«Anne»
Jane Austen por Cassandra Austen
1338- «ANNE»
Capítulo 1
Minas Gerais, século XXI.
Quando se cansava de ler sobre seus antepassados, lia fatos de
sua própria história, sempre muito bem narrados pelos jornalistas em nível
regional e até nacional. Eis um trecho da biografia do respeitável senhor
publicada pelo jornal Estado de Minas Gerais:
Sr. Walter tão logo enviuvou, teve a valiosa ajuda de D.
Glória, uma grande amiga de sua finada mulher, para o término da criação das
filhas. Ela também é uma viúva e de boa família, mas, contrariando todos os
mexericos e expectativas da comunidade, os dois não se casaram. Não havia
necessidade, tampouco desejo da parte de Sr. Walter. Ele se considerava um bom
pai e viveria o resto de sua vida em função das filhas, sobretudo da mais
velha, fisicamente semelhante à mãe, mas de temperamento e caráter iguais ao
seus. Mariah havia se casado na primeira boa oportunidade que teve, e Anne…
Bem, Anne sempre esteve a cargo de D. Glória, sua madrinha de batismo. Embora
fosse a imagem e semelhança do pai, ele não tinha paciência para os arroubos de
Anne e seu diferente jeito de ser.
No momento, irritava-se facilmente com os pitacos que
a filha dava em relação à situação financeira da família.
— A fazenda não produz como antes. Na verdade, não
produzimos nada de relevante, não nos automatizamos e gastamos muito dinheiro
com frivolidades! – Dizia Anne.
— Elisabeth é uma ótima senhora para a Fazenda Élio. Se os
negócios vão mal, a culpa é da economia brasileira, que está em frangalhos! –
Defendia o Sr. Walter.
— Querido pai, não podemos culpar a economia pelos gastos
frequentes e as festas que vocês dão. Daqui a pouco, não teremos como pagar os
salários dos empregados! A melhor saída, como eu já disse mais de uma vez, é
arrendar a fazenda. Pelo menos parte dela. O Dr. Gonçalo tem algumas pessoas
para nos indicar. Vamos ouvi-lo!
Dr. Walter se enfurecia toda vez que percebia que Anne tinha
razão. A serenidade com a qual ela lidava com a situação o fazia quase
detestá-la. Certamente não se importava em deixar a fazenda, se virava bem no
meio de gente pobre, e se achava independente, pois tinha um emprego. Mas
Elisabeth, pobre Elisabeth, o que seria dela, e dele próprio, não podendo mais
serem os senhores da Fazenda Élio? Infelizmente não tinham saída, teriam de
arrendar a fazenda. Mas seria por pouco tempo, tinha certeza. Seriam férias do
campo! Enquanto isso, viveriam em uma casa não muito longe dali, uma residência
mais modesta, comparada à sede da fazenda. Muito bem localizada, essa casa
ficava de frente para o Paço Municipal e suas belas árvores e mesinhas de jogar
xadrez.
***
— Dr. Walter, tenho os arrendatários perfeito para o senhor!
– Disse o animado advogado da família, Dr. Gonçalo. – Um militar aposentado e
sua esposa. Não têm filhos e desejam a calmaria do interior. Não tendo achado
uma propriedade para comprar, estão dispostos a arrendar a Fazenda Élio; a área
da casa grande, os estábulos e uma parte do campo onde fica o pomar. A parte
agrícola, como o Sr. sabe, será arrendada para a indústria.
— E esse militar por acaso tem dinheiro? – Perguntou Sr.
Walter.
— Sim, e muito! Nem quis negociar. É de família abastada, se
afastou da Aeronáutica por problemas de visão, pelo o que eu pude entender. –
Disse o advogado.
Sr. Walter bufou e debochou, sob o olhar de reprovação de
Anne:
— Então um velho cegueta vai ser o senhor da minha fazenda?
— De maneira alguma, Dr. Walter. Ele não é cego, nem velho.
Bem, deve ter a idade do senhor, talvez um pouco menos. – Dr. Gonçalo riu e
logo se envergonhou com o olhar crítico de Sr. Walter. – Ele saiu da
Aeronáutica porque lá não admitem pilotos com problemas de visão que podem se
agravar com o tempo. E ele já tinha muitos anos de serviço, pelo que pude
apurar. Ademais, o cunhado dele conhece bem a região. É um renomado
veterinário, cuidará dos cavalos enquanto estiver aqui. Andrade é o sobrenome
dele, mas não me recordo o nome.
Sr. Walter franziu o cenho ao perceber Anne pálida como um
fantasma.
— Não conheço ninguém com esse sobrenome. – Disse Sr.
Walter.
— Frederick. O nome dele é Frederick. – Respondeu Anne de
forma quase inaudível.
— Ah, então vocês o conhecem? Ótimo! Vou dar andamento à
papelada e em breve lhe procuro, Dr. Walter, para finalizarmos a transação e
assinarmos o contrato.
Sr. Walter acompanhou o advogado até a saída e foi tratar
com Elisabeth os detalhes da decoração da casa da cidade, pois vários objetos
teriam de ser substituídos ou acrescentados, agora que a família Elias estava
de mudança. Anne ficara jogada em sua poltrona favorita, com o pensamento
apenas em uma pessoa.
— Em pouco tempo ele estará aqui novamente. Fred estará
aqui.
Jane Austan
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