sábado, 31 de maio de 2014

OUTROS CONTOS - PRÉMIO CAMÕES 2014

O poeta e historiador brasileiro Alberto da Costa e Silva, foi agraciado com o «Prémio Camões/ 2014.
Poet'anarquista
Alberto da Costa e Silva
Poeta e Historiador Brasileiro

«O Curupira e o Caçador», por Alberto da Costa e Silva.

«O Curupira e o Caçador»
Conto de Alberto da Costa e Silva

164- «O CURUPIRA E O CAÇADOR»

(Um conto baseado no mais famoso mito brasileiro, o protector da mata)

Um caçador perdeu-se no mato e lá ficou. Chegando debaixo de uma grande árvore, dormiu. 
Ouviu gritar. O curupira bateu nas sapopemas das árvores e gritou; tornou a gritar cada vez mais perto. Depois ouviu gritar ainda mais perto, já junto a si. Chegou o curupira junto dele, assentou-se e começou a conversar.

- Como estás, meu neto?

- Sempre bem, também.

- Ah! Meu avô! Eu perdi-me de casa,

- É possível, meu neto? Tua casa não é longe. Quando vieste de casa?

- Ontem, meu avô.

Continuaram a conversar.

- Ah! Meu neto! Eu estou com fome.

- Eu também tenho fome. Nada comi ainda hoje.

- Meu neto, eu quero comer.

- Eu também.

- Meu neto, tu me dás a tua mão para eu comer!

- Aqui está, meu avô.

Cortou a mão de um macaco, que tinha trazido da caça da tarde daquele dia, e lha deu. Pegou nela e comeu.

- Meu neto, a tua mão é gostosa, eu quero comer a outra.

- Aqui está, meu avô.

Pegou e comeu logo.

- Ah! Meu neto! É bem gostosa a tua mão. Tu me dás também o teu pé para eu comer?

- Aqui está, meu avô.

Cortou o pé do macaco e lho deu.

- Aí está, meu avô.

Logo o curupira pegou nele e comeu.

- Ah! Meu neto! É gostoso o teu pé!

- É possível isso, meu avô?

Depois pediu-lhe também o coração.

- Ah! Meu neto! Eu quero também o teu coração.

- Deveras, meu avô? Aqui está.

Tirou logo o coração do macaco e lhe deu.

O curupira pegou e comeu logo o coração do macaco. Depois ele pediu o coração do avô.

- Agora eu também quero o teu coração.

Antes que o curupira lhe pedisse outra cousa, pediu-lhe o coração.

- É possível, meu neto? Então dá-me a tua faca.

- Aqui está a minha faca.

Tomou imediatamente a faca, feriu-se, caiu e morreu. Aí ficou e ele foi-se embora.

- É bem feito que morresse.

Foi-se logo embora. Passando um ano, lembrou-se.

- Vou agora ver o curupira que morreu, para lhe tirar os dentes verdes para remédio; já deve estar podre, vou lhe tirar os ossos para bico de frechas. Foi-se logo embora. Chegando aí achou os ossos já brancos, e foi tirá-los com o machado que levou.

- Agora, com o machado, eu tiro os dentes.

Bateu logo com o machado nos dentes. Ele ressuscitou e assentou-se. O homem assustou-se bem.

- Ah! Meu neto! Estou com sede, quero água.

- Deveras?

Urinou logo no chapéu.

- Aqui está água para você, meu avô.

- Acordei agora bom, mas não sei em que ponto estávamos quando dormi. O que era, meu neto?

- Não sei.

- Agora vamos, meu neto. O que queres tu, meu neto?

- Não sei.

- Eu te dou uma frecha para tu matares caça.

- Dizes bem, meu avô.

- Então vamos.

- Vamos.

Foram para o mato e aí ele deu a frecha.

- Agora já tens uma frecha para caçar; queres ir-te embora?

- Quero ir.

- Sabes, por ventura, onde é a tua casa?

- Não.

- Então eu vou contigo para tua casa.

- Bem, meu avô, então vamos.

Chegaram perto de casa.

- Agora, meu neto, eu vou-me embora e te deixo. Quando tu quiseres, já sabes onde eu estou. Quando quiseres vai ter comigo. Sabes? Adeus! Desta frecha só tu sabes o jeito, não a leves para casa, não contes à ninguém, nem à tua mulher. Só tu sabes caçar com ela. Essa frecha é uma cobra surucucu; para matar a caça não precisa arco, basta jogá-la. Eu conto para tu saberes que ela te deixará. Bem, adeus!

- Adeus, meu avô! Agora quando eu for passear irei ter contigo.

- Bem, meu neto, eu estou sempre aí.

Depois ficou um caçador feliz; matava muito, enquanto que os outros não. Ninguém sabia como ele caçava. Diziam:

- Como é isso? Ele mata pássaro, mata caça; como nós então não matamos?

- Não sei.

- Nós vamos para o mato, caçamos e não matamos; ele vai e depressa chega, quando menos se espera.

Outros diziam:

- O que será então? Vamos vigiar como ele mata a caça.

- Vamos mandar dois meninos vigiar.

- Vamos.

Foram logo vigiar. Quando ele foi para o mato foram atrás. Foram escondidos vigiar, viram tirar a sua frecha do galho da árvore e logo foram vigiar como ele matava com a frecha.

- Já vimos onde estava a frecha, com certeza, já vimos.

Vigiaram-no. Achou logo um pássaro voando. Viram depois atirar atrás a frecha e ir ver o pássaro que estava morto no chão com a frecha ao pé.

- É assim! Já sabemos agora como ele mata caça.

Voltaram:

- Amanhã viremos para experimentar a sua frecha e ver como ele mata caça.

De manhã foram lá. Acharam a frecha; tiraram-na; experimentaram logo num pássaro que estava voando; atiraram; a frecha voou e voltou frechando um deles, que chegou a cair, morrendo logo o menino. O outro voltou e contou: "Morreu meu companheiro."

- De que morreu?

- Mordido pela cobra.

- Vamos ver.

Foram-no buscar e trouxeram o cadáver.

O dono da frecha foi buscá-la para ir à caça, mas chegando não a achou mais.

- Por onde perdeu-se minha frecha? Voltou talvez a ter com o seu dono. Agora sim, não tenho mais minha frecha! Que se perca! Talvez ele a achasse; por isso já ela voltou. Talvez a frecha voltasse e fosse ter com o curupira.

Não tardou em saber que acharam a sua frecha; que a experimentaram; que o menino foi mordido pela cobra, que morreu e que por isso ela foi ter com o curupira.

- Foi bem feito! Quem mandou bulir nela? Pensavam que era uma frecha à toa, quando era uma cobra. Assim fizeram perder-se a minha frecha, que não volta mais para mim.

Por isso o menino foi-se embora para outra terra, e fugiu com os outros parentes, que, por terem medo, se mudaram desse lugar.

Alberto da Costa e Silva

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