«João Pateta»
Conto de Guerra Junqueiro
198- «JOÃO PATETA»
João era filho de uma pobre viúva, bom rapaz, mas um tanto
simplório. A gente da aldeia chamava-lhe, brincando, o João Pateta. Um dia
mandou-o a mãe à feira comprar uma foice. À volta, começou a andar com a foice
à roda, de maneira que a foice feriu uma ovelha,
e matou-a.
– Pateta, disse-lhe a mãe, o que devias ter feito era meter
a foice num dos carros de palha ou de feno de qualquer dos vizinhos.
– Perdão, mãe, respondeu humildemente o João, para a outra
vez serei mais esperto.
Na semana seguinte mandou-o comprar agulhas,
recomendando-lhe que não as perdesse.
– Fique descansada. E voltou orgulhoso.
– Então, João, onde estão as agulhas?
– Ah! em lugar seguro. Quando saí da loja onde as comprei,
ia a passar o carro do vizinho carregado de palha; guardei-as lá, não podem
estar em melhor sítio.
– Em tão bom sítio, que se não tornam a ver. És um brutinho,
devias tê-las espetado no chapéu.
– Perdão, tornou o João, para a outra vez hei-de ser mais
esperto.
Na outra semana, por um dia de calor, o João foi dali uma
légua comprar uma pouca de manteiga. Lembrando-se do último conselho de sua
mãe, pôs a manteiga dentro do chapéu e o chapéu na cabeça. Imagine-se o estado
em que apareceu em casa, com a cara a escorrer manteiga derretida.
A mãe já tinha medo de o mandar a qualquer recado. No
entanto, um dia, disse-lhe que fosse à feira vender galinhas.
– Ouve bem, não vendas logo pelo que te derem. Espera a
segunda oferta.
– Fico entendido, respondeu João. Foi para a feira. Um
freguês chegou-se a ele.
– Queres seis tostões por essas galinhas?
– Ora adeus! minha mãe recomendou-me, que não aceitasse o
primeiro preço, mas que esperasse o segundo.
– E tem muita razão. Dou-te um cruzado.
– Está bem. Parece-me que tinha feito melhor em aceitar o
primeiro, mas, como cumpro as ordens de minha mãe, ela não tem que me ralhar.
Depois disto, o João foi condenado a ficar em casa. Sua mãe
sabia que mangavam com ele, e se riam dela. Um dia quis fazer uma experiência e
disse:
– Vai vender este carneiro à feira. Mas não te deixes
enganar. Não o entregues senão a quem te der o preço mais elevado.
– Está bem, agora entendo, e sei o que hei-de fazer.
– Quanto queres por esse carneiro?
– Minha mãe disse-me que não o vendesse senão pelo preço
mais elevado.
– Quatro mil-réis.
– É o preço mais elevado?
– Pouco mais ou menos.
– É minha a lã e o carneiro, disse um rapaz que trepara a
uma escada.
– Quanto?
– Dez tostões.
– É menos, respondeu timidamente o João.
– Sim, mas vês até onde chega esta escada. Em toda a feira
não há um preço mais elevado.
– Tem razão. É seu o carneiro.
Desde esse dia, o João Pateta não tornou a ser encarregado
de
vender ou comprar fosse o que fosse.
Guerra Junqueiro
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