«A Montra»
Conto de José Gomes Ferreira
412- «A MONTRA»
[Pequeno Excerto]
«Era a apoteose ao Porco em toda a pujança duma indigestão
fabulosa numa barriga transparente!
Confesso que me apeteceu, pelo menos, arrotar de aplauso.
Em vez disso, porém - caminhos complicados os do homem! -
aquela paisagem grosseira inventou-me uma melodia delicada e espiritual de
violino longo. E tive saudades.
Sim! Tive saudades absurdas da Paz autêntica que nunca
gozei, eu que pertenço a uma geração que já gramou - repito: que positivamente
já gramou! - duas guerras universais com as respectivas consequências do ódio
estrangulador de todas as pombas.
Senti saudades, não do passo, mas dum futuro qualquer, tão
distante, tão lá no fundo, tão sonho, tecido apenas de pequenas coisas doces,
num mundo menos pesado de cadáveres, desdenhoso de outro heroísmo que não fosse
o de vivermos a teima dos dias persistentes e, sobretudo, alheio à horrível
morte colectiva a substituir a boa, a individual, a sagrada morte de cada um.
- Vitória!… Vitória!…
… Assim cogitei toda a tarde, no oitavo dia do mês de Maio de
mil novecentos e quarenta e cinco, data em que findou a segunda grande guerra
mundial no meio de vivas e de bandeiras de triunfo, e em que tentei, em vão,
resignar-me ao mundo dos outros e às montras de enchidos de porco - sem
estrelas reflectidas nos livros»
José
Gomes Ferreira
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