«O Travesseiro de Penas»
Conto de Horacio Quiroga
406- «O TRAVESSEIRO DE PENAS»
Sua lua-de-mel foi um longo calafrio. Loura, angelical e
tímida, o temperamento sisudo do marido lhe gelou as sonhadas fantasias de
noiva. E no entanto ela o amava muito, às vezes com um ligeiro estremecimento
quando, à noite, voltando juntos para casa, dava uma furtiva olhadela à alta
estatura de Jordán, que na última hora não pronunciara uma só palavra. Ele
também a amava muito, profundamente, mas sobre isso não dizia nada.
Durante os três meses – casaram-se em abril – viveram uma
felicidade peculiar. Certamente ela teria desejado menos sobriedade nesse
rígido céu de amor, uma ternura mais expansiva e menos controlada. Mas o
impassível semblante do marido sempre a refreava.
A casa onde moravam também contribuía para seus calafrios. A
brancura do pátio silencioso – frisos, colunas, estátuas de mármore – produzia
a outonal impressão de um palácio encantado. Dentro, o brilho glacial do
estuque, sem uma única e superficial fissura nas altas paredes, corroborava a
desconfortável sensação de frio. Na passagem de uma peça para outra, os passos
ecoavam por toda a casa, como se um longo abandono lhe tivesse aguçado a
ressonância.
Nesse singular ninho de amor, Alícia passou todo o outono.
Lançara um véu sobre os antigos sonhos e vivia como adormecida na casa hostil,
sem querer pensar em nada até a hora em que chegasse o marido.
Não surpreendia que emagrecesse. Teve um ligeiro ataque de
influencia que acabou se arrastando, insidiosamente, por dias e dias. Não
melhorava nunca. Num fim de tarde pôde ir ao jardim, apoiada no braço do
marido. Olhava para um lado e outro, indiferente. Jordán, com ternura
passou-lhe a mão na cabeça, e Alícia pôs-se a chorar, pendurada em seu pescoço.
Chorou longamente todo seu espanto calado, redobrando o pranto à mínima
carícia. Depois os soluços foram diminuindo e ela continuou abraçada nele, sem
mover-se e sem nada dizer.
Foi esse o último dia em que Alícia se levantou. No dia
seguinte amanheceu prostrada. O médico de Jordán veio vê-la e recomendou
repouso absoluto.
– Não sei o que ela tem – disse a Jordán em voz baixa, já na
porta da rua. – É uma fraqueza que não entendo. Sem vômitos, sem nada… Se
amanhã despertar como hoje, manda me chamar.
No outro dia Alícia estava pior. Veio o médico e constatou
uma anemia em progresso acelerado, completamente inexplicável.
Alícia não teve mais desmaios, mas era visível que caminhava
para o fim. Durante o dia todo o quarto permanecia com a luz acesa e em
silêncio. Corriam as horas sem que se ouvisse o menor ruído. Ela dormitava.
Jordán passava o dia na sala, também com todas as luzes
acesas. Andava sem cessar de um lado para outro, com incansável obstinação, o
carpete abafando-lhe os passos. De vez em quando entrava no quarto e continuava
em seu mudo vaivém ao longo da cama, detendo-se um instante em cada extremo a
olhar para a mulher.
Em seguida Alícia começou a ter alucinações. A princípio
eram confusas, variadas, depois se fixaram no chão do quarto. Com os olhos
desmesuradamente abertos, não fazia outra coisa senão fitar o tapete dos dois
lados da cabeceira da cama. Uma noite, com o olhar fixo, abriu a boca para
gritar, com as narinas e os lábios perlando suor.
– Jordán! Jordán! – clamou, por fim, rígida de espanto e sem
deixar de vigiar o tapete.
Jordán acudiu e Alícia, ao vê-lo, deu um grito.
– Sou eu, Alícia, sou eu!
Ela olhou como perdida, logo para o tapete, tornou a olhar
para o marido e, depois de um momento de atônita confrontação, acalmou-se.
Sorriu e, tomando entre as suas a mão de Jordán, acariciou-a por uma longa meia
hora, sempre tremendo.
Entre suas alucinações mais pertinazes, houve uma que era a
de um antropóide no tapete, erguendo-se na ponta dos dedos e com o olhar
cravado nela.
Os médicos voltaram a examiná-la, sempre em vão. Era uma
vida que se acabava, dia a dia se desangrando, hora a hora, sem que soubessem
como e por que aquilo acontecia. Na última consulta, Alícia jazia em estupor
enquanto lhe verificavam o pulso, um passando ao outro aquele braço inerte.
Demoradamente a observaram em silêncio e depois passaram à sala.
– É um caso gravíssimo – e o médico de Jordán balançou a
cabeça, desalentado. – Pouco ou nada se pode fazer.
– Era só o que faltava – desabafou Jordán, dedos
tamborilando na mesa com violência.
Alícia se esvaía em subdelírios de anemia. Nas primeiras
horas da tarde seu mal se atenuava, agravando-se com a chegada da noite. A
doença parecia não avançar durante o dia, mas no dia seguinte ela amanhecia
lívida, quase em síncope. Parecia mesmo que que tão-só durante a noite sua vida
escorria em novas vagas de sangue. Ao despertar, tinha a sensação de estar
esmagada na cama por um milhão de quilos. Desde o terceiro dia essa prostração
não mais a abandonara. Mal podia mover a cabeça e não quis que trocassem os
lençóis e a fronha. Seus terrores crepusculares avançavam agora sob a forma de
monstros que se arrastavam até a cama e subiam laboriosamente pela colcha.
Perdeu a consciência. Nos dois dias finais delirou sem
cessar à meia voz. As luzes continuavam funebremente acesas no quarto e na
sala. No silêncio agônico da casa, ouviam-se apenas o delírio monótono que
vinha da cama e os surdos passos de Jordán.
Alícia morreu por fim. A criada, entrando mais tarde no
quarto para arrumar a cama vazia, olhou intrigada para o travesseiro.
– Senhor – chamou em voz baixa. – No travesseiro há manchas
que parecem de sangue.
Jordán aproximou-se rapidamente. De fato, na fronha, em
ambos os lados da concavidade deixada pela cabeça de Alicia, viam-se manchas
escuras.
– Parecem picadas – murmurou a criada, depois de um instante
de atenta observação.
– Traz a lâmpada para cá.
A criada levantou o travesseiro e logo o deixou cair,
pálida, trêmula. Sem saber por quê, Jordán sentiu que seus cabelos se eriçavam.
– O que houve? – perguntou, rouco.
– Pesa muito – gaguejou a criada, sem deixar de tremer.
Jordán o ergueu. Pesava demais. Levaram-no para a mesa da
sala e ali Jordán cortou a fronha e o envoltório interno. As penas à superfície
voaram, e a criada, com a boca escancarada, deu um grito de pavor, levando as
mãos crispadas aos bandós. No fundo, entre as penas, movendo lentamente as
patas peludas, havia um animal monstruoso vivente e viscosa. Estava tão inchado
que quase não se distinguia sua boca.
Noite a noite, desde que Alicia ficara acamada, aplicara
aquela boca – aquela tromba, melhor dito – às têmporas dela, para sugar-lhe o
sangue. A picada era quase imperceptível. A mudança diária da fronha havia
impedido, a princípio, seu desenvolvimento, mas desde que a moça não pudera
mais mover-se, a sucção fora vertiginosa. Em cinco dias e cinco noites ele
esvaziara Alicia.
Esses parasitas das aves, diminuto no meio habitual, chegam
a adquirir proporções enormes em certas condições. O sangue humano parece lhes
ser especialmente favorável e não é raro que sejam encontrados em travesseiros
de penas.
Horacio Quiroga
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