E a música especial de hoje é...
(Dedicada ao dia de São Valentim, dia dos Namorados)
SÉRGIO GODINHO - «Namoro»
Poet'anarquista
NAMORO
(Poema de Viriato da Cruz)
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
«Por ti sofre o meu coração»
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbado, sujo, e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
«- Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?»
E perdido me deram no morro da Samba.
E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário
Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: «Aí Benjamim!»
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
Sérgio Godinho
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
«Por ti sofre o meu coração»
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbado, sujo, e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
«- Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?»
E perdido me deram no morro da Samba.
E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário
Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: «Aí Benjamim!»
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
Sérgio Godinho
2 comentários:
Mais um grande momento no Poet'anarquista!
Poeta
«....estas raparigas, quando despem as batas, toma-lhes o demónio o corpo e a cabeça....» disse a velha freira ao ver aquele trio de moças que, ao passarem o portão da Missão, mais pareciam três pardais à solta. Madre Angélica, a responsável da Missão, olhou para a freira e, com paciência, disse: «....e quando queria a Irmã que elas pecassem?... e que razão teria a confissão se não existissem pecados?»
A Missão ficava no meio de uma muito arborizada quinta situada entre as traseiras do Hospital Central da cidade e as barrocas da Samba. Tinha anexa uma fábrica de velas, alojada num velho casarão, que fornecia todas as igrejas da diocese. «....deixe lá as saias curtas e os modos rebeldes e lembre-se que são as nossas melhores operárias, e boas raparigas, ainda por cima....» acrescentou a jovem madre, pois de mulher ainda nova se tratava.
E ali ficaram, Madre nova e Irmã velha, por entre as grades do portão da Missão, a olhar as três raparigas que, "sob o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas", se encaminhavam para a paragem do machimbombo.
Ainda a década de sessenta era uma criança, enquanto o Sérgio ensaiava os seus primeiros acordes, preparando-se para uma carreira gloriosa, e já a protagonista do "namoro" zombava dos sentimentos de Benjamim, sabendo embora que mais cedo ou mais tarde lhe cairia nos braços.
Era à porta dessa fábrica de velas que o Benjamim a esperava, ofertando-lhe prendas e amores, pagando-lhe doces, sentando-se no Largo Afonso Henriques (vejam só o nome da praça!), afagando-lhe as mãos.
Depois era a corrida para o machimbombo que levaria aquelas três meninas para o Bairro Operário, mas, atenção, só até ao fim do asfalto. Depois era rua de pó vermelho, pois musseque não tinha direito a mordomias.
Ela, provocante e descarada, ficava soprando beijos da palma da mão, enquanto o Benjamim arrepelava a carapinha, e o autocarro se perdia na curva da Samba.
Um namoro, autenticamente!
O. W. Calabrese
Enviar um comentário