«Anne», por Jane Austen.
«Anne»
Jane Austen por Cassandra Austen
1338- «ANNE»
Capítulo 1
Minas Gerais, século XXI.
O Sr. Walter Elias, da fazenda Élio, em Minas Gerais, era um
homem que, em momentos de ócio, não se distraía com mais nada além da leitura
do livro de recortes de sua família. Ali tinha um porto seguro nos momentos
difíceis e situações desagradáveis ocasionadas, em maior parte, por problemas
domésticos. Os jornais antigos mostravam todos os grandes homens que tiveram a
honra de carregar o sobrenome Elias.
Quando se cansava de ler sobre seus antepassados, lia fatos de
sua própria história, sempre muito bem narrados pelos jornalistas em nível
regional e até nacional. Eis um trecho da biografia do respeitável senhor
publicada pelo jornal Estado de Minas Gerais:
Walter Elias, nascido em 1º de março de 1951, casou-se em 15
de julho de 19-— com Elisabeth, filha de Frederick Stevenson, distinto
cavalheiro imigrante da Inglaterra. Ficou viúvo com três filhas ainda bem
jovens: Elisabeth, nascida em 1º de abril de 1981; Anne, nascida em 20 de
setembro de 1985; e Mariah, nascida em 19 de novembro de 1987.
Orgulhosamente, usando uma caneta de escrita fina e com
traços delicados, escreveu, logo após a data de nascimento de Mariah: “casada
em 16 de dezembro de 2009, com Carlos Musgrove Filho, herdeiro de Carlos
Musgrove, distinto empresário de São Paulo”.
Ninguém podia dizer que o Sr. Walter, conhecido por muitos
como Dr. Walter, embora nunca tenha concluído um curso universitário, não era
um homem atraente. Aos sessenta e seis anos, era um senhor respeitado, que
ainda atraía olhares, inclusive de mulheres mais novas, como bem gostava de
observar. É bem verdade que a estima adquirida em sua comunidade se deve, além
do sobrenome Elias, à lembrança que muitos ainda guardavam de sua falecida
esposa, que era uma flor de candura e sabia ignorar os defeitos do marido.
Sr. Walter tão logo enviuvou, teve a valiosa ajuda de D.
Glória, uma grande amiga de sua finada mulher, para o término da criação das
filhas. Ela também é uma viúva e de boa família, mas, contrariando todos os
mexericos e expectativas da comunidade, os dois não se casaram. Não havia
necessidade, tampouco desejo da parte de Sr. Walter. Ele se considerava um bom
pai e viveria o resto de sua vida em função das filhas, sobretudo da mais
velha, fisicamente semelhante à mãe, mas de temperamento e caráter iguais ao
seus. Mariah havia se casado na primeira boa oportunidade que teve, e Anne…
Bem, Anne sempre esteve a cargo de D. Glória, sua madrinha de batismo. Embora
fosse a imagem e semelhança do pai, ele não tinha paciência para os arroubos de
Anne e seu diferente jeito de ser.
No momento, irritava-se facilmente com os pitacos que
a filha dava em relação à situação financeira da família.
— A fazenda não produz como antes. Na verdade, não
produzimos nada de relevante, não nos automatizamos e gastamos muito dinheiro
com frivolidades! – Dizia Anne.
— Elisabeth é uma ótima senhora para a Fazenda Élio. Se os
negócios vão mal, a culpa é da economia brasileira, que está em frangalhos! –
Defendia o Sr. Walter.
— Querido pai, não podemos culpar a economia pelos gastos
frequentes e as festas que vocês dão. Daqui a pouco, não teremos como pagar os
salários dos empregados! A melhor saída, como eu já disse mais de uma vez, é
arrendar a fazenda. Pelo menos parte dela. O Dr. Gonçalo tem algumas pessoas
para nos indicar. Vamos ouvi-lo!
Dr. Walter se enfurecia toda vez que percebia que Anne tinha
razão. A serenidade com a qual ela lidava com a situação o fazia quase
detestá-la. Certamente não se importava em deixar a fazenda, se virava bem no
meio de gente pobre, e se achava independente, pois tinha um emprego. Mas
Elisabeth, pobre Elisabeth, o que seria dela, e dele próprio, não podendo mais
serem os senhores da Fazenda Élio? Infelizmente não tinham saída, teriam de
arrendar a fazenda. Mas seria por pouco tempo, tinha certeza. Seriam férias do
campo! Enquanto isso, viveriam em uma casa não muito longe dali, uma residência
mais modesta, comparada à sede da fazenda. Muito bem localizada, essa casa
ficava de frente para o Paço Municipal e suas belas árvores e mesinhas de jogar
xadrez.
***
— Dr. Walter, tenho os arrendatários perfeito para o senhor!
– Disse o animado advogado da família, Dr. Gonçalo. – Um militar aposentado e
sua esposa. Não têm filhos e desejam a calmaria do interior. Não tendo achado
uma propriedade para comprar, estão dispostos a arrendar a Fazenda Élio; a área
da casa grande, os estábulos e uma parte do campo onde fica o pomar. A parte
agrícola, como o Sr. sabe, será arrendada para a indústria.
— E esse militar por acaso tem dinheiro? – Perguntou Sr.
Walter.
— Sim, e muito! Nem quis negociar. É de família abastada, se
afastou da Aeronáutica por problemas de visão, pelo o que eu pude entender. –
Disse o advogado.
Sr. Walter bufou e debochou, sob o olhar de reprovação de
Anne:
— Então um velho cegueta vai ser o senhor da minha fazenda?
— De maneira alguma, Dr. Walter. Ele não é cego, nem velho.
Bem, deve ter a idade do senhor, talvez um pouco menos. – Dr. Gonçalo riu e
logo se envergonhou com o olhar crítico de Sr. Walter. – Ele saiu da
Aeronáutica porque lá não admitem pilotos com problemas de visão que podem se
agravar com o tempo. E ele já tinha muitos anos de serviço, pelo que pude
apurar. Ademais, o cunhado dele conhece bem a região. É um renomado
veterinário, cuidará dos cavalos enquanto estiver aqui. Andrade é o sobrenome
dele, mas não me recordo o nome.
Sr. Walter franziu o cenho ao perceber Anne pálida como um
fantasma.
— Não conheço ninguém com esse sobrenome. – Disse Sr.
Walter.
— Frederick. O nome dele é Frederick. – Respondeu Anne de
forma quase inaudível.
— Ah, então vocês o conhecem? Ótimo! Vou dar andamento à
papelada e em breve lhe procuro, Dr. Walter, para finalizarmos a transação e
assinarmos o contrato.
Sr. Walter acompanhou o advogado até a saída e foi tratar
com Elisabeth os detalhes da decoração da casa da cidade, pois vários objetos
teriam de ser substituídos ou acrescentados, agora que a família Elias estava
de mudança. Anne ficara jogada em sua poltrona favorita, com o pensamento
apenas em uma pessoa.
— Em pouco tempo ele estará aqui novamente. Fred estará
aqui.
Jane Austan