terça-feira, 30 de junho de 2015

CARTOON versus DÉCIMA

A Pergunta do Referendo
HenriCartoon

«A PERGUNTA DO REFERENDO»

-  Povakis, o SIM de jejum!…
A pergunta simplifica:
Quem de dezanove tira um,
Com quantos fica?
- Por favor, descomplica...
NÃO sou burro nenhum!...
Se acaso existe algum
É numa outra república…
Tem lá múmia paralítica
Que cheira mal a bedum!!

POETA

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

R.E.M. - «Hyena»

Poet'anarquista

HIENA

(Berry Buck Mills Stipe)

A noite caiu na abertura
No acto final do início dos tempos
Hiena tem o seu papel, o palco está montado
A cidade é segura novamente esta noite

Hiena (Eu vejo o dia seguinte)
Hiena (e tudo o que eu chorei até ao fim)
Hiena (Deus sabe que você está fazendo isso, não é?)

Hiena, irmã olhe para sua mão
Amigo, você serve o interesse comum
Ela vai dizer-lhe quando e onde e como por que você iria doer
A bela jovem

A única coisa a temer é o destemor
Quanto maior a arma maior o medo
Hiena é embaixador aqui

A noite caiu como o encerramento
Baixo salário, mas de reconhecimento
Hiena rasteja na sua barriga para fora
A cidade é segura novamente esta noite

Hiena (eu vejo as mudanças, o homem)
Hiena (venha cruzar o caminho)
Hiena (eu vejo meu caminho pela frente)
Hiena (não sei se eu deveria ficar)
Hiena (vejo você segurá-lo)
Hiena (e tudo o que eu chorei até ao fim)
Hiena (Deus sabe que você está fazendo isso, não é?)

R.E.M.
Banda Norte-Americana

OUTROS CONTOS

«Desobediência Civil  1848», por Henri David Thoreau.

«Desobediência Civil  1848»
Escritor e Filósofo Norte-Americano
Henry David Thoreau

547- «DESOBEDIÊNCIA CIVIL  1848»

«Pequeno excerto»

A autoridade do governo, mesmo do governo ao qual estou disposto a me submeter – pois obedecerei com satisfação aos que saibam e façam melhor do que eu e, sob certos aspectos, obedecerei até aos que não saibam nem façam as coisas tão bem -, é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com o consentimento dos governados. Ele não pode ter sobre a minha pessoa e meus bens qualquer direito puro além do que eu lhe concedo.

O progresso de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional, e desta para uma democracia, é um progresso no sentido do verdadeiro respeito pelo indivíduo. Será que a democracia tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de construir governos? Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente – do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade – e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente.

Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho para um Estado ainda mais perfeito e glorioso; já fiquei imaginando um Estado desses, mas nunca o encontrei em qualquer lugar.

Henry David Thoreau

segunda-feira, 29 de junho de 2015

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

MEN AT WORK - «Blue for You»

Poet'anarquista

AZUL PARA VOCÊ

Às vezes o sol brilha
E eu fecho as cortinas.
'Eu não posso estar a ver a luz do dia
Eu não tenho nenhum uso para a dor
Mas eu não me importo com a chuva.
'Eu posso olhar para fora e ouvir o som
Hoje eu olhei bem para o chão
Com nada no meio para quebrar a minha queda
eu sou azul para você, azul para você
Eu não sei o que fazer

Tenho que formar um plano de ataque
Não consigo parar de olhar para trás, eu sei
Você é tão longe daqui
Tenho que ser forte em minha mente
Não invadir o seu tempo eu sei disso
Isso seria errado, com certeza

Eu preciso sair e aproximadamente
Disso eu não tenho dúvida
Há certamente deve ser novos lugares para ir
Artesanatos que eu nunca vi
Tudo com o verde das pastagens
'Porque os antigos estão me deixando triste por você.
'eu sou azul para você, azul para você
Eu não sei o que fazer
E eu sou azul para você, azul para você
Eu não sei o que fazer

Tenho que formar um plano de ataque
Suba de volta no caminho eu sei
Oferta meu amigo diabo adeus
Espero que eu ainda esteja na corrida
Mas eu não sei o quê para perseguir oh não
E você ainda está muito longe daqui

O sol ainda brilha dentro
E eu vou fechar as cortinas.
'Eu sei que eu não vou mais te ver, te ver mais
E eu sou azul para você, azul para você
Eu não sei o que fazer
'eu sou azul para você, azul para você
Eu não sei o que fazer
Eu não sei
eu poderia dar um salto grande

Men At Work
Banda Australiana

OUTROS CONTOS

«Os Fragmentos», por Ferreira de Castro.

«Os Fragmentos»
Escritor Português Ferreira de Castro

546- «OS FRAGMENTOS»

[Excertos]

“- (…) A Humanidade está vivendo um intervalo entre o velho mundo que apodreceu e o novo mundo que nós desejamos e há de vir. É um intervalo terrível, com grandes sofrimentos para muitos. (p. 194)

“A sede de justiça deve ser clamada inúmeras vezes, clamada até que a justiça venha e apague a sede, pois um só grito na noite pode despertar quem dorme, criando breves momentos de expectativa e de incerteza, mas, se outros gritos não lhe sucederem, acaba-se por voltar ao sono.” (p. 25)

“A minha alma, não obstante os sofrimentos, andou sempre iluminada por intensa fé nos destinos humanos. Daí me veio apodo. O meu nome é Alexandre Novais, mas chamavam-me «O Século Vinte», porque eu, durante a juventude, afirmava nos sindicatos, nos comícios, nos Cafés, afirmava por toda a parte, que o século XX seria o século da redenção, terminando as lutas, as desigualdades e os ódios que nos separam e passando a Humanidade a viver fraternalmente. Depois disso, é certo, fui forçado a percorrer várias nações em busca de pão ou de refúgio; e em quase todas me maltrataram, me prenderam, me expulsaram, considerando-me «indesejável». Vi lutas horrendas entre os homens, torrentes de ódio que davam ao século por mim considerado redentor semblante trágico de época primitiva; mas em toda a parte encontrei também a profunda aspiração por um mundo mais justo e mais fraternal.

(…) Continuo a crer, pertinazmente, que o século XX está forjando a redenção e a paz da Humanidade.” (pp. 88-89)

“- Vocês não me querem compreender. Paciência! Mas eu vos repito que a mentalidade geral começa a transformar-se e que estamos perto de uma nova era, graças sobretudo ao proletariado e a alguns intelectuais. De alguma coisa valeram os nossos combates e os nossos sacrifícios. Só no futuro se poderá avaliar quanto representaram no progresso da Humanidade as lutas sociais do século passado e do nosso. É claro que eles pensam apenas em reformas e nós queremos muito mais. Não queremos uma sociedade só remendada; queremos uma sociedade nova e por isso temos de continuar a lutar.” (p. 210)

“Que vivemos perseguindo uma aspiração sempre tão fascinante e sempre, até hoje, tão fugitiva, tida pelos egocentristas como absurda quimera, enquanto para outros cintila como realidade próxima, generosa e redentora. E que é, para todos, como uma ciclópica fábrica de inquietação, pois no desencontro imenso da Humanidade, com as classes renhindo entre elas, umas pelas suas velhas regalias, outros por uma igualdade a raiar no futuro, as doutrinas em conflito vão trespassando de sangue a Terra, húmus formidável de toda uma época e do mundo de amor que há de vir, que há de vir, que há de vir um dia, um dia talvez ainda longínquo, mas um dia! Por esta crença amparado, por esta crença que resiste a todos os desenganos, a todas as incompreensões, a todos os suplícios e a todas as dores, passa um longo cortejo de sombras humanas. As que amei, as que vi tombar ao meu lado, as que se perderam em anónimas derrotas, em sonhos jamais consumados e que na memória das gentes só persistirão como uma ideia de conjunto, pó de um século, cinzas de um instante da Eternidade. São centenas de figuras topadas ao longo da minha áspera jornada, síntese de milhões de milhões de outras, para as quais a vida é apenas servitude e miséria, tendo por única redenção a morte e por único lenitivo, no espírito de alguns, esta forte esperança de que, um dia, o Mundo será mais justo e até os homens serão melhores.” (p. 325)

Ferreira de Castro

domingo, 28 de junho de 2015

CARTOON versus DÉCIMA

A Queima
HenriCartoon

«A QUEIMA»

- Outra barbárie, Lucrécia!
- Querem ver que foi outro gato?
- Queimar pretendem de facto,
Mas desta vez a pobre Grécia…
Europa assiste com inércia
Aos pirómanos incendiários,
Tudo queimam os salafrários
Sem ter dó nem piedade…
Euro-grupo da maldade
É o nome dos usurários!!

POETA

OUTROS CONTOS

«A Menina de Lá», por Guimarães Rosa.

«A Menina de Lá»
Menina num Balanço/ Winslow Homer

545- «A MENINA DE LÁ»

Sua casa ficava para trás da serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.

Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. – “Ninguém entende muita coisa que ela fala…” dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: – “Ele xurugou?” – e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: – “Tatu não vê a lua…” – ela falasse. Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.

Em geral, porém Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. – “Nhinhinha, que é que você está fazendo?” – perguntava-se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: – “Eu… to-u… fa-a-zendo”. Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?

Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: – “Menino pidão… Menino pidão…” Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: – “Menina grande… Menina grande…” Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão. Nhinhinha murmurava só: – “Deixa… Deixa…” – suasibilíssinia, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranquila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraçada espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.

Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite – “Cheiinhas!” – olhava as estrelas, deléveis, sobre-humanas. Chamava-as de “estrelinhas pia-pia”. Repetia: – “Tudo nascendo!” – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança – “A gente não vê quando o vento se acaba…” Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: – “Alturas de urubuir…” Não, dissera só: – “… altura de urubu não ir”. O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: – “Jabuticaba de vem-me-ver…” Suspirava depois: – “Eu quero ir para lá”. Aonde? – “Não sei.” Aí, observou: – “O passarinho desapareceu de cantar…” De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: – “A Avezinha”. De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de “Senhora Vizinha…” E tinha respostas mais longas: – “Eeu? Tou fazendo saudade.” Outra hora, falava-se de parentes já mortos, ela riu: – “Vou visitar eles…” Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: – “Ele te xurugou?” Nunca mais vi Nhinhinha.

Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres.

Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada olhando o nada diante das pessoas: – “Eu queria o sapo vir aqui.” Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vezo, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: – “Está trabalhando um feitiço…” Os outros se pasmaram; silenciaram demais.

Dias depois, com o mesmo sossego: – “Eu queria uma pamonhinha de goiabada…” – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia. Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura. Sorria apenas, segredando seu – “Deixa… Deixa…” – não a podiam despersuadir. Mas veio, vagarosa, abraçou a mãe e a beijou, quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.

Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queriam versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.

O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava de se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. – “Mas, não pode, ué…” – ela sacudiu a cabecinha. Instaram-se: que, se não, se acabava tudo, o leite, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. – “Deixa… Deixa…” – se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas.

Daí a duas manhãs, quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho – que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca se lhe vira, pular e correr por casa e quintal. – “Adivinhou passarinho verde?” – Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem se sonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho-verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.

E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu.

Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se passam longe demais.

Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de-repente enorme. A Mãe, o Pai, e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de – “Menina grande… Menina grande…” – com toda ferocidade. E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.

Agora, precisavam de mandar recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhamento de virgens e anjos. Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado desatino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes brilhantes… A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?

O pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda a Nhinhinha a morrer…

A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha.

Guimarães Rosa

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...

CHRIS ISAAK
«Baby Did a Bad Bad Thing»

Poet'anarquista

QUERIDA FEZ UMA COISA RUIM RUIM

Querida fez uma coisa ruim ruim, querida fez uma coisa ruim ruim.
Querida fez uma coisa ruim ruim, querida fez uma coisa ruim ruim.

Você já amou alguém tanto assim que você pensou que seu coração 
por pouco se vai quebrar em dois?
Eu não penso assim.

Você já tentou de todo o coração e alma trazer de volta a amante para você?
Eu quero e espero que sim.

Você já orou com todo seu coração e alma, só para vê-la ir embora?

Querida fez uma coisa ruim ruim, querida fez uma coisa ruim ruim.
Querida fez uma coisa ruim ruim, vontade de chorar, vontade de chorar.

Você já pensou transformar o seu ficar acordado pensando na pessoa que você ama?
Acho que não.

Você já fechou os olhos na vontade de acreditar e segurando seu sonho?
Bem, se você dizer isso.

Dói tão ruim quando você finalmente souber o quão baixo, baixo, baixo, ela vai.

Querida fez uma coisa ruim ruim, querida fez uma coisa ruim ruim.
Querida fez uma coisa ruim ruim, vontade de chorar, vontade de chorar.

Ohh, vontade de chorar, vontade de chorar.
Ohh, vontade de chorar, vontade de chorar.

Querida fez uma coisa ruim ruim, querida fez uma coisa ruim ruim.

Chris Isaak
Guitarrista, Cantor e Compositor Norte-Americano

sábado, 27 de junho de 2015

CARTOON versus SONETO

Gémeos Falsos
HenriCartoon

«GÉMEOS FALSOS»

- Pra mim Bostas,
Ou outros que tais
Fedelhos e Tortas…
São todos iguais!

- Tu não fales mal
Do amigo António,
A diferença é abismal
Entre Deus e o Demónio!

- Consegues ver diferença
No Bosta versus Fedelho?
Eu cá só vejo um espelho…

- A cegueira é uma doença
E a tua cabeça não pensa…
São os lábios, meu velho!

POETA

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(D' Esperança)

DULCE PONTES & ENNIO MORRICONE
«O Amor a Portugal»

Poet'anarquista

O AMOR A PORTUGAL

O dia há de nascer
Rasgar a escuridão
Fazer o sonho amanhecer
Ao som da canção

E então:

O amor há de vencer
A alma libertar
Mil fogos ardem sem se ver
Na luz do nosso olhar
Na luz do nosso olhar

Um dia há de se ouvir
O cântico final
Porque afinal falta cumprir
O amor a Portugal
O amor a Portugal!

Ennio Morricone & Dulce Pontes
Compositor Italiano e Cantora Portuguesa

OUTROS CONTOS

«O Porco», por Luigi Pirandello.

«O Porco»
Ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro

544- «O PORCO»

Juro que não quis ofender o senhor Lavaccara, nem da primeira nem da segunda vez, como andam a dizer na aldeia.

O senhor Lavaccara pôs-se a falar de um seu porco e queria convencer-me de que era um animal inteligente.

Eu então perguntei-lhe:

– Desculpe, o porco é magro?

E eis que o senhor Lavaccara olha para mim como se a pergunta tivesse a intenção de ofender, não o animal de que era proprietário, mas ele próprio.

Respondeu-me:

– Magro? Pesa mais de um quintal!

E eu então disse-lhe:

– Desculpe, julga que é inteligente?

Estávamos a falar do porco. Mas o senhor Lavaccara, com toda aquela sua rósea fartura de carnes tremulantes, julgou que eu depois de ofender o porco o quisesse ofender agora a ele, como se tivesse dito que em geral a gordura exclui a inteligência. Mas, repito, era do porco que estávamos a falar. 

Não tinha pois nada o senhor Lavaccara que fazer uma cara tão feia, nem que perguntar-me:

– Então eu, na sua opinião?…

Apressei-me a responder-lhe:

– Mas que é que o senhor tem que ver com isto, caro senhor Lavaccara? O senhor é porventura um porco? Desculpe. Quando o senhor come com esse belo apetite que Deus lhe conserve até ao fim da vida, para quem come? Come para si, não engorda para os outros. O porco pelo contrário julga que come para ele e está mas é a engordar para os outros.»

(…)

Luigi Pirandello

sexta-feira, 26 de junho de 2015

OUTROS CONTOS

«O Vizinho Invejoso», por Pearl S. Buck.

«O Vizinho Invejoso»
A Inveja/ Covarrubias, gravura séc. XVI

543- «O VIZINHO INVEJOSO»

Há muito, muito tempo vivia numa aldeia um velho casal que, visto não ter filhos a quem amar e cuidar, dedicava todo o seu afecto a um cãozinho. Era um animalzinho bonito que, em vez de se tornar mimado ou mau quando não obtinha o que queria - como às vezes acontece, até, com as crianças, se mostrava grato aos donos pela sua bondade e nunca os deixava, quer estivessem em casa, quer fora dela.

Um dia o velho trabalhava no jardim e, como de costume, o cão fazia-lhe companhia. A manhã estava quente e, a certa altura, o homem largou a enxada e enxugou a testa, notando ao mesmo tempo que o animal farejava e escarvava a terra com as patas, a pouca distância. Não havia nada de estranho nisso, pois todos os cães gostam de arranhar a terra, e o velho continuou a cavar, tranquilamente. De súbito o cão correu para ele, a ladrar, e voltou ao local onde estivera, repetindo várias vezes tal procedimento. Admirado, o homem pegou na enxada e seguiu-o. O cão estava tão contente com o seu êxito, que não parava de ladrar e saltar e o barulho que fazia atraiu a velhota, que saiu de casa para ver o que acontecera.

Com curiosidade de saber se o animal encontrara, na realidade, alguma coisa, o marido começou a cavar e a enxada não tardou a bater em qualquer coisa. Baixou-se e retirou do buraco uma grande caixa cheia de reluzentes moedas de ouro. A caixa era tão pesada que a velha teve de o ajudar a transportá-la para casa, e podeis imaginar o rico jantar que o cão teve naquela noite! Agora que os tornara ricos, todos os dias os donos lhe davam tudo quanto um cão gosta de comer e o deitavam em almofadas dignas de um príncipe.

A história do cão e do tesouro depressa se espalhou, e um vizinho cuja horta ficava pegada à dos velhotes teve tanta inveja que não podia comer nem dormir. Como o cão descobrira um tesouro, o idiota pensou que podia descobrir mais e rogou ao casal que lhe emprestasse o animal por uns tempos, para enriquecer também.

- Como se atreve a pedir semelhante coisa? - perguntou-lhe o velho, indignado. - Sabe quanto gostamos do cão e que nunca o perdemos de vista nem cinco minutos.

Mas o invejoso vizinho não fez caso das suas palavras e todos os dias vinha com o mesmo pedido, até que os velhotes, que não gostavam de dizer «não» a ninguém, prometeram emprestar-lhe o animalzinho só por uma noite ou duas. Assim que se apanhou com ele soltou-o na horta, mas o cão limitou-se a correr de lado para lado e o homem não teve outro remédio senão esperar com a paciência que pôde arranjar. À noite levou-o para casa.

Na manhã seguinte abriu-lhe a porta e o cão saltou alegremente para a horta, correu para uma árvore e começou a cavar desembaraçadamente. O homem gritou à mulher que trouxesse uma pá e correu atrás do cão, ansioso por entrever os primeiros fulgores do desejado tesouro. Mas, depois de cavar no local indicado, que julgais que encontrou? Apenas um embrulho de velhos ossos, dos quais se desprendia tal fedor que não pôde suportá-lo.

Sentiu tanta cólera contra o cão que assim o enganara que pegou numa picareta e o matou, sem saber o que fazia. Quando se lembrou de que teria de dar uma explicação ao velho casal, ficou aterrorizado, mas como não ganharia nada calando-se, arvorou uma expressão muito triste e dirigiu-se à horta do vizinho.

O vosso cão morreu de repente - informou, fingindo chorar -,embora tivesse tomado bem conta dele e lhe desse tudo quanto podia desejar. Achei melhor vir informá-los...

Chorando amargamente, o velho foi buscar o corpo do animalzinho e enterrou-o sob a figueira onde ele achara o tesouro. De manhã à noite ele e a mulher choraram a sua perda, sem que nada os consolasse. Por fim, uma noite, o velhote sonhou que o cão lhe aparecia e lhe dizia que abatesse a figueira junto da qual estava a sua campa e da madeira fizesse um almofariz. Mas quando acordou e recordou o seu sonho, não se sentiu muito inclinado a derrubar uma árvore que todos os anos dava abundantes frutos e, por isso, consultou a mulher. Esta não hesitou um momento sequer. Depois do que acontecera, disse, o conselho do cão devia ser seguido. Portanto, a árvore foi derrubada e feito dela um belo almofariz.

Quando chegou a altura de colher o arroz, o almofariz foi tirado da prateleira e meteram-se-lhe dentro os bagos de arroz, para serem pisados. Mas, maravilha!, num abrir e fechar de olhos transformaram-se em moedas de ouro! Ao verem tanta riqueza, o coração dos velhos alegrou-se e mais uma vez abençoaram o seu fiel cão.

A história não tardou a chegar aos ouvidos do vizinho invejoso, o qual se apressou a ir perguntar, ao casal se tinha um almofariz que lhe emprestasse. O velho não gostou muito de emprestar o seu precioso tesouro, mas como não sabia dizer que não o vizinho levou-o.

Mal chegou a casa, pegou num grande punhado de arroz e começou a descascá-lo, ajudado pela mulher, mas em vez das moedas de ouro que esperavam o arroz transformou-se em sementes tão malcheirosas que tiveram de fugir, mas só depois de, furiosos, partirem o almofariz e deitarem fogo aos bocados.

Os velhotes ficaram, como é natural, muito contrariados ao saberem o que acontecera ao seu almofariz, e não os confortou nada as explicações e desculpas apresentadas pelo vizinho.

Mas nessa noite o cão apareceu outra vez em sonhos ao dono e disse-lhe que fosse buscar as cinzas do almofariz e as levasse para casa. Quando o grande Manchu a quem aquela parte do território pertencia tosse à capital, o velho devia levar as cinzas à estrada pela qual o coreJ° Passaria e, assim que o visse surgir, subir a todas as cerejeiras, uma por uma, e espalhar nelas as cinzas. As árvores não tardariam a florir como jamais haviam florido.

Desta vez o velho não precisou de consultar a mulher para saber se devia fazer o que o cão lhe dissera. Assim que se levantou foi a casa do vizinho, recolheu as cinzas do almofariz, guardou-as num vaso de porcelana e levou-as para a estrada, em cuja berma se sentou à espera da passagem do Manchu. As cerejeiras estavam nuas, pois era a estação em que costumavam vender-se rebentos envasados às pessoas ricas, para que os tivessem em casa, onde desabrochariam e enfeitariam os aposentos. Quanto às árvores que ladeavam a estrada, ninguém se lembraria de procurar nelas um botão que fosse antes que decorresse pelo menos um mês.

Não esperava havia muito tempo quando viu, ao longe, uma nuvem de poeira e calculou que fosse o cortejo do Manchu. Era, de facto. Os homens que o compunham vestiam os mais belos fatos e a multidão que enchia a estrada curvava-se até ao chão, à passagem do séquito. Só o velho não se curvou, facto que não passou despercebido ao grande senhor. Este ordenou a um dos cortesãos que lhe perguntasse porque desobedecera aos antigos costumes, mas, antes que o mensageiro o alcançasse, o velho trepara à árvore mais próxima e espalhara as cinzas, num gesto largo. As flores brancas desabrocharam, num instante, e o Manchu rejubilou, cumulou o velho de presentes e convidou-o para o seu palácio.

Claro que o vizinho invejoso não tardou a saber também essa novidade e o coração quase lhe estoirou de inveja. Apressou-se a ir ao local onde queimara o almofariz e a recolher um resto de cinzas que o velho deixara, as quais levou para a estrada, na esperança de que a sua sorte fosse tão boa, ou mesmo melhor, que a do vizinho.

O coração saltou-lhe de prazer quando avistou os primeiros sinais da aproximação do cortejo, e preparou-se para o grande momento. Ao ver o Manchu, atirou um punhado de cinzas para as árvores, mas do seu gesto não nasceram botões nem desabrocharam flores. Em vez disso, o vento atirou as cinzas para os olhos do Manchu e dos seus guerreiros, que gritaram de dor. Irritado, o Manchu ordenou que capturassem o atrevido e o metessem numa prisão, onde ficou muitos meses.

Quando o libertaram toda a gente da aldeia descobrira a sua maldade e não lhe permitiram que lá continuasse a viver. Como não se emendou, foi de mal a pior e teve um fim desgraçado.

Pearl S. Buck

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(26 de Junho de 1982, morre o fadista português Alfredo Marceneiro)

ALFREDO MARCENEIRO
«Há Festa na Mouraria»

Poet'anarquista

HÁ FESTA NA MOURARIA

Desde manhã, os fadistas
Jaquetão, calaça esticada
Se aprumam com galhardia
Seguem as praxes bairristas
É data santificada
Há festa na Mouraria

Toda aquela que se preza
De fumar, falar calão
Pôr em praça a juventude
Nessa manhã chora e reza
É dia da procissão
Da senhora da saúde

Nas vielas do pecado
Reina a paz tranquila e santa
Vive uma doce alegria
À noite, é noite de fado
Tudo toca, tudo canta
Até a Rosa Maria

A chorar de arrependida
A cantar com devoção
Numa voz fadista e rude
Aquela rosa perdida
Da Rua do Capelão
Parece que tem virtude

Alfredo Marceneiro

Fadista Português

quinta-feira, 25 de junho de 2015

OUTROS CONTOS

«A Cultura Integral do Indivíduo», por Bento de Jesus Caraça.

«A Cultura Integral do Indivíduo»
Pintura de Toninho Gonçalves

542- «A CULTURA INTEGRAL DO INDIVÍDUO»

[Excerto]

«O que é o homem culto? É aquele que:

Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular,
na sociedade a que pertence;

Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente
à existência como ser humano;

Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima
 e fim último da vida.

(...)

Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos
e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica,
é um certo grau de saber, aquele que precisamente fornece uma base mínima
para a satisfação das três condições enunciadas.»

Bento de Jesus Caraça

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(25 de Junho de 2010, morre o baixista britânico, fundador dos The Kinks, Pete Quaife)

THE KINKS - «The Contenders»

Poet'anarquista

OS CONTENTORES

O pouco silêncio, mamã não chore
Eu tenho que ver o que é como no mundo exterior
Tenho que sair dessa vida de alguma forma
Tem que ser livre, tem que ser livre agora

Eu não quero ser um construtor de rodovias
Um varredor de calçadas, eu tenho que fazer do meu jeito
Eu estou muito mal equipado para um matemático
Um político astuto, fabricante de decisões

Nós não, o maior é quando estamos separados
Mas quando estamos juntos
 Eu acho que nós estamos indo para torná-lo
Eu não quero ser como um ditador fascista

Um santo ou um pecador, eu quero ser um vencedor

The Kinks
Banda Britânica

quarta-feira, 24 de junho de 2015

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(Sonoridades para o Cosmos)

DEEP PURPLE
«When A Blind Man Cries»

Poet'anarquista

QUANDO UM HOMEM CEGO CHORA 

Se você está saindo, feche a porta
Eu não estou esperando mais ninguém
Ouça eu me afligindo, eu estou deitado no chão
Se estou bêbado ou morto eu já não estou certo
Eu sou um homem cego, eu sou um homem cego e meu mundo é pálido
Quando um homem cego chora, Senhor, Você sabe que não há conto mais triste

 Tive uma amiga certa vez em um quarto
Tive um bom tempo mas acabou muito rápido
Em um mês frio naquele quarto
Nós achamos uma razão para as coisas que fazíamos
Eu sou um homem cego, eu sou um homem cego e meu mundo é pálido
Quando um homem cego chora, Senhor, Você sabe que não há conto mais triste

Deep Purple
Banda Britânica

OUTROS CONTOS

«Noite Escura», conto poético por São João da Cruz.

«Noite Escura»
Gravura de Oswaldo Goeldi

541- «NOITE ESCURA»

Em uma Noite escura,
com ânsias, em amores inflamada,
oh, ditosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando já mi’a casa sossegada;

às escuras, segura,
pela secreta escada disfarçada,
oh, ditosa ventura!,
no escuro, emboscada,
estando já mi’a casa sossegada;

pela Noite ditosa,
em segredo, de todos escondida
e co’a vista trevosa,
sem outra luz ou guia
que aquela que em meu coração ardia.

Ela é que me guiava,
mais firme do que a luz do meio-dia,
até onde esperava
quem eu já bem sabia,
ali onde ninguém aparecia.

Oh, Noite que guiaste!
oh, Noite mais amável que alvorada!
oh, Noite que juntaste
Amado com amada,
Neste Amado transformada!

Em meu peito florido,
que todo só p’ra ele se guardava,
pousou adormecido;
afagos eu lhe dava
e de cedros o leque refrescava.

Da ameia o ar soprado,
quando eu seus cabelos rafiava,
com seu toque aplacado
meu colo molestava
e todos meus sentidos enlevava.

Quedei-me, olvidei-me,
minha face reclinei sobre o Amado;
cessou tudo, deixei-me,
deixando meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.

São João da Cruz

terça-feira, 23 de junho de 2015

CARTOON versus DÉCIMA

O Plano Grego
HenriCartoon

«O PLANO GREGO»

- Então, amigo Tsipras…
Já tens uma solução?
- Queres demonstração?
Cheira as minhas tripas!...
Logo de seguida gripas
Sem ninguém que se rale...
Talvez o cheiro te cale,
Estou-me pra ti a cagar!
- Chamo a isso plagiar…
Calças em baixo não vale!!

POETA

OUTROS CONTOS

«Aquela Fé», conto poético por Nicolau Tolentino.

«Aquela Fé»
Desenho de JPGalhardas

541- «AQUELA FÉ»

Aquela fé tão clara e verdadeira,
A vontade tão limpa e tão sem mágoa,
Tantas vezes provada em viva frágua
De fogo, e apurada, e sempre inteira;

Aquela confiança, de maneira
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa,
Culpa primeira minha e derradeira,

De que me aproveitou? Não ideal por certo
Que dum só nome tão leve e tão vão,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida.

Dei de mim que falar ao longe e ao perto;
E já assim se consola a alma perdida,
Se não achar piedade, ache perdão.

Nicolau Tolentino

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(23 de Junho de 2005, morre Isidore Cohen, 88 anos, violinista norte-americano, co-fundador dos históricos Quarteto Julliard e do Trio Beaux Arts.)

BEAUX ARTS TRIO
«Dvorák/ Trio No. 4 in E Minor, Op 90»

Poet'anarquista

Beaux Arts Trio
Trio Norte-Americano

segunda-feira, 22 de junho de 2015

CARTOON versus QUADRAS

Ou há Democracia, ou Comem Todos
HenriCartoon

«OU HÁ DEMOCRACIA, OU COMEM TODOS»

- Dizem que tenho mais regalias
Que outros presos, por suborno…
Eu posso assistir a filmes porno,
Eles só têm direito às fantasias…

Calúnias!... qualquer prisioneiro
Tem direito a ver pornografia…
Comigo, funciona a democracia!
- Nem mais, senhor engenheiro!!

POETA

OUTROS CONTOS

«Esforço Individual», por George Bernard Shaw.

«Esforço Individual»
Conto de George Bernard Shaw

540- «ESFORÇO INDIVIDUAL»

Você já pensou no valor do esforço individual?

Uma demonstração desse valor foi realizada numa noite escura, sem estrelas, durante um comício patriótico no Coliseu de Los Angeles.

Havia cerca de cem mil pessoas reunidas no local, quando o presidente avisou que todas as luzes seriam apagadas.

Disse que, embora ficassem na mais completa escuridão, não havia motivo para receio.

Quando as luzes se apagaram e as trevas tomaram conta do ambiente, ele riscou um fósforo e perguntou à multidão: «quem estiver vendo esta pequenina luz queira exclamar: sim!»

Um vozerio ensurdecedor partiu da assistência. Todos percebiam aquela minúscula chama.

O silêncio se fez novamente e o homem falou: «assim também fulgura um acto de bondade num mundo de maldade.»

E insistindo em suas ideias, lançou um desafio: «vejamos agora o que acontece se cada um de nós acender um palito de fósforo.»

Num instante, quase cem mil minúsculas chamas banharam de luz a imensa arena, fruto da colaboração de cem mil indivíduos, cada um fazendo a parte que lhe tocava.

Essa foi a maneira singela que um homem utilizou para despertar nos indivíduos o valor do esforço pessoal.

Geralmente, na busca de soluções para os problemas, imaginamos que somente grandes feitos poderão ter um resultado eficiente.

Quando olhamos uma imensa montanha, por exemplo, concluímos que muito trabalho foi preciso para que ela tomasse as dimensões que possui, mas nos esquecemos de que ela é formada de pequenos grãos de areia.

Olhando o mundo sob esse ponto de vista, e fazendo a parte que nos cabe, em pouco tempo teríamos um mundo melhor.

Mas se pensarmos que somos incapazes de mudar o mundo, o mundo permanecerá como está por muito tempo.

Todos temos valores íntimos a explorar. Todos temos condições de contribuir com uma parcela para a melhoria do mundo em que vivemos.

Como pudemos perceber, um palito de fósforo aceso, é capaz de derrotar as trevas.

Pode ser uma pequena chama, mas a sua claridade é percebida a grande distância.

Jesus falou das possibilidades individuais de cada um com a recomendação: «brilhe a vossa luz.»

Assim, quando a situação se apresentar nublada em redor, podemos acender a nossa pequena chama e romper com a escuridão.

Não importa a situação em que estamos colocados, sempre poderemos fazer algo de bom em benefício de todos.

Cada indivíduo é uma engrenagem inteligente agindo no contexto da máquina social.

E a máquina somente funcionará em harmonia e atingirá seus objectivos se todas as peças cumprirem a parte que lhes cabe.

«Você vê coisas que existem e se pergunta: por quê? Eu imagino coisas que não existem e me pergunto: por que não?»

George Bernard Shaw

MÚSICAS DO MUNDO

E a música de hoje é...
(22 de Junho de 1961, os Beatles gravam «My Bonnie» em sessão com Tony Sheridan, 
em Hamburgo)

THE BEATLES & TONY SHERIDAN
«My Bonnie»

Poet'anarquista

MINHA BONNIE

Minha Bonnie encontra-se sobre o oceano
Minha Bonnie encontra-se sobre o mar
Minha Bonnie encontra-se sobre o oceano
Oh,traga de volta minha Bonnie para mim
Minha Bonnie encontra-se sobre o oceano
Minha Bonnie encontra-se sobre o mar
Bem, minha Bonnie encontra-se sobre o oceano
Yeah, traga de volta minha Bonnie para mim.
Yeah, traga de volta, ah traga de volta,
oh, traga de volta minha Bonnit para mim, para mim.
Oh,traga de volta, oh,traga de volta,
Oh,traga de volta minha Bonnie para mim.
Bem, minha Bonnie encontra-se sobre o oceano
Minha Bonnie encontra-se sobre o mar.
Yeah, minha Bonnie encontra-se sobre o oceano.
Oh, eu disse traga de volta minha Bonnie para mim.
Yeah, traga de volta, ah traga de volta,
oh, traga de volta minha Bonnit para mim, para mim.
oh, traga de volta, traga de volta,
oh traga de volta minha Bonnie para mim.

The Beatles & Tony Sheridan
Banda Britânica

domingo, 21 de junho de 2015

CARTOON versus SONETO

A Grande Ilusão
HenriCartoon

«A GRANDE ILUSÃO»

- Andas a criar ilusão à malta
Que o país se encontra melhor,
Mas quem lê o jornal constata
Que estamos cada vez pior!

- Meu caro Bosta…  as sondagens
Mostram o que acabas de dizer…
Depois de algumas derrapagens,
Vamos na frente pra vencer!

- Como é isto possível!? Depois
De tudo que sacaste ao povo,
Vai o carro à frente dos bois!?…

- Com essa notícia me comovo…
As diferenças entre nós dois
Não deixam ver nada de novo!!

POETA

OUTROS CONTOS

«Intimidade», por Jean-Paul Sartre.
«Intimidade»
Grupo de Nus/ Tamara de Lempicka

539- «INTIMIDADE»

[Excerto]

“Lulu dormia nua não só porque gostava de se acariciar com as cobertas, mas também porque lavagem de roupa custa caro. A princípio Henri protestou; não se deve dormir nu, isto não se faz, é nojento. Acabou, porém, por comodismo, seguindo o exemplo da mulher; ele era correto como uma estaca quando se achava no meio de outras pessoas (admirava os suíços e particularmente os genebrinos, achava-os altivos porque eram impassí­veis) mas negligenciava as pequenas coisas, por exemplo, não era muito asseado, raramente mudava de cuecas; quando Lulu as punha na roupa suja, não podia deixar de observar o seu fundo amarelado à força de roçar contra o rego das nádegas. Pessoalmente, Lulu não se incomodava com a sujeira: dá um ar de intimidade, cria certos sombreados familiares. No côncavo dos cotovelos, por exemplo. Não gostava dos ingleses, dos seus corpos sem personalidade, sem nenhum cheiro. Sentia, porém, horror às negligências do marido, porque reflectiam um carinho excessivo por si próprio. De manhã, ao acordar, ele se sentia sempre terno, a cabeça cheia de sonhos, e o dia claro, a água fria, o pelo áspero das escovas lhe faziam o efeito de brutais injustiças.

(…)

Lulu retirou do dedo da fenda do cobertor e agitou um pouco os pés, pelo prazer de se sentir acordada perto daquela carne mole e cativa. Ouviu um gru-gru: um ventre que faz barulho me aborrece porque nunca posso saber se é o seu ou o meu. Fechou os olhos; são líquidos que gorgolham nas tripas , todo mundo tem isso, Rirette, eu ( não gosto de pensar nisso, me dá dor de barriga). Ele me ama, mas não ama minhas tripas; se lhe mostrassem meu apêndice num vidro, não o reconheceria; ele vive a me apalpar mas se lhe pusessem o vidro nas mãos não sentiria nada intimamente, não pensaria “isto é dela”; a gente devia poder amar tudo de uma pessoa, o esófago, o fígado, os intestinos. Talvez não gostem dessas coisas por falta de hábito, se as vissem como vêm nossas mãos e nossos braços, talvez as amassem; é por isso que as estrelas do mar devem amar-se melhor que nós; elas se estendem sobre a praia quando faz sol e expelem o estômago para fazê-lo tomar ar e todos podem vê-lo; eu me pergunto por onde faríamos sair o nosso, pelo umbigo, talvez. Fechou os olhos e os discos azuis começaram a girar, como na feira, ontem, quando eu atirava flechas de borracha nos discos e as letras se acendiam a cada golpe, formando um nome de cidade; ele me impediu de formar “Dijon”, com sua mania de se encostar às minhas nádegas; detesto que me toquem por trás, desejava não ter costas, não gosto que me façam certas coisas quando não as vejo; eles podem gozar sem que se lhes vejam as mãos; a gente as sente subindo e descendo, mas não pode prever aonde vão, eles olham a gente à vontade e a gente não os pode ver, eles adoram isso; Henri nunca pensou em fazer essas coisas, ele só quer saber de se encostar nas minhas nádegas e eu estou convencida de que ele me pega no traseiro de propósito, porque sabe que eu morro de vergonha de ter um e o fato de ter vergonha o excita, mas não quero pensar nele agora (ela sentia medo), quero pensar em Rirette. Ela pensava em Rirette todas as noites à mesma hora, justamente no momento em que Henri começava a balbuciar coisas sem nexo e a gemer. Mas houve resistência, o outro queria mostrar-se, ela chegou mesmo a ver, num instante, uns cabelos negros e crespos, pensou que ia acontecer e arrepiou-se porque nunca se sabe até aonde a coisa vai; se é só o rosto ainda bem; isso passa, mas houve noites em que ela não conseguiu fechar os olhos por causa de nojentas lembranças que emergiam à superfí­cie; é medonho quando se conhece tudo de homem, principalmente aquilo.”

Jean-Paul Sartre