«A Bela e a Cobra»
(Contos Populares e Lendas)
1045- «A BELA E A COBRA»
Era uma vez um rei que tinha três filhas, uma das quais
era muito formosa e ao mesmo tempo dotada de boas qualidades. Chamava-se
Bela. O rei tinha sido muito rico, mas, por causa de um naufrágio, ficou
completamente pobre. Um dia foi fazer uma viagem; antes porém perguntou às
filhas o que queriam que ele lhes trouxesse.
– Eu, disse a mais velha, quero um vestido e um chapéu de
seda.
– Eu, disse a do meio, quero um guarda-sol de
cetim.
– E tu que queres? – perguntou ele à mais nova.
– Uma rosa tão linda como eu, respondeu ela.
– Pois sim, disse ele. E partiu. Passado algum tempo trouxe
as prendas de suas filhas, disse à mais nova:
– Pega lá esta linda rosa. Bem cara me ficou ela!
Bela ficou muito preocupada e perguntou ao pai por que é que
lhe tinha dito aquilo. Ele, a princípio, não lho queria dizer, mas ela tantas
instâncias fez, que ele lhe respondeu que no jardim onde tinha colhido aquela
rosa encontrou uma cobra, que lhe perguntou para quem ela era; que ele lhe
respondeu que era para a sua filha mais nova e ela lhe disse que lha havia de
levar, se não que era morto. Depois disse ela:
– Meu pai, não tenha pena, que eu vou.
Assim foi. Logo que ela entrou naquele palácio, ficou
admirada de ver tudo tão asseado, mas ia com muito medo. O pai esteve lá um
pouco de tempo e depois foi-se embora. Bela, quando ficou só, foi a uma sala e
viu a cobra. Ia deitar-se quando começaram a ajudá-la a despir. Estava ela na
cama quando sentiu uma coisa fria; deu um grito e disse-lhe uma voz:
– Não tenhas medo.
Em seguida foi ver o que era e apareceu-lhe uma cobra.
Ela,
a princípio,assustou-se, mas depois começou a afagá-la. Ao outro dia de manhã
apareceu-lhe a mesa posta com o almoço. Ao jantar viu pôr a mesa, mas não viu
ninguém; a noite foi-se deitar e encontrou a mesma cobra. Assim viveu durante
muito tempo, até que um dia foi visitar o pai; mas quando ia a sair ouviu
uma voz que lhe disse:
– Não te demores acima de três dias, senão morrerás.
Ia a continuar o seu caminho e já se esquecia do que a voz
lhe tinha dito. Chegou a casa do pai. Passaram três dias quando se lembrou que
tinha de tornar; despediu-se de toda a sua família e partiu a galope; chegou lá
à noite, foi-se deitar, como tinha de costume, mas já não sentiu o tal
bichinho. Cheia de tristeza, levantou-se pela manhã muito cedo, foi procurá-lo
no jardim e qual não foi a sua admiração vendo-o no fundo dum poço! Ela começou
a afagá-lo chorando; mas, quando chorava, caiu-lhe uma lágrima no peito da
cobra; assim que a lágrima lhe caiu a cobra transformou-se num príncipe, que ao
mesmo tempo lhe disse:
– Só tu, minha donzela, me podias salvar! Estou aqui há uns
poucos de anos e, se tu não chorasses sobre o meu peito, ainda aqui
estaria cem anos mais.
O príncipe gostou tanto dela que casou com ela e lá viveram
durante muitos anos.
José Leite de Vasconcelos
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