terça-feira, 17 de setembro de 2013

«UM POVO RESIGNADO E DOIS PARTIDOS SEM IDEIAS»

Guerra Junqueiro, poeta e escritor português representante da chamada «Escola Nova», nasceu em Freixo de Espada à Cinta, a 17 de Setembro de 1850. Ajudou com a sua poesia a criar um ambiente revolucionário que levou à implantação da República. É precisamente com texto poético panfletário (Um Povo Resignado e Dois Partidos Sem Ideias), que hoje lhe presto honras no Poet'anarquista. A poesia é uma arma...
Poet'anarquista
Caricatura de Guerra Junqueiro
   Poeta Português

UM POVO RESIGNADO E DOIS PARTIDOS SEM IDEIAS

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. 

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. 

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se moldando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar. 

Guerra Junqueiro, in 'Pátria (1896)' 

2 comentários:

Anónimo disse...

Até parece que o texto foi escrito hoje, não acham?

Anónimo disse...

Sensacional o texto que assenta que nem luva ao povo e ao poder político... Que dia é hoje?