segunda-feira, 17 de agosto de 2015

OUTROS CONTOS

«Conto do Papagaio», por Rabindranath Tagore.

«Conto do Papagaio»
Instrumentos Musicais e Papagaio/ Detalhe 
Jean-Baptiste Simeon Chardin

593- «CONTO DO PAPAGAIO»

Era uma vez um pássaro iletrado que vivia em certo reino. Ele cantava canções, mas nunca leu as Sagradas Escrituras. Ele saltitava por todos os lados e voava, mas não tinha nenhum senso de etiqueta, costumes e convenções. O rei proclamou, “Tal pássaro não tem nenhuma serventia. Ele apenas come os frutos no pomar, e as frutas reais são perdidas para venda no mercado!” Ele intimou seu ministro e ordenou, “Dê um pouco de educação a este pássaro!”

Coube, assim, ao sobrinho do rei a tarefa de educar o pássaro.

Este, então, chamou pessoas eruditas que passaram horas sem fim discutindo qual poderia ser a causa do analfabetismo daquela ave. Chegaram todos à conclusão de que muita aprendizagem não podia ser fornecida ao pássaro porque o ninho que ele construía com galhos finos e palhas era demasiado pequeno. Por isto, em primeiro lugar, deveriam construir uma boa gaiola para a ave.

Os eruditos receberam uma ampla recompensa por suas deliberações e retornaram para suas casas alegremente.

O ourives começou a construir uma gaiola dourada. Resultou disto algo tão novo e esquisito que pessoas, até das terras mais distantes, se apressaram a dar uma olhada. Alguns disseram, “isto é o mais próprio para a educação”, e outros disseram, “com Educação ou não, pelo menos ganhou uma grande gaiola! Que pássaro feliz!”

O ourives recebeu um saco cheio de recompensas. Ele apressou-se em retornar à sua casa, alegremente.

O erudito, então, veio para educar o pássaro. Um ideia lhe ocorreu, assim, e declarou, “faltam alguns livros”.

O sobrinho intimou os escribas. Estes copiaram montões de manuscritos, como montanhas de livros, e muitas outras cópias foram feitas. Aqueles que viram aquilo disseram, “Bravo! Que aprendizagem abundante!”

Os escribas encheram suas algibeiras com recompensas. Eles retornaram às suas casas; e nem eles, nem seus descendentes, tiveram mais com que se preocupar até os fins de suas vidas!

O sobrinho estava sempre muito ocupado, fazendo infinitas coisas sobre a muito preciosa gaiola dourada. Os reparos eram muito frequentes. À parte disto, havia de lavar e limpar e polir a gaiola, regularmente mantida para a pompa. Tanto que todos admitiram, “Mas que progresso e sinais de melhorias!”

Centenas de pessoas foram empregadas, e para controlar todos esses empregados, outras centenas mais foram contratadas. Mês após mês, enchiam suas mãos de moedas e seus peitos de gordos salários. Eles, seus irmãos, irmãs e primos, e os seus parentes por afinidade e os meio-irmãos estavam muito felizes e teciam colchas luxuosas e viviam em plena opulência e felicidade.

Mesmo que no mundo falte muitas outras coisas, sempre há muitos críticos à volta. E estes disseram, “a gaiola continua cada vez melhor, mas ninguém se preocupa com o pássaro”.

Tais palavras chegaram ao ouvido do rei. Ele chamou seu sobrinho e disse, “Meu caro Sobrinho! O que é isto que tenho ouvido?”

O sobrinho disse, “Majestade Real! Se tu realmente queres saber a verdade, então chama o ourives, os eruditos e os escribas, convoca os artífices que mantêm a gaiola e seus supervisores. Os críticos não podem fazer duas coisas ao mesmo tempo, censurar e dizer disparates.”

A situação ficou absolutamente clara para o Rei, e o sobrinho foi recompensado com um colar dourado imediatamente.

O Rei quis ver por si mesmo a tremenda velocidade com que a educação era transmitida.
Deste modo, um dia, ele mesmo foi visitar a jaula, com a sua corte e ministros.
Tão logo o Rei aproximou-se do edifício, houve um barulhento coro de sinos, tambores e harpas, flautas e liras, e uma enorme cacofonia de centenas de instrumentos musicais para anunciar a chegada real. Os eruditos balançaram seus rabos de porco e começaram a cantar hinos em vozes altíssimas. Os reparadores, os ourives, os escribas, os supervisores, e todos os seus parentes levantaram as suas vozes para saudar a chegada do rei.

O sobrinho perguntou, “Majestade! Que pensas disto?”

O Rei respondeu, “Maravilhoso, de fato! Que som!”

O sobrinho disse, “Não é apenas o som, Majestade! Há muito dinheiro por trás disto!”

O Rei parecia extremamente satisfeito. Ele cruzou os limites do local e quando estava prestes a montar seu elefante para retornar, foi que um crítico real escondido em um arbusto sussurrou, “Sua Majestade Real viu o pássaro?”

O Rei ficou assustado, “Oh, meu! Esqueci-me totalmente! Não vi o pássaro!”

Ele retornou e disse ao erudito, “Quero ver como você ensina o pássaro.”

Ele viu e ficou muito satisfeito com o processo de educação.

O método era tão grandioso, que o pássaro nem foi notado; melhor, bastante o suficiente, tanto que nem era necessário ver o pássaro.

O rei compreendeu que não havia carência nos planos. A gaiola não tinha nenhuma comida ou água. Apenas resmas de páginas de centenas de manuais estavam rasgadas e eram empurradas bico abaixo da ave, com ajuda de canetas e penas. O pássaro não só não podia cantar, como também até não podia gritar. O processo era muito excitante.

Desta vez, quando o rei montou em seu elefante para voltar, ordenou que o perito da real puxação-de-orelhas puxasse as orelhas, severamente, do crítico real.

Com o passar dos dias, de modo previsível, o pássaro suavemente tornou-se semimorto. Os guardiões perceberam que a situação era muito esperançosa. Ainda assim, devido aos seus maus hábitos e à sua natureza selvagem, o pássaro via ocasionalmente o sol da manhã e batia suas asas de um modo muito sujeito a objeções. Às vezes, parecia até que a frágil ave tentava libertar-se da jaula, quebrando as varas com seu bico doentio.

O policial administrador disse, “Mas que demonstração de indisciplina!”

Pelo sim, pelo não, o ferreiro foi chamado à escola com o fole, o fogo e o martelo. Deu golpes espetaculares! A jaula foi reforçada, e as asas do pássaro foram cortadas.

Os parentes reais proclamaram, com as suas bocas escancaradas, “neste país, veja bem, os pássaros não são só indisciplinados e estúpidos, mas também são ingratos!”

E, logo, os eruditos vieram com um lápis numa mão e uma lança na outra, e fizeram algo que foi chamado de verdadeira educação!

O ferreiro tornou-se próspero. Sua esposa vestiu-se e adornou-se de dourados. O policial administrador, por sua precaução, foi ricamente recompensado pelo rei.

O pássaro morreu. Ninguém soube quando. Aquele crítico infame espalhou o rumor, “O pássaro está morto!”

O rei chamou seu sobrinho, e perguntou novamente, “Caro sobrinho, mas o que ouço?”

O sobrinho respondeu, “A educação do pássaro está completa agora, Majestade!”

O Rei perguntou, “E ele não pula mais?”

O sobrinho disse, “Pelos Céus, não!”

“Ele ainda voa?”

“Não!”

“Ele não mais canta?”

“Não!”

“Ele grita se não consegue seus alimentos?”

“Não!”

O Rei disse, ”Traga-me o pássaro, quero vê-lo eu mesmo!”

O pássaro foi levado ao rei. Junto com o pássaro vieram o chefe de Polícia, os sentinelas, os cavaleiros. O rei apertou o pássaro. Ele não abriu a boca, não proferiu nenhum som. Somente os papéis ressecados dos livros sussurraram em seu estômago.

Fora do palácio, as flores de Primavera exalavam seus suspiros levados pelo gentil vento sul que soprava as jovens verdes folhas que preenchiam o céu profundo e o vale estreito.

Rabindranath Tagore

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