«Camarada, eu te Ensinarei o Furor!»
Frutos da Terra/ Hans Happ
737- CAMARADA, EU TE ENSINAREI O FUROR!»
[Excerto de 'Os Frutos da Terra']
"Tu não me dominarás, tristeza! Ouço um canto suave através
das lamentações, dos soluços. Um canto cujas palavras invento a meu talante. Um
canto que me fortalece o coração quando o sinto prestes a ceder. Um canto que
encho com teu nome, Camarada, e com um apelo aos que com ânimo responderão:
Erguei-vos
frontes inclinadas! Olhares voltados para os túmulos, erguei-vos. Não para o
céu vazio, mas para o horizonte da terra. Para onde te conduzirão teus passos,
Camarada, regenerado, valente, disposto a sair desses lugares empestados pelos
mortos; deixa tua Esperança transportar-te para a frente. Não permitas que
nenhum amor ao passado te retenha... Lança-te para o Futuro! A poesia, cessa de
transferi-la para o sonho; saibas vê-la na realidade. E se não estiver nela
ainda, coloca-a lá!
As sedes não estancadas, os apetites insatisfeitos, os
frémitos, as esperas vãs, as fatigas, as insónias... que tudo te seja poupado,
ah, como o desejaria, Camarada! Inclinar para tuas mãos, teus lábios, os galhos
de todas as árvores frutíferas. Fazer ruírem os muros, abaterem-se diante de ti
as barreiras sobre as quais o açambarcamento ciumento acaba de escrever: "Entrada proibida. Propriedade particular". Obter enfim que te caiba
a recompensa integral de teu trabalho. Erguer tua fronte e permitir enfim que
teu coração se encha não mais de ódio e inveja, mas sim de Amor! Sim, permitir
enfim que todas as carícias do ar, os raios do Sol e todos os convites à
felicidade te atinjam.
Ó
tu para quem escrevo – a quem chamava outrora por um nome que hoje se me
afigura demasiado dorido, a quem eu agora chamo Camarada – não admitas mais
nada de dorido no teu coração.
Saibas
obter de ti o que torne a queixa inútil. Não implores mais de ourem o que podes
obter.
Eu
vivi; é tua vez agora. É em ti que doravante se prolongará minha juventude.
Dou-te procuração.
Se sentir que sucedes a mim, aceitarei melhor a morte.
Transfiro-te minha Esperança.
Sentir-te
corajoso permite-me deixar a vida sem lamentos. Toma minha alegria. Faze tua
felicidade do aumento da de todos. Trabalha e luta e nenhum mal aceites que
possas mudar. Cumpre que saibas repetir sem cessar: depende de mim! Ninguém se
conforma sem covardia com todo o mal que depende dos homens. Deixa de
acreditar, se jamais o acreditaste, que a sabedoria está na resignação; ou
deixa de pretender à sabedoria.
Camarada,
não aceites a vida tal qual a propõem os homens. Não cesses de te persuadir que
ela poderia ser mais bela, a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra,
futura, que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua miséria. Não
aceites! Quando começares a compreender que o responsável por todos os males da
vida não é Deus, que os responsáveis são os homens, não te conformarás mais com
esses males.
Não
sacrifiques aos ídolos...."
André Gide
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