sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

OUTROS CONTOS

«Um Anarquista e Outros Contos», por Joseph Conrad.

«Um Anarquista e Outros Contos»
Romancista Inglês, de origem Polaca

704- «UM ANARQUISTA E OUTROS CONTOS»

[Excertos]

“Anarquistas, suponho, não têm famílias –de qualquer forma, não do modo como entendemos essa relação social. A organização em famílias talvez responda a uma necessidade da natureza humana, mas em última instância é baseada na lei, e  portanto deve ser algo odioso e impossível para um anarquista. Mas, de fato, não entendo os anarquistas. Um homem dessa… dessa facção permanece anarquista quando só, totalmente só e indo dormir, por exemplo? Ele deita sua cabeça no travesseiro, puxa suas mantas e vai dormir com a necessidade do ´chambardement général´, como na gíria francesa, o ´bombardeio geral´, sempre presente em sua mente? Se sim, como pode? Estou certo de que se tal fé (ou fanatismo) se apossasse de meus pensamentos, jamais seria capaz de compor-me suficientemente para dormir ou comer ou realizar quaisquer das rotinas da vida diária. Não desejaria esposa, ou filhos; não poderia ter amigos, me parece… Enfim, não sei. Tudo o que sei é que o Sr. X fazia suas refeições num restaurante muito bom, que eu também frequentava.”

“A parte mais interessante era o seu diário; pois esse homem, metido num trabalho tão mortal, teve a fraqueza de manter um registo do tipo mais condenatório. Lá estavam seus actos e pensamentos, desnudados diante de nós. Mas os mortos não se importam com isso… Um humanitarismo vago mas ardente o havia impelido em tenra idade para os mais amargos extremos da negação e da revolta. Você já ouviu falar de ateus convertidos. Eles se tornam fanáticos perigosos, mas a alma permanece a mesma. Após ter conhecido a garota, encontram-se naquele seu diário estranhas rapsódias político-amorosas. Tomava as poses de soberania dela com seriedade circunspecta. Ansiava por convertê-la… não sei se você se lembra, faz uns bons anos já, da sensação jornalística do Mistério da Hermione Street; encontraram o corpo de um homem no porão de uma casa vazia;  o inquérito, algumas prisões, várias conjecturas, e então silêncio, o final costumeiro para muitos mártires e confidentes obscuros. O fato é que ele não era suficientemente optimista. É preciso ser um optimista selvagem, tirânico, impiedoso, um faz-tudo como Horne, por exemplo, para resultar num bom rebelde social do tipo extremista”. O narrador pergunta sobre a garota: “Você quer realmente saber?  Confesso a pequena malícia de ter-lhe enviado o diário de Sevrin. Ela retirou-se; foi, então, para Florença; daí, recolheu-se a um convento. Não lhe saberia dizer onde irá depois. E isso importa? Gestos! Gestos! Meros gestos de sua classe! … Por isso essa raça está com os dias contados”.

Joseph Conrad

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