domingo, 11 de outubro de 2015

OUTROS CONTOS

«O Deserto do Amor», por François Mauriac.

«O Deserto do Amor»
Romance de François Mauriac

639- «O DESERTO DO AMOR»

[Pequeno Excerto]

Raymond atravessou o Sena deserto, olhou o relógio da estação: seu pai já devia estar no trem. O moço desceu a plataforma de embarque, seguiu ao longo do comboio, não precisou procurar muito: atrás de uma vidraça se destacava o rosto morto; as pálpebras estavam fechadas, as mãos juntas sobre um jornal aberto, a cabeça um pouco derrubada para trás, a boca entreaberta. Raymond tocou com o dedo o vidro: o cadáver abriu os olhos, reconheceu quem batera, sorriu e tropeçando, adiantou-se ao seu encontro pelo corredor. 

Mas toda a sua felicidade se envenenou ante o receio pueril de que o trem partisse sem que Raymond tivesse tempo para descer:

- Agora que já o vi, que sei que você quis me rever, vá embora, meu querido: estão fechando as portas.

Em vão o filho lhe garantiu que ainda restavam cinco minutos, e que, além do mais, o trem pararia na estação de Austerlitz; o velho só se acalmou quando viu Raymond novamente na plataforma; então, baixando o vidro, envolveu-o num olhar cheio de amor.

Raymond indagava se nada faltava ao viajante; quereria outro jornal, um livro? Marcara lugar no carro-restaurante? O doutor respondia:

- Sim, sim… – e devorava com os olhos aquele rapaz, aquele homem tão diferente dele, tão parecido com ele – essa parte do seu ser que lhe sobreviveria algum tempo e que ele não deveria rever nunca mais.

François Mauriac

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