«Conto do Papagaio»
Instrumentos Musicais e Papagaio/ Detalhe
Jean-Baptiste Simeon Chardin
593- «CONTO DO PAPAGAIO»
Era uma vez um pássaro iletrado que vivia em certo
reino. Ele cantava canções, mas nunca leu as Sagradas Escrituras. Ele saltitava
por todos os lados e voava, mas não tinha nenhum senso de etiqueta, costumes e
convenções. O rei proclamou, “Tal pássaro não tem nenhuma serventia. Ele apenas
come os frutos no pomar, e as frutas reais são perdidas para venda no mercado!”
Ele intimou seu ministro e ordenou, “Dê um pouco de educação a este pássaro!”
Coube, assim, ao sobrinho do rei a tarefa de educar o
pássaro.
Este, então, chamou pessoas eruditas que passaram horas sem
fim discutindo qual poderia ser a causa do analfabetismo daquela ave. Chegaram
todos à conclusão de que muita aprendizagem não podia ser fornecida ao pássaro
porque o ninho que ele construía com galhos finos e palhas era demasiado
pequeno. Por isto, em primeiro lugar, deveriam construir uma boa gaiola para a
ave.
Os eruditos receberam uma ampla recompensa por suas
deliberações e retornaram para suas casas alegremente.
O ourives começou a construir uma gaiola dourada. Resultou
disto algo tão novo e esquisito que pessoas, até das terras mais distantes, se
apressaram a dar uma olhada. Alguns disseram, “isto é o mais próprio para a
educação”, e outros disseram, “com Educação ou não, pelo menos ganhou uma
grande gaiola! Que pássaro feliz!”
O ourives recebeu um saco cheio de recompensas. Ele
apressou-se em retornar à sua casa, alegremente.
O erudito, então, veio para educar o pássaro. Um ideia lhe
ocorreu, assim, e declarou, “faltam alguns livros”.
O sobrinho intimou os escribas. Estes copiaram montões de
manuscritos, como montanhas de livros, e muitas outras cópias foram feitas.
Aqueles que viram aquilo disseram, “Bravo! Que aprendizagem abundante!”
Os escribas encheram suas algibeiras com recompensas. Eles
retornaram às suas casas; e nem eles, nem seus descendentes, tiveram mais com
que se preocupar até os fins de suas vidas!
O sobrinho estava sempre muito ocupado, fazendo infinitas
coisas sobre a muito preciosa gaiola dourada. Os reparos eram muito frequentes.
À parte disto, havia de lavar e limpar e polir a gaiola, regularmente mantida
para a pompa. Tanto que todos admitiram, “Mas que progresso e sinais de
melhorias!”
Centenas de pessoas foram empregadas, e para controlar todos
esses empregados, outras centenas mais foram contratadas. Mês após mês, enchiam
suas mãos de moedas e seus peitos de gordos salários. Eles, seus irmãos, irmãs
e primos, e os seus parentes por afinidade e os meio-irmãos estavam muito felizes
e teciam colchas luxuosas e viviam em plena opulência e felicidade.
Mesmo que no mundo falte muitas outras coisas, sempre há
muitos críticos à volta. E estes disseram, “a gaiola continua cada vez melhor,
mas ninguém se preocupa com o pássaro”.
Tais palavras chegaram ao ouvido do rei. Ele chamou seu
sobrinho e disse, “Meu caro Sobrinho! O que é isto que tenho ouvido?”
O sobrinho disse, “Majestade Real! Se tu realmente queres
saber a verdade, então chama o ourives, os eruditos e os escribas, convoca os
artífices que mantêm a gaiola e seus supervisores. Os críticos não podem fazer
duas coisas ao mesmo tempo, censurar e dizer disparates.”
A situação ficou absolutamente clara para o Rei, e o
sobrinho foi recompensado com um colar dourado imediatamente.
O Rei quis ver por si mesmo a tremenda velocidade com que a
educação era transmitida.
Deste modo, um dia, ele mesmo foi visitar a jaula, com a sua
corte e ministros.
Tão logo o Rei aproximou-se do edifício, houve um barulhento
coro de sinos, tambores e harpas, flautas e liras, e uma enorme cacofonia de
centenas de instrumentos musicais para anunciar a chegada real. Os eruditos
balançaram seus rabos de porco e começaram a cantar hinos em vozes altíssimas.
Os reparadores, os ourives, os escribas, os supervisores, e todos os seus
parentes levantaram as suas vozes para saudar a chegada do rei.
O sobrinho perguntou, “Majestade! Que pensas disto?”
O Rei respondeu, “Maravilhoso, de fato! Que som!”
O sobrinho disse, “Não é apenas o som, Majestade! Há muito
dinheiro por trás disto!”
O Rei parecia extremamente satisfeito. Ele cruzou os limites
do local e quando estava prestes a montar seu elefante para retornar, foi que
um crítico real escondido em um arbusto sussurrou, “Sua Majestade Real viu o
pássaro?”
O Rei ficou assustado, “Oh, meu! Esqueci-me totalmente! Não
vi o pássaro!”
Ele retornou e disse ao erudito, “Quero ver como você ensina
o pássaro.”
Ele viu e ficou muito satisfeito com o processo de educação.
O método era tão grandioso, que o pássaro nem foi notado;
melhor, bastante o suficiente, tanto que nem era necessário ver o pássaro.
O rei compreendeu que não havia carência nos planos. A
gaiola não tinha nenhuma comida ou água. Apenas resmas de páginas de centenas
de manuais estavam rasgadas e eram empurradas bico abaixo da ave, com ajuda de
canetas e penas. O pássaro não só não podia cantar, como também até não podia
gritar. O processo era muito excitante.
Desta vez, quando o rei montou em seu elefante para voltar,
ordenou que o perito da real puxação-de-orelhas puxasse as orelhas,
severamente, do crítico real.
Com o passar dos dias, de modo previsível, o pássaro
suavemente tornou-se semimorto. Os guardiões perceberam que a situação era
muito esperançosa. Ainda assim, devido aos seus maus hábitos e à sua natureza
selvagem, o pássaro via ocasionalmente o sol da manhã e batia suas asas de um
modo muito sujeito a objeções. Às vezes, parecia até que a frágil ave tentava
libertar-se da jaula, quebrando as varas com seu bico doentio.
O policial administrador disse, “Mas que demonstração de
indisciplina!”
Pelo sim, pelo não, o ferreiro foi chamado à escola com o
fole, o fogo e o martelo. Deu golpes espetaculares! A jaula foi reforçada, e as
asas do pássaro foram cortadas.
Os parentes reais proclamaram, com as suas bocas
escancaradas, “neste país, veja bem, os pássaros não são só indisciplinados e
estúpidos, mas também são ingratos!”
E, logo, os eruditos vieram com um lápis numa mão e uma
lança na outra, e fizeram algo que foi chamado de verdadeira educação!
O ferreiro tornou-se próspero. Sua esposa vestiu-se e
adornou-se de dourados. O policial administrador, por sua precaução, foi
ricamente recompensado pelo rei.
O pássaro morreu. Ninguém soube quando. Aquele crítico
infame espalhou o rumor, “O pássaro está morto!”
O rei chamou seu sobrinho, e perguntou novamente, “Caro
sobrinho, mas o que ouço?”
O sobrinho respondeu, “A educação do pássaro está completa
agora, Majestade!”
O Rei perguntou, “E ele não pula mais?”
O sobrinho disse, “Pelos Céus, não!”
“Ele ainda voa?”
“Não!”
“Ele não mais canta?”
“Não!”
“Ele grita se não consegue seus alimentos?”
“Não!”
O Rei disse, ”Traga-me o pássaro, quero vê-lo eu mesmo!”
O pássaro foi levado ao rei. Junto com o pássaro vieram o
chefe de Polícia, os sentinelas, os cavaleiros. O rei apertou o pássaro. Ele
não abriu a boca, não proferiu nenhum som. Somente os papéis ressecados dos
livros sussurraram em seu estômago.
Fora do palácio, as flores de Primavera exalavam seus
suspiros levados pelo gentil vento sul que soprava as jovens verdes folhas que
preenchiam o céu profundo e o vale estreito.
Rabindranath Tagore
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