mas ainda quer um pouco
Você não se cansa daquela coisa agradável

Você fica confuso, mas você sabe
É, você machuca por isso, trabalha por isso, amor
Você nem sempre o mostra, amor

Vamos, vamos lá discoteca
Vamos, vamos lá, discoteca

Procurando a pessoa especial
Mas você sabe que está em outro lugar
Eu quero ser a canção
A canção que você ouve na sua cabeça
Amor, amor, amor, amor

Não é truque, você não pode aprender
É o modo como você não paga, é ok
Por que você não pode ganhar - amor

Você sabe que está mascando chiclete
Você sabe o que é
Mas ainda quer um pouco
Você não se cansa daquela coisa agradável

Vamos, vamos lá discoteca
Vamos, vamos lá, discoteca

Procurando a pessoa especial
Mas você sabe que está em outro lugar
Eu quero ser a canção
A canção que você ouve na sua cabeça
Amor, amor, amor

Mas você aceita o que pode conseguir
Porque é tudo que você pode encontrar
Ah, você sabe que há algo a mais
Mas esta noite, esta noite, esta noite
Bum cha, Bum cha, Bum cha Discoteca

U2
Banda Irlandesa