segunda-feira, 11 de março de 2019

OUTROS CONTOS

«Os Olhos do Poeta», por Manuel da Fonseca.

«Os Olhos do Poeta»
Poema de Manuel da Fonseca

1251- «OS OLHOS DO POETA»

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.

Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.

Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:

 todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.

Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.

E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Manuel da Fonseca

Obs- Tive o prazer de conhecer pessoalmente o escritor na escola do Alandroal quando aí foi fazer uma palestra... trocámos algumas palavras sobre a escrita, e rematou a conversa com: «Escreva, escreva sempre!» Pessoa extraordinária, de grande sensibilidade e muito afável!
Poet'anarquista

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