A 31 de Janeiro de 1891, nasce, em São Vicente, Cabo Verde, o poeta português Luís Montalvor, pseudónimo de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos. Pertenceu ao grupo modernista, tendo sido um dos fundadores da revista Orfeu...
Poet'anarquista
Luís de Montalvor
Poeta Cabo-Verdiano
BIOGRAFIA
Luís de Montalvor é o pseudónimo do poeta, ensaísta e editor Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos. Nasceu a 31 de Janeiro de 1891, em S. Vicente, Cabo Verde, mas veio para Portugal com apenas dois meses de vida. Residiu no Brasil entre 1912 e 1915, regressando a Lisboa com a ideia de fundar uma revista modernista. Fundou a Orpheu (1915), a Centauro(1916) e, anos mais tarde, a editorial Ática (1942), um órgão fundamental na divulgação sistemática das obras completas de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.
Enquanto poeta, foi, certamente, um dos nomes maiores do modernismo português, assim como um interessante prossecutor da poesia da Decadência. Devemos-lhe também a divulgação dos inéditos de Camilo Pessanha que viriam a ser reunidos no volume intitulado Clepsidra. A poesia de Luís de Montalvor ficou dispersa por várias publicações, entre as quais se destacam as revistas supracitadas e as colaborações com a Presença,Exílio, Athena, Contemporânea, Sudoeste, Cadernos de Poesia e Seara Nova.
Só postumamente os seus versos foram coligidos num único volume. «Não nos ilude Luís de Montalvor na expressão essencial dos seus versos: vive num mundo seu, como todos nós; mas vive com vida num mundo seu, ao passo que a maioria, em verso ou prosa, morre o universo que involuntariamente cria» (Fernando Pessoa). Faleceu a 2 de Março de 1947, afogado no rio Tejo, num acidente de viação que vitimou, igualmente, a sua mulher e o filho único de ambos. Acidente? Suicídio? «Façamos com a dor, sem um queixume, / as guirlandas formosas desta vida!»
Fonte: Antologia do Esquecimento
ENTARDECER
Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!
E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
- Cintilações,
Penumbra de segredos!
Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!
E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…
Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…
Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.
Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!
Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.
A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
O céu vive no mar: sono profundo.
A asa do rumor no ar adormeceu!
Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa.
Surdina fluida: anda o silêncio a orar –
E há crepúsculos de asas e, na água,
O céu é mármore extático a cismar!
E nas faces marmóreas dos rochedos
Esboçam-se perfis,
- Cintilações,
Penumbra de segredos!
Ó painéis de nuvens sobre a terra,
Ogivas delirantes
Na água refractando…
Encheis de sombra o mar de espumas rasas,
Iniciando
A hora pânica das asas!
E, à meia luz da tarde,
Na areia requeimada,
São vultos sonolentos
As proas dos navios…
Ó tristeza dos balões
Iluminando,
Na água prateada,
Os pegos e baixios…
Dormentes constelações
Que, em fundos lacustres
E musgosos,
Pondes reverberações
Em nossos olhos ansiosos.
Ó tardes de aquático esplendor,
Descendo em meu olhar!
Num sonho de regresso,
Numa ânsia de voltar,
Em mim todo me esqueço
E fico-me a cismar.
A tarde é toda um sonho moribundo.
É já olor da cor que amorteceu.
O céu vive no mar: sono profundo.
A asa do rumor no ar adormeceu!
Luís de Montalvor
TARDE
Ardente, morna, a tarde que calcina,
como em quadrante a sombra que descora,
como em quadrante a sombra que descora,
morre − baixo relevo que domina −
como um sol que sobre saibros se demora.
Inunda a terra a vaga de ouro: fina
chuva de sonho. Paira, ao longe, e chora
o olhar errado ao sol que já declina
sobre as palmeiras que o deserto implora.
A um zodíaco de fogo a tarde abrasa,
A um zodíaco de fogo a tarde abrasa,
em terra de varão que o olhar esmalta.
− Estagnante plaino de ouro e rosas − vaza
nele a sombra, sem dor, que em nós começa
nele a sombra, sem dor, que em nós começa
e galga, sobe, monta e vive e exalta.
E a noite, a grande noite, recomeça!
Luís de Montalvor
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