quinta-feira, 3 de julho de 2014

OUTROS CONTOS

«Passagens da Vida», por Eveline Sambraz.

«A Contista Eveline Sambraz»
Milo Minara

194- «PASSAGENS DA VIDA»

Vou contar em prosa corrente
Fugindo a rimas sem jeito
O caso do nosso cantador
Que um dia, com um pente,
E operando sempre a preceito
Em clima de grande amor
Descarapinhou os pentelhos
Da Melanie Maria, em flor;
Tão lindos mas... ai... tão negros!

Versos de Pedro Archanjo (adaptados)
Personagem de Jorge Amado em «A Tenda dos Milagres”

Um dos vícios da contista, autora destas linhas, é tentar contar, com o humor possível, os casos de amor dos seus amigos. Raramente esse intento é conseguido, mas também não custa nada insistir. Aqui se trata de coisas simples, vulgares e autenticas. Nada de conversas sobre a crise, as eleições, ou a taxa de juro. Seriedade e tento na língua é o que esta escriba se propõe fazer hoje. Isto é, nada de banalidades.

Aqui se conta a primeira (e única, por enquanto) visita de uma das namoradas de um conhecido galã do Alandroal. Até esta visita apenas se conheciam através da internet.

Hospedado em casa de um amigo no Algarve, o encontro deu-se no Aeroporto de Faro. Ele, com aquele ar de moina que o caracteriza, enfarpelado com uma samarra, botas alentejanas e um chapéu preto adornado com uma pena, que tinha comprado, propositadamente para o efeito, a um marroquino, vendedor ambulante, no restaurante da Antónia, no mercado do Alandroal. O chapéu tem alguma importância neste caso pois tinha sido o acessório por ele escolhido para que ela o reconhecesse à chegada. E quando ela o viu, com o chapéu preto e aquela magnífica pena de pato ao alto, caminhou ao seu encontro. Sem floreados, o encontro é digno de registo. Foi assim: Carregando uma enorme sensualidade, a mini-saia permitindo a exibição das coxas morenas, um requebro ao andar e o branco transparente da blusa deixando adivinhar os movimentos do dorso, enquanto o sorriso mostrava dentes alvíssimos. Toda ela da cor do ouro.

Ele, enquanto a via caminhar na sua direcção, olhou-a com olhos conhecedores e pensou: «já safei a semana».

«A brasileira Melanie e o Galã do Alandroal»
Milo Manara

Foi então necessário um melhor conhecimento mútuo. Não se esqueçam que era a primeira vez que se viam. Dele não vale a pena dizer nada pois todos o conhecem bem. Ela era empregada numa empresa relacionada com o porto de Vitória, Estado de Vitória, Brasil. Empregada com estatuto superior, diga-se.

Falava correctamente quatro ou cinco línguas e conhecia toda a dinâmica económica da região. Ele, para além de umas noites bem passadas, ficou a conhecer melhor aquela parte do Brasil, pois ela foi muito pródiga na informação.

«Melanie trocando os olhos aos Ingleses»
Milo Manara

No segundo dia da Melanie (era esta a sua graça), em Portugal, pretendiam passar pela ilha da Culatra, num passeio turístico, mas perderam o barco. O taxi deixou-os no cais de Olhão exactamente no momento em que o barco se fazia à ria. O mesmo tinha acontecido a um grupo de ingleses que, frustrados, olhavam para o horário dos barcos sem o entenderem. Os “bifes“, geralmente, não olham muito para mulheres com algum pigmento na pele, mestiças, pardas ou cor de ouro, como era o caso da Melanie. São ainda reflexos do tempo em que tinham o império. Preferem aquelas deslavadas, brancas de alvaiade, com pés grandes e dentes de coelho, lá da terra deles. Mas a Melanie trocou-lhes os olhos, enquanto, num inglês perfeito, lhes explicava os horários dos barcos para a ilha da Culatra. Durante a explicação eles não deixaram de lhe mirar o umbigo que se abria aos olhos ingleses, qual cravo em Abril. Não deve ter sido apenas o umbigo da Melanie que lhes despertou a atenção. Foi também aquele cheiro a fêmea que ela exalava.

«E assim se comem sardinhas!»
Milo Manara

Acabaram por almoçar num dos restaurantes da doca. Na mesa ao lado, dois alemães já comiam as tripas às sardinhas, enquanto olhavam para as pernas da Melanie, que os curtos calções libertavam aos olhares germânicos. Foi então que ela espantou o companheiro ao explicar como deviam comer as sardinhas, num alemão perfeito e, mais uma vez, sem sotaque. Mulher culta, poliglota e boa de cama. Era a primeira vez que ele juntava estas três valências numa namorada. Até aí, já tinha tido as três coisas, mas sempre à vez.

«Click!... Melanie Samba Requebra»
Milo Manara

Depois dos dias algarvios, e depois da viagem de expresso que os deixou em Vila Viçosa, a Melanie ainda passou dois dias no Alandroal. Mas esses foram dias sem história, pois foram passados por ela a caiar a cozinha do nº 11 da rua de Olivença. A moça achou que era altura de tirar toda aquela caliça das paredes.

Ele forneceu a cal e os pincéis e a Melanie forneceu a mão d’obra. Regressou ao Brasil cansada mas contente e satisfeita. (incluindo a componente sexual). No fim, parece que ele ainda lhe compôs um samba com dedicatória especial: «Melanie, Melanie – requebra, requebra». Assim se chamava o samba.

Eveline Sambraz

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