«O Pacote Vermelho»
Pintura a Sangue e Urina/
Vinicius Quesada
Vinicius Quesada
1044- «O PACOTE VERMELHO»
O meu sangue transformou-se em tinta. Era preciso impedir a
todo o custo essa nojeira. Estou envenenado até aos ossos. Cantava no escuro, e
agora é o canto o que me mete medo. Mais ainda: estou leproso. Sabem daquelas
manchas de humidade que parecem um perfil? Não sei que encanto da lepra engana
o mundo e o autoriza a beijar-me. Pior para ele! As consequências não me dizem
respeito. Nunca exibi senão chagas. Fala-se de graciosa fantasia: a culpa é
minha. É loucura alguém exibir-se inutilmente.
A minha desordem empilha-se até ao céu. Os que eu amei existiam pendurados do
céu por um elástico. Voltasse eu a cabeça... e já lá não estavam.
De manhã, debruço-me, debruço-me, e deixo-me cair. Caio de fadiga, de dor, de
sono. Sou inculto, nulo. Não sei um número, uma data, um nome de rio, uma
língua, viva ou morta. Tenho zero em geografia e em história. Se não fossem uns
passes de mágica, corriam comigo. Além do mais, roubei os documentos a um tal
J.C., nascido em M.L., no dia......, e que morreu com dezoito anos, depois de
uma brilhante carreira poética.
Esta cabeleira, este sistema nervoso, mal implantados, esta França, esta terra,
não me pertencem. Dão-me agonias. Sempre os dispo à noite, em sonhos.
Pois aqui largo o pacote. Que me fechem num hospício, que me linchem. Quem
puder que entenda. Eu sou uma mentira que diz sempre a verdade.
Jean Cocteau
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