«As Três Perguntas»
Conto de León Tolstói
871- «AS TRÊS PERGUNTAS»
“Certa vez, ocorreu a um imperador que, se soubesse
responder apenas às seguintes perguntas, nada jamais o afastaria do caminho
justo:
- Qual é o melhor momento para qualquer coisa?
- Quais são as pessoas mais importantes em qualquer
trabalho?
- Qual é a coisa mais importante a fazer em qualquer
momento?
O imperador promulgou um decreto para todo o seu império, anunciando
que quem soubesse responder às três perguntas receberia uma grande recompensa.
Depois de ler este decreto, muitos se dirigiram ao palácio com as suas
diferentes respostas.
Respondendo à primeira pergunta, alguém sugeriu ao imperador
que estabelecesse uma ocupação total do tempo, com as horas, dias, meses, anos
e as tarefas a realizar. Se seguisse isso à letra, o imperador poderia então
vir a fazer cada coisa em seu devido tempo. Uma outra pessoa retorquiu que era
impossível prever tudo, que o imperador devia pôr todas as distrações inúteis à
parte e manter-se atento a todas as coisas, para saber quando e como agir.
Uma outra insistiu que o imperador sozinho não podia possuir a clarividência e
a competência necessárias para decidir quando fazer algo. Parecia-lhe que o
mais importante era nomear um Conselho de Sábios e agir de acordo com as suas
recomendações. Uma outra pessoa disse que certas questões necessitavam de uma
decisão imediata e não podiam esperar por uma consulta. Contudo, se o soberano
desejasse conhecer com antecedência o que ia acontecer, ser-lhe-ia possível
interrogar os adivinhos e os magos.
As respostas à segunda pergunta também divergiram muito
entre si. Alguém disse que o imperador devia colocar toda a sua confiança nos
seus ministros; um outro recomendou que fosse aos padres e aos monges; outros,
ainda, aos médicos e mesmo aos militares.
À terceira pergunta foram dadas respostas igualmente
variadas. Alguns afirmaram que a procura mais importante era a ciência, outros
insistiram que era a religião e outros, ainda, a arte da guerra. O imperador
não ficou satisfeito com nenhuma das repostas e não atribuiu a ninguém a
recompensa.
Depois de várias noites de reflexão, o soberano decidiu
visitar um eremita que vivia na montanha e que era tido por ser iluminado. O
imperador desejava encontrar o santo homem para lhe fazer as três perguntas,
mas sabia muito bem que o eremita nunca deixava as montanhas e que era
conhecido por não receber senão pessoas pobres e por recusar qualquer contato
com ricos e poderosos. Por esta razão, o soberano disfarçou-se como um pobre camponês
e ordenou à sua escolta que esperasse por ele aos pés da montanha, enquanto
sozinho procurava o eremita.
Ao chegar à morada do homem santo, o imperador avistou-o a
cavar o jardim diante da sua cabana. Ao ver o estrangeiro, o eremita saudou-o
com a cabeça e continuou a cavar. Era um trabalho aparentemente muito penoso
para um velho: ele ofegava ruidosamente a cada vez que enterrava a enxada no
solo para revolver a terra. O imperador aproximou-se dele e disse: “Vim pedir a
vossa ajuda. São estas as minhas perguntas”:
“Qual é o melhor momento para qualquer coisa?”
“Quais são as pessoas mais
importantes em qualquer trabalho?” “Qual é a coisa mais importante a fazer
em qualquer momento?”
O eremita escutou-o atentamente e retomou o trabalho depois
de dar uma pequena palmada no ombro do imperador. O monarca disse então:
“Deveis estar cansado. Deixai-me ajudar-vos”.
O velho homem agradeceu-lhe, entregou-lhe a enxada e
sentou-se no chão para descansar. Depois de ter cavado duas fileiras, o
imperador parou, voltou-se para o eremita e repetiu-lhe as suas três perguntas.
De novo, o velho homem não respondeu, mas levantou- se e disse-lhe, mostrando a
enxada: “Porque não descansais um pouco? Eu continuo”. Mas o imperador
continuou a cavar a terra.
Passaram uma e outra hora. Por fim, o sol pôs-se
atrás da montanha. O soberano pousou a enxada e disse ao eremita: “Escutai-me,
eu vim até aqui para vos perguntar se sabeis responder às minhas três
perguntas. Mas se não souberdes, dizei-mo para eu regressar à minha casa”.
O eremita levantou a cabeça e perguntou ao imperador: “Ouvis
alguém a correr na nossa direção?”. O imperador virou a cabeça e ambos viram
surgir do bosque um homem com uma longa barba branca. Corria tropegamente, com
as mãos a pressionar uma ferida no ventre, que sangrava. O homem correu em
direção ao soberano até cair sem sentidos no chão. Gemia. Ao abrir a sua
camisa, o imperador e o eremita viram que ele tinha uma ferida profunda. O
monarca limpou-a totalmente e, a seguir, fez-lhe um curativo com a sua própria
camisa. Visto que o sangue corria abundantemente, teve de enxaguar e enfaixar
várias vezes a sua camisa até conseguir estancar o sangue da ferida.
Finalmente, o homem ferido retomou a consciência e pediu
água. O imperador correu até ao rio e trouxe consigo uma bilha de água fresca.
Ao longo de todo este tempo, o sol pusera-se e o frio da noite viera. O eremita
ajudou o imperador a levar o homem para a cabana, onde o deitaram sobre a cama.
Aí, ele fechou os olhos e adormeceu sossegadamente. O soberano estava esgotado
pela longa jornada que fizera, por caminhar na montanha e cavar o jardim.
Apoiando-se à porta, adormeceu. Por um momento, esqueceu-se de onde estava
e o que ali tinha ido fazer. Quando acordou, olhou para a cama e viu o homem
ferido, que também se perguntava o que fazia ali naquela cabana. Quando este
viu o imperador, olhou-o atentamente nos olhos e disse num murmúrio
dificilmente perceptível: “Por favor, perdoai-me”.
“Mas o que fizestes para merecerdes ser perdoado?”,
perguntou o soberano.
“Vossa Majestade não me conhece, mas eu vos conheço. Eu fui
vosso inimigo e fiz o voto de me vingar por terdes morto o meu irmão na última
guerra e por terdes se apoderado de todos os meus bens. Quando soube que
vínheis sozinho a esta montanha para vos encontrardes com o eremita, decidi
montar-vos uma cilada e matar-vos. Esperei durante muito tempo, mas vendo que
não vínheis, deixei o meu esconderijo para vos procurar. Foi assim que acabei
por dar com os soldados da vossa guarda que, ao reconhecerem- me, infligiram-
me esta ferida. Felizmente, consegui fugir e correr até aqui. Se não vos
tivésseis encontrado, teria, com certeza, morrido na hora. Eu tinha a intenção
de vos matar e vós salvastes-me a vida! Sinto uma enorme vergonha, mas também
um reconhecimento infinito. Se viver, faço o voto de vos servir até ao meu
derradeiro sopro e ordenarei aos meus filhos e aos meus netos que sigam o meu
exemplo. Suplico-vos, Majestade, concedei-me o vosso per- dão!”.
O imperador encheu-se de alegria ao ver com que facilidade
se havia reconciliado com um antigo inimigo. Não apenas o perdoou, mas prometeu
também restituir-lhe todos os seus bens e enviar o seu próprio médico e os seus
servidores para se ocuparem dele até se curar completamente. Após ter dado
ordem à sua escolta de reconduzir o homem a sua casa, o imperador regressou
para se encontrar com o eremita. Antes de regressar ao seu palácio, o soberano
desejava, por uma última vez, fazer as três perguntas ao velho homem. Encontrou
o eremita a semear os grãos nas fileiras cavadas na véspera. O velho homem
levantou-se e olhou-o: “Mas já tendes a resposta a essas perguntas”.
“Como assim?”, disse o imperador intrigado.
“Ontem, se não tivésseis tido
piedade da minha velhice e não me tivésseis ajudado a cavar a terra, teríeis
sido atacado por este homem quando regressásseis. Teríeis então lamentado
profundamente não terdes ficado comigo. Por consequência, o momento mais
importante foi o tempo passado a cavar o jardim, a pessoa mais importante fui
eu e a coisa mais importante foi ajudares-me. Mais tarde, depois da chegada do
homem ferido, o momento mais importante foi aquele que passastes a tratar da
ferida, porque se o não tivésseis feito, ele teria morrido e vós teríeis
desperdiçado a ocasião de vos reconciliar com um inimigo. Do mesmo modo, ele
foi a pessoa mais importante, e cuidar da ferida foi a tarefa mais importante.
Lembrai-vos que não existe senão um único momento importante, que é agora. Este
instante presente é o único momento sobre o qual podemos exercer o nosso magistério.
A pessoa mais importante é sempre a pessoa com a qual se está, aquela que está
diante de vós, porque quem sabe se vireis a estar ocupado com uma outra no
futuro? A tarefa mais importante é fazer feliz a pessoa que está ao vosso lado,
porque a procura da vida é apenas isso”.
León Tolstói
Sem comentários:
Enviar um comentário