«Bárbara Ruiva»
O Encontro com Bárbara
422- «BÁRBARA RUIVA»
[Excerto]
«Ela tinha os cabelos ruivos, ondulados com suavidade, soltos e sedosos. As
poeiras, intensamente iluminadas, bailavam-lhe em torno e ganhavam a dulcíssima
tonalidade ruiva. Na concavidade das ondulações breves, o Sol escorria e
parecia acomodar-se em nichos de luz mais discreta. Um halo vaporoso
espiritualizava-lhe os contornos e fazia perceber suavíssima penugem que
faiscava com tons metálicos de cobre.
Ela falava, de costas para mim, e, de vez em quando, movia a cabeça ao sabor da
conversa. Cada movimento daquela cabeça sobrenatural enchia de confusão o mundo
luminoso das poeiras. Os grãozinhos projectavam-se à distância, salpicavam a
luz, revoluteavam em turbilhões doidos, atropelavam-se, chocavam-se e, pouco a
pouco, procuravam o equilíbrio perdido, aquietavam-se, refluíam para os fios
ruivos do cabelo.
(...)
Decerto um feixe de cabelos lhe caiu sobre os olhos, pois
vi, na faísca fulgurante de luz, uma pequena mão que se levantou à altura da
testa e afastou a fiada ruiva. Foi tão grande o alvoroço de poeiras que as vi
disparar, vertiginosamente, em linhas rectas, como saltam as partículas
incandescentes duma fogueira que se espalha com os pés. Deve ser assim o
deflagrar dos sóis que enxameiam o universo. Aquele, era um sol de cobre. A
minha cara, quase na obscuridade, devia ter a tonalidade ruiva. Sentia-a nos
olhos, nas faces, nas mãos e em tudo o que me rodeava. A cabeça dela cortava
totalmente o feixe de luz que incidia naquele mar de fogo e se reflectia
abertamente sobre mim, me aquecia e me narcotizava».
Rómulo de Carvalho
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