domingo, 25 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Jardim do Segredo», por Manuel Matias.

«Jardim do Segredo»
Soneto de Manuel Matias

1130- «JARDIM DO SEGREDO»

Acordei com gélida sensação de frio
Tinha eu morrido quando era sol posto…
De pronto erguido, sentimento vazio,
Pensei: será que no sono havia morto?

Um estranho silêncio na minha mente
Percorreu pela manhã o pensamento,
E sentindo-me num sonho inquietante
Acabei desperto nesse preciso momento.

A alma, por vontade própria, de mim fugia,
E sem entender porque me abandonaria…
Em grande aflição sentia o próprio medo.

Foi quando o sol nasceu, era um outro dia,
No velho jardim da casa a alma então sorria
Desvendando por fim esse antigo segredo!

Manuel Matias

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

BARCLAY JAMES HARVEST - «Suicide»
Poet'anarquista

SUICÍDIO

Eu acordei com um sentimento, ele estava frio ao meu lado
Você tinha ido com o nascer do sol, deixando as lágrimas nos meus olhos
Levantei-me com um sentimento de um vazio interior
Para o ruído da calçada e no silêncio da minha mente

Bem, eu saí esta manhã, numa rua sem nome
Para um clube chamado o perdedor, como um cão que se foi coxo
Pegou o elevador do clube para o chão com um ponto de vista
Peguei a assinatura vida - é o único que eles fazem

Saí no guarda-trilho, vendo as multidões partir lentamente
Ouvi uma voz gritando não saltar, por favor, pelo amor de Deus deixe-me mudar meu carro!
Senti uma mão no meu ombro, ouviu uma voz de choro na hora!
Sentiu o impulso rápido, senti a pressa do ar
Sentiram a calçada, caiu em linha

Barclay James Harvest
Banda Britânica

domingo, 18 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Em Dia de Aniversário»/  poeta Do Ó versus Ateop.

«Em Dia de Aniversário»
Parceria

1129- EM DIA DE ANIVERSÁRIO…

Valham-nos versus quinze,
pois a notícia do diário
foi por si breve sudário.
Tão falsa como quem finge
ser o que é ao contrário.

Parabéns Senhor Camões
pelo seu dia catorze.
Em falta de dois tostões
lhe mando o melhor qu'houve
de achado em alçapões.

É mesmo do nosso Fernão.
Direi eu e dirás tu:
não há melhor condição
pra guardar papéis em baú
que no alçapão de Belzebu.

poeta Do Ó

Eu lhe agradeço Senhor
O que me foi endereçado;
Do que li, digo aprovado
Com distinção e louvor…
Muito bem ‘apanhado!’

Sobre prenda d’aniversário:
Saiba Vossa Excelência
Que só por inocência,
Um achador falsário
Proclama competência!

Levanta-se a questão
Ainda por esclarecer…
- Ser o dito, ou não ser?
Foge o morto do caixão,
Nunca se chega a saber!

Ateop

sábado, 17 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Quantos São?», por Manuel Matias.

«Quantos São?»
Amigo António 

1128- QUANTOS SÃO?

Quantos anos terá feito
Dadinha, o amigo Tói?
Esse facto já não o mói,
Não lhe encontra defeito.
Uma pergunta sem jeito
Resposta, não tem não,
Proíbe pôr essa questão
Numa quinta-feira…
Nem por brincadeira
Pergunto quantos são!

Manuel Matias

OUTROS CONTOS

«Avó Materna», por Manuel Matias.

«Avó Materna»
Antónia Cardoso Biga

1127- AVÓ MATERNA

Professora d’eleição
Antónia Cardoso Biga,
Dos alunos muito amiga
Não fazia distinção.
Um aluno sem condição
Resolveu ir resgatar,
Acabou por encontrar
O menino no trabalho…
Na Mina do Bugalho
Onde esteve a lecionar.

Manuel Matias

sexta-feira, 16 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Diz-me que não fale da morte...», conto poético por Manuel Matias.

«Diz-me que não fale da morte...»
Avô Materno, Manuel de Sousa Biga

1126- «Diz-me que não fale da morte…»

Fina-se Manel d’ Sousa,
Nasce Manuel Matias…
Faz já uns quantos dias
Que o primeiro repousa.
O segundo agora pousa
Sem causar estranheza,
No coração da Princesa
Onde o poiso se escondia…
O Príncipe não sabia
De tamanha gentileza.

Manuel Matias

segunda-feira, 12 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Ponto Final (.)», conto poético por Manuel Matias.

«Ponto Final (.)»
Poeta Popular Ti Limpas

Morte de grande poeta popular do nosso concelho...

Últimas palavras, na pele de Ti Limpas:

1125- «PONTO FINAL (.)»

Começa a não ter sentido
Escrever que quer que seja,
Alguém por aqui deseja
Outro caminho a ser seguido.
O tempo que foi perdido
Só eu sei como lamento,
Morre-me no esquecimento
E não o penso ressuscitar…
Deixo então de versar
Neste preciso momento.

Manuel Matias

terça-feira, 6 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«O Alçapão do Túmulo Perdido», conto poético por Óscar.

«O Alçapão do Túmulo Perdido»
Intruso/ Isabele Linhares

1124- «O ALÇAPÃO DO TÚMULO PERDIDO»

Um achador e um lente de história
entretidos em harmoniosa junção,
de cujos nomes não reza memória,
toparam por detrás de um alçapão
o túmulo perdido do Grã Fernão.

Repare o lente, diz o achador:
só pode ser do procurado arquivista…
e anterior à época quinhentista.
De certeza é Fernã Lopez, escritor
das crónicas joaninas o ceramista.

É preciso alguma cautela…, diz o lente…
há que acertar os pormenores da descoberta
e capítulo da história transcendente.
Cobre o achador a sua melhor oferta:
Com uns bananos pago pormenorizadamente…

Óscar

domingo, 4 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Arrelia», conto poético por Manel d' Sousa.

«Arrelia»
Outros Contos...

1123- «ARRELIA»

Primeiro um abcesso
Junto a dente desvitalizado…
Agora dói do outro lado,
Eu sofredor me confesso!
Estou a ficar possesso
Com este moedor,
É persistente a dor
Não me quer abandonar…
Tenho o dente a latejar,
E a cabeça num horror!!

Manel d’ Sousa

sexta-feira, 2 de março de 2018

OUTROS CONTOS

«Écloga», conto poético por Luís de Montalvor.

«Écloga»
Poema de Luís de Montalvor

1122- «ÉCLOGA»  

Meus pensamentos são rebanhos
estremalhados uns, e tristes
outros pastoreiam seus cuidados.
Sonho vê-los, quando sorriste
daquela margem imaginária
tão só dos sonhos imortais,
à hora em que a flauta débil
suspira os seus fingidos ais.

E é de ouro a hora em que te espero
nesta paisagem que mentiste,
perdidos os rebanhos meus
na errada calma em que sorriste.
— E hoje, morto o sonho, deploro
dos meus cuidados o remédio,
e só o teu sorriso imploro,
ó guardadora do meu tédio!

Luís de Montalvor

SÁTIRA...

Oposição à Séria
Sátira...

«OPOSIÇÃO À SÉRIA»

Senhor Primeiro Ministro…
Aceite este cházinho,
Servido quentinho
Que lhe subministro.
Por si eu administro
Esta débil oposição,
É só dizer a porção
D'açúcar pretendido…
Estou deveras rendido
À sua governação!

POETA

quinta-feira, 1 de março de 2018

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

FRÉDÉRIC CHOPIN - «Para Elisa»

Poet'anarquista

Frédéric Chopin
Pianista e Compositor Polonês-Francês

OUTROS CONTOS

«A Carta», por Vergílio Ferreira.

«Carta»
A Carta/ Johannes Vermeer

1121- «CARTA»

Eis que te procuro agora como nunca, te espero agora como nunca. Se tu visses… A casa fica no meio das oliveiras e de um quintal de verdura. O tempo não passa por ela distraído, e demora-se sempre um pouco. Quando é pela primavera, há flores nas macieiras e pintainhos novos pelo pátio. E quando é o Verão, há as manhãs solenes, e quando é o Outono, o ouro das colheitas. Lembro essas manhãs e o brilho fresco da água pelas noites sufocantes de Julho, e o frémito da terra na hora do recomeço. Meu pai, quando parti, disse-me:

— Volta.

Minha mãe olhava-me em silêncio, dorida, e todavia serena como se detivesse o fio do meu destino, ou soubesse, da sua carne, que tudo estava certo com a vida: o nascer, o partir, o morrer.

— Volta — repetiu ainda meu pai.

Eis que volto, enfim, nesta tarde de Inverno, e o ciclo se fechou. Abro as portas da casa deserta, abro as janelas e a varanda. No quintal as ervas crescem com as sombras, as oliveiras têm a cor escura do céu. Em baixo, no chão húmido ao pé da loja, há restos de ferragem enferrujada: um sacho sem cabo, um aro de pipa, um regador. Meu pai amava a terra. Lembro-me de o ajudar a podar o pequeno corrimão de videiras, de lhe ir encher o regador para o cebolo novo. Minha mãe olhava-nos da varanda e os três sabíamos uns dos outros no silêncio dos corações. Pensei, sofri, lutei. Mas de tudo o que aconteceu é como se nada me tivesse acontecido. Alguém me incumbiu do que fiz, muito antes de eu nascer, quando outros homens, outra gente, acabavam a tarefa que eu havia de começar. Essa tarefa deixo-a aos que vierem depois. De tudo, ficou-me apenas esta voz humilde que ouço, que ouço.

— Se voltares — tu o dizias.

Aqui estou. Acendo lenha no fogão e as chamas crescem como uma memória antiga. Silêncio bom. Como outrora. Como quando nada tínhamos já a dizer, e estávamos cheios, todavia, da presença um do outro. Estendo as minhas mãos ao calor, e olho, e escuto. O lume enche-as de sangue, acende-as por dentro como brasas. Tu dizias:

— Ninguém conhece as suas mãos. Só talvez as dos outros. É bom ter as tuas aqui, com os dedos todos submissos.

Estranhas noites estas de Inverno, sem um rumor. Só os cães ladram das quintas. Discutem pela noite fora até adormecerem. Ouço um já rouco, lá nos confins da noite, agora a falar sozinho, decerto para ter a última palavra. Houve um cão outrora cá em casa. Numa manhã de chuva, achámo-lo à porta da cozinha, todo ensopado, a tiritar. Minha mãe não gostava de cães.

— Sujam tudo, roem tudo.

Enxuguei-o, dei-lhe pão, pus-lhe um nome. Minha mãe resignou-se. Os caçadores levavam-no à caça porque tinha bom faro. Um dia, não sei como, mataram-no com um tiro. Era um cão perdigueiro. Tinha um olhar humano.

A chama apaga-se, a pirâmide de carvões desmorona-se. Os cães adormecem enfim, sob o grande céu de estrelas. Não há lua. Nem vento. Só as estrelas vibram no céu negro de veludo. Se tu viesses. Eu te imagino, desde o fundo do meu cansaço, silenciosa e grave como esta hora final, como um apelo obscuro vindo do abismo do tempo. Um halo de sombra coroa o teu olhar, a tua presença é quente como o fluido da ternura. Tudo em vão, tudo em vão. Ou não bem isso, não bem isso. Alguma coisa me ficara esperando talvez, desde antes e antes, qualquer coisa que eu trazia do lado de lá da vida. Eis que a encontro e me fala e floresce no sangue e procuro reconhecê-la na tua face. Aqui ao pé do fogão há uma cadeira de braços. Minha mãe sentava-se nela, meu pai nesta em que escrevo. Pelas noites de vento, olhavam o lume, deixavam-se adormecer… Tu dizias:

— É bom terem já dito tudo e reconhecerem-se ainda.

Abro de novo a varanda para a noite, o ar gela-me a face como um espelho. Ao fundo do quintal havia uma figueira grande. Minha mãe franjeava xailes e cintas para fora. E eu atava as cintas e balouçava-me na figueira.

— Ah, tu acabas por deitar a figueira abaixo. E já rompeste duas cintas.
Numa noite brava de Inverno, a figueira caiu. E minha mãe dizia sempre, daí em diante, que fora de eu me balouçar…

Tanta coisa aconteceu e eu recordo e eu recupero não talvez na lembrança, não talvez, mas num apelo indistinto e longínquo e angustiante como o silêncio desta noite. Olho ainda o frémito das estrelas sobre a aridez fria da terra. E penso: «Qualquer coisa vai acontecer de misterioso e grande, qualquer coisa miraculosa se anuncia como a vinda de um Deus.»

— Sim, a esperança é talvez a melhor parte da vida.

Tu o dizias. Eis que porém a minha esperança tem agora a cor do cansaço e da resignação. E de tudo o que pensei e quis que brotasse da terra, de tudo o que foi novo e me comoveu, da agitação do meu sangue, do clamor com que fiquei rouco, da fúria, do choro, da alegria, de tudo o que me deu a conhecer os meus dentes, os meus ossos, as minhas pobres vísceras — a forma que se desenha e que me envolve agora tem o volume quente do seio da piedade. Se amanhã quando me erguesse e pensasse que havia ainda um dia árido a vencer, e outra noite, e outro dia, e quantos dias e quantas noites o tempo guarda para mim, eu de manhã te encontrasse preparando o fogão e o aroma da casa, e te sentasses nesta cadeira ao lado, e os dois nos esquecêssemos de falar, até um dia, até um dia, e nos deixássemos enfim adormecer…

Vergílio Ferreira