sábado, 15 de novembro de 2014

OUTROS CONTOS

«O Espelho», por Sacha Guitry.

«O Espelho»
Pintura de Vik Muniz

328- «O ESPELHO»

Esta aconteceu na China. Um chinês preparava-se para ir ao mercado, que fica a alguns dias de viagem. Está anoitecendo. O chinês despede-se da mulher.

— Até à volta, Mel de Crisântemo. Que quer que lhe traga do mercado?

— Eu queria um pente.

— Um pente? Está bem. Mas eu tenho que comprar tanta coisa, como é que me vou lembrar?

— Não precisará mais do que olhar para a lua. Veja: a lua é crescente. Pois bem, o pente que eu quero é exatamente da forma da lua crescente.

— Até à volta.

E o chinês parte. Chega ao mercado. Faz suas compras. Terminando-as, já bem tarde, lembra-se da promessa, mas não se lembra muito bem do objeto desejado pela mulher.

Encontra-se, nesse momento, junto de um mercador e lhe diz:

— Pois veja só: prometi levar um presente a minha mulher, mas não me lembro mais o que foi. Ah! sim, espera. Estou-me lembrando agora que ela me disse para olhar a lua.

— Olhe, é lua cheia.

(A lua, que estava no seu primeiro quarto no dia da partida do chinês, agora era cheia).

— Deve ser um objeto redondo.

E o chinês compra um espelho, paga-o, faz um pacote e põe-se a caminho para a volta.

Ao chegar em casa, diz-lhe a mulher:

— Bom dia, meu marido. Trouxe-me o que eu lhe pedi? 

— Naturalmente. Aqui está.

E o chinês dá o pacote à mulher, que apressadamente o abre. Essa mulher nunca tinha visto um espelho. E vendo nele um vulto de mulher, fica indignada:

— Meu marido, comprou outra mulher!

E Mel de Crisântemo chora todas as lágrimas de seu pequenino coração. Os seus olhos chamam a atenção de sua mãe.

— Ah! mamãe, mamãe — grita ela. — Venha ver. Meu marido trouxe para casa outra mulher.

A mãe toma o espelho, olha-o e diz à filha:

— Fica sossegada: é tão velha e tão feia!

Sacha Guitry

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