domingo, 26 de junho de 2011

HINO À POESIA

Já por mais que uma vez fiz referência no Poet'anarquista a Guilherme de Almeida. Por se tratar de um poeta brasileiro que muito aprecio, e pela coincidência (ou não) de ter sido um ilustre poeta alandroalense quem, pela primeira vez me deu a conhecer a sua poesia, faço agora publicação com dedicatória a José Camões Galhardas que solicitou a busca na web do poema «Esta Vida».
Poet'anarquista
Guilherme de Almeida
Poeta Brasileiro

«ESTA VIDA»


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.


Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida.


Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.


Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!


Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.

Guilherme de Almeida

1 comentário:

Anónimo disse...

Maravilhoso! Mais palavras para quê? Muito obrigado pela divulgação e partilha deste verdadeiro hino à poesia.

Vivam os poetas!