domingo, 7 de julho de 2013

POESIA - RONALDO CUNHA LIMA

O poeta brasileiro Ronaldo José da Cunha Lima, também conhecido como «Poeta» (fazia questão de assim ser apelidado), nasceu em Guarabira, estado de Paraíba a 18 de Março de 1936. Grande admirador do poeta brasileiro Augusto dos Anjos, de quem veio a sofrer influências na sua poesia, destingiu-se por uma escrita poética acessível de linguagem, e igualmente ter uma enorme capacidade de síntese. Ronaldo Cunha Lima faleceu em João Pessoa, a 7 de Julho de 2012.
Poet’anarquista
Ronaldo Cunha Lima, ou o «Poeta»
Poeta Brasileiro
SOBRE O AUTOR...

Ronaldo José da Cunha Lima, poeta e político, nasceu em Guarabira, Paraíba, Brasil, a 18 de março de 1936.

Filiado no PSDB, foi deputado federal pelo estado da Paraíba.

Estudioso da obra do poeta Augusto dos Anjos, Ronaldo participou com brilhantismo do programa de televisão «Show sem Limite», respondendo sobre a vida e a obra do grande poeta paraíbano.

Membro da Academia Campinense de Letras, Membro do Conselho Federal da OAB, Ronaldo Cunha Lima ingressou na Academia de Letras em 11 de março de 1994, saudado pelo académico Amaury Vasconcelos.

Em 2004, Ronaldo foi indicado para ocupar uma cadeira na Academia Paraíbana de Letras (ABL).

Ronaldo, lançou, entre outros livros: «50 canções de amor e um poema de espera», 1955; «Livro dos tercetos - Em defesa da língua portuguesa» (discurso no Senado Federal, 1998); «3 seis, 5 setes, 4 oitos e 3 noves - grito das águas» (discurso no Senado Federal, 1999); «A seu serviço II», 1999; «A seu serviço III», 2000; «Roteiro sentimental – fragmentos humanos e urbanos de Campina Grande», 2001; «Breves e leves poemas», 2005.

Descrição de Antonio Carlos Secchin sobre a escrita do «Poeta»…

«… a despeito da diversificação métrica e temática, há uma permanência rítmica e lírica. Os intimistas denotam uma fixação amorosa. São, aqui e ali, pedaços de uma mesma história, real ou fictícia. Recheados de metáforas, os tercetos guardam sonoridade – sonoridade que Ivan Junqueira chamou de «quase pianística», a lembrar, segundo ele «The Five Finger Exercices», de T. S. Eliot. Finalmente, os tercetos justificam o título do livro. São breves e leves e permitem uma leitura agradável pela acessibilidade da linguagem e a mágica capacidade de síntese.» 
Fonte: www.antoniomiranda.com.br

TESTAMENTO

Porque sentimentais, quase abstratos,
os meus bens a dispor em testamento,
às mulheres que amei nalgum momento
deixo os meus versos junto aos seus retratos.

Aos meus irmãos eu deixo os meus sapatos
mas que não andem, nem por pensamento,
os caminhos que andei seguindo o vento
nos rumos de meus gestos insensatos.

A cada amigo meu, uma oração.
Aos inimigos deixo o meu perdão,
perdão com que a mim me perdoei.

Aos meus filhos e netos, minha história,
para que guardem sempre na memória
o quanto pela vida eu os amei.

Ronaldo da Cunha Lima  

Na Paraíba, alguns elementos que faziam uma serenata foram presos. Embora libertados no dia seguinte, o violão ficou detido. Tomando conhecimento do acontecido, o famoso poeta  Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a libertação do instrumento musical. 

Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa

HABEAS PINHO

O instrumento do "crime"que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.

Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.

O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão

Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.

O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular. 

RESPOSTA A «HABEAS PINHO»

Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar á porta do Juiz.

Roberto Pessoa de Sousa

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