«Os Óculos»
Pintura de Ernesto Frederico Scheffel
1126- «OS ÓCULOS»
O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios
professores da Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e
formosa Clarice... Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual
a origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha
e se estiola.
A bela Clarice!... É casada há seis meses com o gordo João
Paineiras, o conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam
na Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca deixam o
seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela mingua, e
emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela
Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela,
mais forte vai ficando ele, o João dos óculos, — um
latagão que vende saúde aos quilos. Assusta-se a família da
moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que não sabe... que não
compreende... porque, enfim, — que diabo! — se a culpa fosse
sua, ele também estaria na espinha...
E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios
professores da Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o
mistério. Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível.
E na alcova, demorado e minucioso exame continua.
Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua
do peito da enferma, auscultou longamente os seus pulmões delicados: já,
levemente apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso,
ténue como um fio de seda... Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da bela
Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta,
o resto... De repente — que é aquilo que o velho e
austero doutor percebe na pele, abaixo... abaixo...abaixo do ventre?...
Leves escoriações, quase imperceptíveis arranhaduras avultam aqui e ali
vagamente... nas coxas...
O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a
calva, olha fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de
pudor:— Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato? E a bela
Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de musselina como n’uma
nuvem, balbucia, corando:
— Não! Não é nada... não sei... isto é... talvez seja
dos óculos do João...
Olavo Bilac
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