«A Roupa Nova do Imperador»
Conto de Hans Christian Andersen
751- «A ROUPA NOVA DO IMPERADOR»
Há muitos e muitos anos atrás, vivia um imperador que só
pensava em comprar roupas novas, e com isso ele gastava todo o dinheiro do
reino, sua única ambição era estar sempre bem vestido. Ele não se preocupava
com os soldados, e jamais sentiu qualquer inclinação pelo teatro, a única coisa
de facto, que o interessava era sair para exibir os seus novos trajes. Ele
tinha um manto para cada hora do dia, e quando para um rei se costumava dizer:
“Ele está em seu gabinete”, para ele se poderia dizer: “O imperador está em seu
vestuário.”
A grande cidade onde ele residia era muito alegre; todos os
dias muitos estrangeiros chegavam de todas as partes do globo. Um dia dois
vigaristas chegaram à cidade; eles faziam as pessoas acreditarem que eram
grandes tecelões, e afirmavam poder confeccionar as roupas mais finas que
alguém poderia imaginar. As cores e os modelos que eles criavam, diziam, não
eram apenas excepcionalmente lindas, mas as roupas feitas com o material que
eles produziam, possuíam a maravilhosa capacidade de ser invisível a qualquer
pessoa que não tivesse preparada para o cargo que ocupava ou fosse
imperdoavelmente tola.
“Essa deve ser uma roupa maravilhosa,” pensou o imperador. “Se
eu tivesse de vestir uma roupa feita com um tecido tão especial eu poderia
descobrir quais ministros do meu império não estavam preparados para os seus
cargos, e eu poderia distinguir o tolo do sábio. Eu preciso mandar fazer essa
roupa para mim sem demora.” E mandou oferecer uma grande soma em dinheiro para
os vigaristas, antecipadamente, para que eles iniciassem o trabalho
imediatamente. Eles prepararam dois teares, e fingiam trabalhar com muita
eficiência, porém, não produziam nada em nenhum dos teares. Eles solicitavam as
sedas mais finas, e os tecidos de ouro mais preciosos, e tudo o que eles
conseguiam eles pegavam para eles e trabalhavam nos teares vazios até tarde da
noite.
“Preciso enviar o meu ministro mais velho e mais honesto até
os tecelões,” pensava o imperador. “Não há ninguém melhor do que ele para
avaliar como as coisas estão indo, porque ele é inteligente, e ninguém entende
melhor do seu ofício do que ele.”
O velho e bom ministro foi até o local onde os vigaristas
ficavam diante dos teares vazios. “Meu Deus do céu!” pensou ele, e arregalou os
olhos, “Eu não estou conseguindo ver nada em absoluto!”, mas ele não disse isso.
Os dois vigaristas pediram para que ele se aproximasse, e lhe perguntaram se
ele não admirava os modelos primorosos e as cores belíssimas, e mostrava os
teares vazios. O pobre e velho ministro se esforçava o melhor que podia, mas
não conseguia ver nada, porque não havia nada mesmo para ser visto. “Oh, céus,”
pensava ele, “como posso ser tão tolo? Jamais teria pensado assim, e ninguém
pode saber disso! Será possível que eu não estou preparado para o posto que
exerço? Não, não, eu não posso dizer que eu não consigo ver o tecido.”
“Então, o que você tem a dizer?” disse um dos vigaristas,
enquanto ele fingia estar super ocupado tecendo.
“Oh, é muito bonito, extremamente belo,” respondeu o velho
ministro esforçando-se por enxergar através dos seus óculos. “Que modelo
primoroso, que cores brilhantes! Irei imediatamente dizer ao imperador que eu
gostei muito da roupa.”
“Ficamos muito contentes em ouvir isso,” disseram os dois
tecelões, e descreveram para ele as cores e deram explicações sobre o curioso
modelo. O velho ministro escutou tudo muito atenciosamente, para que ele
pudesse relatar ao imperador o que eles haviam dito, e assim fez ele.
Então os vigaristas pediram mais dinheiro, seda, e tecido de
ouro, que eles diziam serem necessários para o serviço de tecelagem. Eles
escondiam tudo para si mesmos, e nem sequer uma linha chegava perto do tear,
mas eles continuavam como até agora, a trabalhar em teares vazios.
Logo depois o imperador enviou um outro cortesão honesto até
os tecelões para saber tudo o que estava acontecendo, e se a roupa já estava
quase terminada. Do mesmo modo que o velho ministro, ele olhava e olhava mas
não conseguia ver nada, mesmo porque não havia nada para ver.
“Não é uma linda peça de vestuário?” perguntaram os dois
trapaceiros, mostrando e explicando os magníficos modelos, que todavia, jamais
existiram.
“Eu não sou estúpido”, pensou o homem. “Deve ser por causa
do elevado cargo que ocupo e para o qual eu não estou preparado. É muito
estranho, mas eu não posso permitir que ninguém fique sabendo;” então ele
elogiou a roupa, que ele não via, e expressou a sua alegria diante das cores
maravilhosas, e do finíssimo modelo. “É muito lindo,” disse ele ao imperador.
Todo mundo na cidade inteira comentava sobre a beleza da
roupa. Finalmente, o próprio imperador desejou ver com seus próprios olhos,
quando a roupa ainda estava sendo tecida nos teares. Acompanhado por um séquito
de cortesãos, incluindo os dois que já haviam estado lá, ele foi até os dois
vigaristas espertos, que agora empregavam maior esforço no trabalho, sem usar
nem sequer um fio de linha.
“Não é maravilhoso?” disseram os dois outros chefes de
estado que já haviam estado lá anteriormente. “Com certeza a Vossa Majestade
vai admirar as cores e os padrões.” E então apontavam para os teares vazios,
pois acreditavam que os outros não estavam vendo o tecido.
“Mas o que é isso?” pensou o imperador, “eu não estou vendo
nada. Isso é terrível! Serei eu um tolo? Será que estou despreparado para ser
imperador? Essa seria a coisa mais terrível que me poderia acontecer.”
“Realmente,” disse o imperador, virando-se para os tecelões,
“a sua roupa tem toda a nossa aprovação.” e balançando a cabeça satisfeito
olhava para o tear vazio, pois ele não queria dizer que não estava vendo nada.
Todos os acompanhantes, que faziam parte da sua comitiva, ficavam olhando e
embora não pudessem ver nada mais do que viam os outros, ele concordaram com o
imperador, “É muito lindo.” E todos aconselharam para que o rei usasse aquela
roupa maravilhosa durante uma grande procissão que em breve estaria para ser
realizada. “É magnífico, lindíssimo, excelente,” disse um deles, todos pareciam
estar encantados, e o imperador nomeou os dois vigaristas como os “tecelões
imperiais da corte”.
A noite toda que precedeu ao dia quando a grande procissão
se realizaria, os trapaceiros fingiam trabalhar e só nesse dia queimaram mais
de dezasseis velas. As pessoas deveriam ver que eles estavam ocupados fazendo
os acabamentos da nova roupa do imperador. Eles fingiam tirar a roupa do tear,
e pareciam estar trabalhando no ar com grandes tesouras, e costuravam com
agulhas que não tinham linhas, e disseram no final: “A nova roupa do imperador
ficou pronta.”
O imperador e todos os seus cortesãos foram até o salão, os
vigaristas mantinham seus braços levantados como se estivessem segurando alguma
coisa na mãos e disseram: “Estas são as calças!” “Este é o casaco!” e
"Aqui está o manto!” e assim por diante. “Estes trajes são tão leves
quanto teia de aranha, e a pessoa se sente como se não estivesse usando nada no
corpo, mas aí é que está a beleza delas.”
“De facto!” disseram os cortesãos, mas eles não conseguiam
ver nada, porque não havia mesmo nada para ser visto.
“Será que a Vossa Majestade por gentileza poderia se despir,”
disseram os trapaceiros, “para que possamos auxiliar a Vossa Alteza nos ajustes
da nova roupa diante do grande espelho?”
O imperador se despiu, e os vigaristas fingiram colocar nele
a nova roupa, peça por peça, e o imperador olhava para si mesmo no espelho de
todos os lados.
“Como ela lhe caiu bem!” “Como ficou bonita!” disseram
todos. “Que modelo arrojado! Que cores belíssimas! Esse é um traje magnífico!”
O mestre das cerimónias anunciou que os carregadores do
pálio, que haveriam de desfilar durante a procissão, já estavam prontos.
“Eu estou pronto,” disse o imperador. “A minha roupa nova
não caiu perfeitamente bem?” Então ele se virou mais uma vez para o espelho,
para que as pessoas pensassem que ele estava admirando os seus novos trajes.
Os camareiros, que iriam ajudá-lo a carregar a cauda,
estenderam suas mãos até o chão como se estivessem levantando a cauda, e
fingiam segurar alguma coisa em suas mãos, eles não queriam que as pessoas
soubessem que eles não estavam vendo nada.
O imperador marchava na procissão sob o belo pálio, e todos
que olhavam para ele na rua e pelas janelas exclamavam: “De facto, o novo traje
do imperador é incomparável! que longa cauda que ele tem! Como a roupa caiu bem
para ele!” Ninguém queria que os outros soubessem que eles não viam nada, pois
que seriam considerados incapacitados para o cargo que ocupavam ou tolos
demais. Nunca as roupas do imperador foram tão admiradas.
“Mas ele não está usando nada,” disse uma pequena criança
afinal.
“Deus do céu! ouçam a voz de uma criança inocente,” disse o
pai, e um sussurrava para o outro o que a criança havia dito. “Mas ele não está
usando nada”, gritaram afinal todas as pessoas. Isso causou uma forte impressão
no imperador, pois lhe pareceu que as pessoas tinham razão, mas ele pensou
consigo mesmo, “Agora eu vou ter de aguentar isso até o fim.” E os camareiros
caminhavam com mais dignidade ainda, como se carregassem a cauda que não
existia.
Hans Christian Andersen
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