«Santo António»
Pintura do Séc. XVI
SOBRE SANTO ANTÓNIO…
Os museus e bibliotecas
portuguesas possuem quase tudo o que um erudito pode querer saber sobre este
português fora do vulgar, que viveu nos primórdios da nacionalidade. Porém para
a maioria dos que não vão às bibliotecas e raramente aos museus, o
dia 13 de Junho não passa de um agradável feriado em honra de Santo António,
onde se aproveita para ir comer caldo verde e sardinhas assadas, de preferência
junto aos bairros da Sé e ver as marchas populares.
As crianças já não pedem umas
moedas para enfeitar o trono do Santo e as meninas solteiras provavelmente já
não lhe pedem um namorado. Tanta popularidade, mais de oitocentos anos depois
do seu nascimento, leva-nos a recordar aspectos da vida deste santo, passada
entre Lisboa, Coimbra e Pádua.
Desde 1140 que D. Afonso
Henriques, o nosso primeiro rei, tentava a conquista de Lisboa aos Mouros,
feito que só teve êxito sete anos depois, em 1147, depois de prolongado cerco
imposto aos aguerridos Almóadas e com o oportuno apoio dos Cruzados, em número
treze mil (grande exército de homens cristãos que vieram do Norte da Europa,
rumo à Terra Santa, para expulsarem os Muçulmanos. Usavam uma cruz de pano como
insígnia, daí o seu nome. Houve oito Cruzadas desde 1096 a 1270).
Lisboa era pois uma cidade
recém-cristã, quando na sua catedral foi a baptizar o menino Fernando Martins
de Bulhões – Santo António, filho da fidalga D. Teresa Tavera, descendente de
Fruela, rei das Astúrias e de seu marido Martinho ou Martins de Bulhões. Há
dúvidas quanto ao apelido do pai, bem como se era ou não descendentes de
cavaleiros celtas. Sabe-se sim que D. Teresa nascera em Castelo de Paiva e o
marido numa terra próxima. Viviam em casa própria no bairro da Sé quando o
recém-nascido veio a este mundo, no ano de 1145, embora alguns apontem como
data de nascimento 1190 ou 1191.
Fernando frequentou a escola da
Sé e até aos 15 anos viveu com os pais e com uma irmã de nome Maria. Aos 20
anos professou nos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho em Lisboa, no Mosteiro
de São Vicente de Fora. Nesta ordem monástica prosseguirá os seus estudos
teológicos.
Rumou a Coimbra ao mosteiro de
Santa Cruz, onde tinha à sua disposição a melhor biblioteca monacal do País.
Nesse tempo era a abadia de Cluny, em França, que possuía uma das maiores
bibliotecas da Europa, com um total de 570 volumes manuscritos, porque ainda
não tinha sido inventada a imprensa. Aqui em Coimbra, sendo já sacerdote toma o
hábito de franciscano, em 1220. Segundo os seus biógrafos, Santo António terá
lido muito, e não foi por acaso que se tornaria pregador.
O mundo cristão vivia
intensamente a época das Cruzadas. A chamada «guerra santa» desencadeada contra
o Islão. E da parte dos Muçulmanos dava-se a inversa luta contra os cristãos.
Ambos acreditavam que a fé os levaria à vitória. De Oriente a Ocidente os
exércitos batalham, e neste turbilhão surgem novas formas de espiritualidade.
Em 1209 Francisco de Assis (S. Francisco) abandona o conforto e luxo da casa
paterna, para, com outros companheiros, se recolher numa pequena comunidade,
dando origem a uma nova reflexão sobre a vivência do Evangelho. É a aproximação
à Natureza, à vida simples e à redescoberta da dignidade da pobreza preconizada
pelos primeiros cristãos. Em poucos anos, homens e mulheres, alguns ainda bem
jovens e filhos de famílias abastadas e poderosas sentem-se atraídos por esta
vida de despojamento e sacrifício, com os olhos postos no exemplo de Cristo. A
Portugal também chegaram ecos deste novo misticismo.
Em Janeiro de 1220 são degolados
em Marrocos, pelos muçulmanos, cindo frades menores (franciscanos) e todo o
mundo cristão sofre um enorme abalo. A própria Clara de Assis (Santa Clara),
praticamente da mesma idade que Santo António (nasceu em 1193 ou 1194) vai
querer partir para Marrocos para converter os sarracenos, mas Francisco de
Assis seu amigo de infância e seu orientador espiritual não lho permite.
Por cá o nosso futuro Santo
António, já ordenado padre, decide mudar de Ordem religiosa e também ele passa
a envergar o hábito dos franciscanos. É nesta ocasião que muda o nome de
baptismo de Fernando para António e vai viver com outros frades no ermitério de
Santo Antão (ou António) dos Olivais, na altura um pouco afastado de Coimbra,
nuns terrenos doados por D. Urraca, mulher do rei D. Afonso II.
Em meados de 1220 chegam, com
grande pompa religiosa, ao convento de Santa Cruz de Coimbra, as relíquias dos
mártires de Marrocos e esse acontecimento vai ser decisivo no rumo da vida de
Santo António. Parte para Marrocos, sentindo também ele que é chamado a
participar na conversão dos chamados infiéis. Porém adoece gravemente e não
podendo cumprir aquilo a que se propunha, teve de embarcar de regresso a
Lisboa. Só que o barco é apanhado numa tempestade e o Santo vê o seu itinerário
alterado ao sabor de uma vontade superior. Acaba por aportar à Sicília num
período de grandes conflitos armados entre o Papa Gregório IX e o rei da
Sicília, Frederico II. Relembra-se que várias regiões do que é hoje a Itália
unificada eram reinos independentes e este ambiente de guerras geradoras de
insegurança e perigos.
Em Maio de 1221 os franciscanos
vão reunir-se no chamado Capítulo Geral da Ordem, onde Santo António está
presente. No final os frades regressam às suas comunidades de Montepaolo, perto
de Bolonha, onde, a par da vida contemplativa e de oração, cabe também tratarem
das tarefas domésticas do convento. Aqui os outros frades reparam na grande
modéstia daquele estrangeiro (Santo António) e jamais suspeitaram dos seus profundos
conhecimentos teológicos. Findo aquele período de reflexão, como que um
noviciado, os frades franciscanos são chamados à cidade de Forlì para serem
ordenados e Santo António é escolhido para fazer a conferência espiritual. E
começa a falar. Ninguém até ali percebera até que ponto ele era conhecedor das
Escrituras e como a sua fé e os seus dotes oratórios eram invulgares.
Pelo que se sabe quando começou a
falar imediatamente cativou os outros frades e a sua vida seria a partir
daquele dia de pregador da palavra de Cristo. Percorrerá diversas regiões da
actual Itália, entre 1223 e 1225. Por sugestão do próprio São Francisco vai ser
mestre de Teologia em Bolonha, Montpelier e Toulouse.
Quando S. Francisco morre, em
1226, Santo António vai viver para Pádua. Aqui vai começar por fazer sermões
dominicais, mas as suas palavras tão cheias de alegorias eram de tal modo
acessíveis ao povo mais ou menos crente, que passam palavra e casa vez mais se
junta gente nas igrejas para o ouvir. Da igreja passa para os adros para conter
as multidões que não param de engrossar. Dos adros passa a falar em campo
aberto e é escutado por mais de 30 mil pessoas. É um caso raro de popularidade.
A multidão segue-o e começa a fama de que faz milagres. Os rapazes de Pádua têm
mesmo que fazer de guarda-costas do Santo português tal a multidão à sua volta.
As mulheres tentam aproximar-se dele para cortarem uma pontinha do seu hábito
de frade como uma relíquia.
O bispo de Óstia, mais tarde papa
com o nome de Alexandre IV, pede-lhe que escreva sermões para os dias das
principais festas religiosas que eram já muitas na época. Mais tarde seria este
papa a canonizá-lo. Santo António assim faz. São hoje importantíssimos esses
documentos escritos, porque Santo António com pregador escreveu pouco. Apenas
lhe são atribuídos Sermones per Annum Dominicales (1227-1228) e In
Festivitatibus Sanctorum Sermones (1230). Sentindo-se doente, o santo pediu que
o levassem para Pádua onde queria morrer, mas foi na trajectória, num pequeno
convento de Clarissas, em Arcela, que Santo António «emigrou felizmente para as
mansões dos espíritos celestes». Era o dia 13 de Junho de 1231 quando faleceu.
Depois, como é sabido, foi
canonizado, em 1232, ainda se não completara um ano sobre a sua morte. Caso
único na história da Igreja Católica. Já que nem São Francisco de Assis teve
tal privilégio.
Os santos como Santo António, há
muito que desceram dos altares para conviverem connosco, os simples mortais,
que tomamos como nosso protector e amigo. O seu sumptuoso sepulcro, em mármore
verde em Pádua, na igreja de Santo António é o tributo do povo que o amou e é
muito mais do que um lugar de peregrinação e de oração. Através dos séculos, a
sua fama espalhou-se por todos os continentes. No dia 13 de Junho de cada ano,
Lisboa e Pádua comemoram igualmente a passagem por este mundo de um português
que pregou a fé e morreu em Pádua. Como todos os santos é universal.
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