«A Dama do Leque»
Dama com Leque/ Picasso
1135- «A DAMA DO LEQUE»
Tchonang-Tsen, nascido em Sung, era letrado que levava sua
sabedoria ao desprendimento mesmo de todas as coisas terrenas.
Uma manhã, quando errava, à aventura, pela encosta florida
da montanha, viu-se, com surpresa no meio de um cemitério, onde, segundo os
costumes do país, os mortos repousavam sob montículos de terra revolvida. O
sábio meditou sobre o destino dos homens.
— Ah! — exclamou. — Eis aqui a encruzilhada onde terminam
todos os caminhos da vida. Quando, uma vez, se tomou lugar na morada dos
mortos, já não se pode volver à luz.
Enquanto assim divagava seu pensamento através das tumbas,
ele, de repente, se achou ao lado de uma jovem senhora vestida de luto, quer
dizer — trajando um amplo vestido branco de fazenda ordinária e sem costura.
Sentada próximo a um túmulo, ela agitava um leque branco sobre a terra fresca
de um montículo funerário.
Curioso por conhecer os motivos de um ato tão original,
Tchomang-Tsen saudou-a amavelmente e perguntou-lhe:
— Permite-me, senhora, perguntar-lhe que pessoa repousa
tumba e por que se dá ao exaustivo trabalho de abanar a terra que a cobre?
A dama continuou a agitar o leque. Ruborizou-se, baixou a
cabeça e murmurou algumas palavras que o sábio não pôde ouvir. E repetiu a
pergunta por várias, mas em vão.
Tchonang-Tsen afastou-se com sentimento. Achava-se inclinado
a sondar móveis das acções humanas e particularmente as das mulheres. Estas lhe
inspiravam uma curiosidade brincalhona, mas muito viva e sagaz... Prosseguiu
lentamente no seu passeio, voltando a cabeça para ver ainda o leque que agitava
o ar como a asa de uma e mariposa, quando, de súbito, uma velha a que não tinha
visto, até então, lhe fez sinal para a seguisse.
— Escutei-o fazer uma pergunta à minha ama e à qual ela não
respondeu. Mas eu satisfarei a sua curiosidade.
Tchonang-Tsen tirou uma moeda da carteira e a velha falou
assim:
— Esta senhora, é a senhora Lu, viúva de um letrado chamado
Tao, que morreu ha quinze dias, depois de longa enfermidade, e aquela tumba é
de seu marido. Ambos amavam-se carinhosamente. O senhor Tão não podia
conformar-se em deixá-la só no mundo na flor da idade e em pleno esplendor de
beleza. Essa ideia era-lhe intolerável. A senhora Lu chorava, à cabeceira da
cama. Tomava os deuses como testemunha para assegurar-lhe que não lhe
sobreviveria.
Mas o sr. Tão lhe disse:
— Senhora, não faça esse juramento.
— Ao menos — replicou ela — se estou condenada pelos génios
a continuar a viver, saiba que não consentirei jamais em ser a mulher de
qualquer outro homem e que não terei mais que um esposo como não tenho mais que
uma alma.
Mas o senhor Tão lhe disse:
— Senhora, não faça esse juramento.
— Oh, senhor Tão, senhor Tão! Deixe-me ao menos jurar que
durante cinco anos completos não tornarei a casar-me.
— Senhora, não faça esse juramento — disse o moribundo. —
Jure somente que guardara fidelidade à minha memória apenas enquanto a terra
não tiver secado sobre o meu túmulo.
A senhora Lu jurou solenemente e o bom do senhor Tão cerrou
os olhos para não mais os abrir. O desespero da senhora Lu foi superior a
quanto se possa imaginar. Lágrimas ardentes devoravam seus olhos. Com suas
unhas pontiagudas lacerava suas faces de porcelana. Mas, tudo logo estancou.
Três dias depois a tristeza da senhora Lu tornava se mais humana. Soube que um
jovem discípulo do senhor Tão desejava apresentar-lhe seus sentimentos de
pesar. Julgou, com razão, que não poderia escusar-se de recebê-lo. E recebeu-o
suspirando. Esse moço era muito elegante e tinha bela figura. Falou-lhe um
pouco do senhor Tao e muito dela. Disse-lhe que era encantadora e que muito a
amava. Prometeu voltar. Esperando-o, a senhora Lu, sentada à beira da tumba de
seu marido, onde o senhor a viu, passa todo o dia a fazer secar a terra do
sepulcro com o vento de seu leque.
Quando a velha terminou seu relato, o sábio Tchonang-Tsen
pensou:
— A mocidade é curta. Alem do mais a senhora Lu e uma pessoa
honesta que não quer trair seu juramento. É um exemplo para multas mulheres...
Anatole France
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