terça-feira, 18 de agosto de 2015

OUTROS CONTOS

«A Última Dádiva», por Trindade Coelho.

«A Última Dádiva»
O Abraço

594- «A ÚLTIMA DÁDIVA»

«- Pois são horas de largar, Sr. José, isto vai prás duas. Não tarda que comece a amanhecer. - E como estavam à porta de casa: - Será bom acordar já o pequeno: veste, não veste, é tempo que se vai. - Iam à vela se o tempo não mudasse. Era bom aviar, por isso.

Mas, à ideia de ter de acordar o pequeno, o José Cosme deixou-se cair pelo banco que estava debaixo do alpendre e desatou a chorar violentamente.

O barqueiro tentou animá-lo, constrangido:

- Então, Sr. José?... O chorar é lá para as mulheres! Olhem agora que homem! - E tentava levantá-lo, pô-lo de pé. - Limpe lá essas lágrimas que vai afligir o pequeno! Ou quer que ele vá a chorar todo o caminho?

O Cosme fez que não com a cabeça, violentamente, e pôs-se a enxugar os olhos com a manga da camisa.

- Pois então levante-se lá. - E segurou-o com força por baixo dos braços. Assim! Lá porque o pequeno vai para o Brasil, não fique vossemecê a pensar que o não torna a ver!

Mas era isso mesmo o que ele pensava...

- Porque não sei que me adivinha que não torno a ver o pequeno! - concluiu a chorar o José Cosme.

- Cismas!, lembranças que vêm à gente quando está aflita. Mas há-de vê-lo que o não há-de conhecer, digo-lho eu! Mais ano mesmos ano, aparece-lhe aí rico...

“Rico! Bem lhe importava a ele que o pequeno viesse rico! O que desejava era que voltasse e que ele ainda fosse vivo só para o abraçar.”

[...]

O José Cosme acendeu então a candeia, receoso de que a luz o acordasse, e achegando-se do filho pôs-se a escutar-lhe a respiração. Dormia!... Mas brandamente pousou-lhe a mão sobre a cabeça, e chamou baixinho, quase ao ouvido, beijando-o, sobressaltado, como se fosse praticar um grande crime:

- Filho, olha que são horas, meu filho...»

Trindade Coelho

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