«As Suspeitas dum Bravo Capitão»
Excerto de Conto
1178- «AS SUSPEITAS DUM BRAVO CAPITÃO»
– Mas, meu comandante – gaguejou o capitão Clemente – logo
agora, que a minha mulher veio para cá...
– Mas você fica lá só uns dias, homem! Há meses que não se ouve um tiro para
aquelas bandas... a situação melhorou é o que toda a gente diz.
O capitão Clemente partiu desmoralizado e começou a portar-se mal diante da
escolta que o acompanhou ao cais, chegando ao ponto de gemer de voz embargada:
– Agora é que não torno a ver a minha mulher nem os meus filhos...
Ao cair brusco da noite, encontrava-se no seu novo e miserável posto de
comando, enclausurado pelo arame farpado, remoendo angústias, ao centro do
improvisado quartel: um abrigo subterrâneo com duas toscas divisões, uma saleta
quase desmobilada, separada do quarto por uma vedação de bambu mal
entrançado... Mais tarde quando deu as boas noites aos alferes e se fechou no
quarto, voltaram-lhe à memória as fábulas incertas, tão incertas quanto
divulgadas em terras da Guiné: dezenas de mortos e feridos: a Cavalaria a
atolar-se, a Artilharia a esquivar-se, a Infantaria a imolar-se. Às duas da
manhã, porque era preciso poupar combustível, as lâmpadas extinguiram-se e a
geradora deixou de arquejar. O capitão Clemente chamou a sentinela e
recomendou-lhe vigilância; que não abandonasse a porta da tabanca. A sentinela
limitou-se a acenar afirmativamente. Que imbecis! E as latrinas haviam
mergulhado no escuro, lá para o outro extremo. Que criminosos! Nem havia uma
privada para uso privado do comandante.
O capitão Clemente começou a sentir dores de barriga. Tinha medo, é certo; mas
a causa daquelas cólicas devia ser o mau estão do jantar: uns feijões embrulhados
em farrapos de carne duvidosa... o capitão Clemente dormiu pessimamente,
revolvendo-se na cama dura, sentir atolar na água negra do canal. Muito cedo, a
passarada desatou a chilrear. O Sol, finalmente, viria trazer-lhe um pouco de
alento, depois do horrível negrume daquela noite memorável.
O capitão espreitou por uma nesga da porta e avistou a sentinela. Com um berro
indignado, onde perpassavam a aspereza e o peso do comando, mandou que o
militar se aproximasse:
– Entra, que temos de conversar!
O soldado mal abria os olhos atordoados, pois acabara de render um camarada:
– Estás a ver aquilo, pá?
Hirto, solene, o capitão Clemente apontava um canto do quarto, onde alguns
cagalhões se cavalgavam.
– Põe-te em sentido! – uivou a indignação do bravo capitão Clemente.
O soldado obedeceu, boquiaberto.
– E agora – rematou o bravo capitão, mais que fera – responde! Quem foi o filho
da puta que fez uma coisa destas?
José Martins Garcia
1 comentário:
Bonito conto.
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